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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

80 anos da Guerra Civil de Espanha lembrados em Caminha

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Camposancos: um campo de concentração e de extermínio diante dos nossos olhos

Caminha, vila do Alto Minho, é local de eleição para muitos dos meus fins-de-semana.

Há alguns dias dei-me conta que no Teatro Valadares decorria um evento centrado nos “80 anos da Guerra Civil de Espanha”, organizado pela Câmara Municipal de Caminha, pelo Agrupamento de Escolas Sidónio Pais e pelo Centro de Formação Vale do Minho.

Já não fui a tempo de ouvir as conferências de Paulo Torres Bento (“A Guerra Civil de Espanha foi a pior coisa do mundo” – O concelho de Caminha e o Alto Minho ao tempo do conflito de 1936 – 1939), de Fernando Rosas (“Portugal e a Guerra Civil de Espanha) e de Xosé Manuel Malheiro Gutiérrez (“Contra os libros e contra os mestres: formas de représion na guerra civil e no primeiro franquismo”).

Memorial de Camposancos

Pude no entanto assistir à primeira projecção em Portugal do documentário “Memorial de Camposancos” realizado, em 2007, por José Ballesta de Diego e Miguel Anxo Ferrnández Yáñez. E qual não foi o meu espanto ao conhecer a história do edifício que me habituei a ver na margem galega do rio Minho, em frente a Caminha, e que para mim era apenas o colégio jesuíta em que Manoel de Oliveira tinha passado três anos da sua infância.

A minha memória retinha o discurso de Marcello Mastroianni (o realizador Manoel de “Viagem ao Princípio do Mundo”) que a partir de Caminha apontava para o outro lado e tecia considerações sobre o rigor e a disciplina que Manoel e o seu irmão Casimiro ali experimentaram durante três anos.

Isso teria acontecido cerca de 1920 numa época em que a escola era gerida, desde 1916, pelos jesuítas portugueses do Instituto Nun’Álvares (expulsos do Colégio de Campolide, em Lisboa, pela 1ª República), e que haveriam de regressar a Portugal em 1932 (já na vigência da ditadura), instalando-se no Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso.

Não imaginavam os irmãos Manoel e Casimiro de Oliveira, quando regressaram a Portugal, o que se viria a passar no seu “colégio galego” nos anos da Guerra Civil de Espanha. Nem eu o sabia até ao passado sábado.

Colégio ou Campo de Concentração?

É esse o tema fundamental de “Memorial de Camposancos”. Nessa época os jesuítas portugueses já tinham sido substituídos pelos seus confrades espanhóis. Só que em certo momento da História o espaço foi partilhado com os falangistas franquistas que ali estabeleceram um campo de concentração. É verdade!…

Durante anos, enquanto que numa parte da casa os jovens recebiam a sua formação de acordo com os preceitos religiosos na outra parte do edifício eram aprisionados milhares de combatentes republicanos, algumas dezenas dos quais foram sumariamente executados (na sequência de simulacros de “Conselhos de Guerra”) e sepultados em vala comum, ou morreram vítimas de doenças contraídas na prisão. E tudo isto a escassas centenas de metros do território português…

O filme fala até de casos de prisioneiros que tentaram a fuga a nado para Portugal e que terão sido “devolvidos” pela PVDE (em 1945 rebaptizada como PIDE) e logo executados. Entrevistas com presos e habitantes das povoações das imediações do “colégio/campo de concentração” ilustram inúmeras imagens de arquivo e outras colhidas na altura da feitura do filme e que dão conta do estado de degradação actual do edifício.

E, nessas conversas, perpassam os sentimentos de cumplicidade, simpatia e solidariedade que marcaram o relacionamento de muitos dos “vizinhos de Camposancos” com os presos republicanos. E também da amargura com que ouviram os estampidos das armas dos pelotões de fuzilamento e assistiram ao transporte dos cadáveres para a “fosa comum” de Sestás. Sentimentos que os levaram à instalação, em 1978, de um “memorial” improvisado e em 1985 de um outro já com carácter monumental.

Manter a memória viva

E porque estes factos não devem ser apagados da memória e, pelo contrário, devem ser transmitidos às novas gerações, a iniciativa que decorreu em Caminha, nos passados dias 28 e 29 de Abril, começou com uma visita guiada por Xosé Manuel Malheiro Gutiérrez, ao Campo de Concentração de Camposancos e ao Monumento da Fosa Común de Sestás. O ferry-boat que liga Caminha a Pasaxe/Camposancos foi ocupado pelos participantes no colóquio e por 130 alunos do 9º ano das Escolas de Caminha e de Vila Praia de Âncora, alguns dos quais participaram num concurso escolar sobre a Guerra Civil de Espanha.

 

 

Censurado do Estado Novo

Para terminar, mais uma referência cinéfila. Na noite de 28 de Abril foi exibido, no Teatro Valadares, o filme “Por Quem os Sinos Dobram”, realizado em 1943 por Sam Wood e interpretado, entre outros, por Gary Cooper e Ingrid Bergman. Adaptação do célebre romance de Ernest Hemingway, ele próprio correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil, “Por Quem os Sinos Dobram”, centrado na história de um voluntário norte-americano que se integra nas “Brigadas Internacionais” que lutam ao lado dos republicanos espanhóis, é considerado um dos grandes filmes de amor da História do Cinema, mas por onde também passam a solidariedade, a crueldade da guerra, as traições e as divergências ideológicas.

Recorde-se que, comprado em 1950 para exibição em Portugal por Filmes Castello Lopes, o filme foi proibido pela Censura do Estado Novo.

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