Assumir essa responsabilidade é trabalho do próprio adicto. No entanto, até que ele consiga entender o que realmente se está a passar, vai permanecer numa posição de defesa e não acredita que a ajuda de facto existe.
Porque não acredita que pode viver a sua vida sem a sua droga de escolha. Pura e simplesmente não acredita. Vitimizam-se, escolhem a rotina que conhecem e praticam a negação e justificação como desportos linguísticos.
A longo prazo a espiral vai continuar e a morte é quase inevitável.
Quem já passou por isto sabe bem. Quem está em recuperação diz sem medo que saiu do inferno. Porque é que temos ainda vergonha, como sociedade, de encarar a adicção com a normalidade que lhe é devida?
Ouvi Mike Reis, CEO e fundador da DecisionPoint falar sobre o estigma e as gerações mais jovens. Disse numa entrevista que “o grande factor que impede muitas pessoas de obter a ajuda que precisam é o estigma associado, o ser rotulado como um viciado.
Isto é especialmente verdadeiro nas populações mais velhas que se isolam e sentem uma enorme vergonha. Surpreendentemente, a geração do milénio está a liderar o caminho para remover o estigma social.
Eu aprendi muito com os “Millennials” que vieram através do nosso programa ambulatório intensivo em DecisionPoint na Geórgia. Eles estão a conectar-se uns com os outros e com os que estão em recuperação, por meio da tecnologia e das redes sociais.
Os “Millennials” compartilham abertamente as suas histórias de recuperação e jornadas diárias na internet. Ao contrário das gerações anteriores que entraram em recuperação através do anonimato de AA, a geração do milénio não sente a necessidade de ser “acorrentado” a essas tradições. Eles estão mais focados a ser indivíduos e construir uma comunidade de apoio.
É comum vê-los orgulhosamente postar suas datas de aniversário de sobriedade no Facebook. Os “Millennials” parecem compreender que o caminho para manter sua sobriedade a longo prazo é compartilhar publicamente suas histórias pessoais como sobreviventes, e trazer a verdade para o centro das atenções, criar de uma comunidade de apoio.
Ao fazer isso, eles ajudam os outros a perceber que a dependência é uma doença e precisa ser tratada como tal, sem vergonha.
Muitos da chamada “geração do milénio” simplesmente não se importam muito sobre o que os outros possam pensar. O testemunho de uma heroinómana de 30 anos conta-nos que pediu ajuda sozinha porque, e diz “felizmente para mim, eu nunca me importei muito em saber o que a sociedade pensa de mim, e, como resultado, não senti vergonha de ir para a reabilitação.
O meu mundo consistia apenas de outros viciados, então a única vergonha podia ser essa. Do que eu sinto vergonha é do facto de que as pessoas neste país serem julgados tão duramente por serem viciados.”
Como alguém que trabalha agora numa clínica de reabilitação e trabalha com viciados, também na minha vida pessoal, tenho visto a devastação que o vício faz e como todos sofrem com isso.
A maioria dos viciados, quando limpos, são extremamente amorosos, carinhosos e pessoas produtivas. Eles simplesmente precisam ser ensinados a viver sem usar drogas ou álcool. A reabilitação é muito útil a este respeito, porque ensina os viciados (um termo que eu uso para todos os que sofrem de dependência de qualquer substância, incluindo o álcool) sobre a sua adicção, e as maneiras de lidar sem a muleta da sua substância.”
Todos estes depoimentos são importantes para perceber que o mais importante é poder falar abertamente do problema, consciencializar as populações de que o estigma e a vergonha apenas pioram consideravelmente a situação, mostrar às entidades públicas que a adicção não é um “tema”, um “problema”. É uma doença e como tal deve ser tratado com a mesma normalidade de outra doença.
Não é certamente algo que gostemos de ter, de ver, de sentir próximo, tal e qual como qualquer doença. Mas temos que ter a coragem de olhar nos olhos, não culpar, arranjar forças para procurar ajuda sem estigma e sem vergonha como se faz quando levamos alguém ao médico.
A sociedade do “Milénio” consegue já mostrar alguma verticalidade. Sem panos quentes e subjugações ao estigma.
Comecemos em Portugal por criar espaços físicos e informação pública adequada.Defendo um ambulatório integrado, exercido por profissionais – coisa que não existe – para além dos Centros. E um Serviço Nacional de Intervenção, ao qual as famílias possam recorrer sem inibições.
Precisamos todos que a adicção deixe de ser um “tema actual”, e passe a ser uma rotina com a qual qualquer cidadão possa saber lidar. Afinal em Portugal o alcoolismo é uma doença devastadora, onde existem inúmeras atenuantes que se baseiam unicamente na desinformação e na ignorância da população mais culta. A partir daí, tudo está dito.