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Sábado, Novembro 2, 2024

O 13 de Maio na cova da mão

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Historiador, Professor Universitário; investigador da área de Ciência das Religiões

Com a chegada do 13 de Maio, o frémito da fé percorre os caminhos – muitos desses caminhos darão a Fátima e a palavra aparição – e aparições – ecoa nos órgãos de comunicação, em certos centros onde os fiéis se reúnem e sobretudo no nosso pensamento, onde crença, dúvida, imaginário e cepticismo se sentam à mesma mesa como activos parceiros de um jogo sem grande sentido.

Antes de avançar quero dizer-vos que possuo dez modestas árvores, todas com ar muito juvenil. Uma delas, um pessegueiro, esteve nu e desvalido por cerca de treze meses.

Há um par de noites, aqui a minha terra foi fustigada por um bátega de água caudalosa, ininterrupta; o céu cortado a relâmpagos e os ouvidos agredidos pelos estampidos dos trovões.

A manhã apareceu depois, cinzenta e trôpega. E o meu pessegueiro tinha dado flor!

Creio que para mim as aparições estão a esse nível de pessegueiros em flor, quando contêm alguma coisa de inesperado – mas a esse mesmo nível, eu seria incapaz de mexer na crença alheia. Posso adiantar, porém, que elas, as aparições, vêm de longe e percorrem muitas narrativas. Por vezes, contradizem-se e noutras completam-se, já que quem conta um conto, acrescenta-lhe logo um ponto. São, a um mesmo tempo, coisas míticas e místicas, coisas do maravilhoso, do fantástico e do impensável, materializações de desejos, heranças de histórias que alguém quis tornar palpáveis.

Algumas dessas aparições tornam-se negócios extraordinários. E dão uma ajuda extraordinária na procura de identidade das religiões. São alavancagens económicas e ideológicas da fé institucional a que estão ligadas. Mas não são pacíficas, nem consensuais.

Ainda há dias, o Papa Francisco se viu a braços com um problema grave: alertou para o facto de testemunhos sucessivos não constituírem a identidade cristã. Trocado por miúdos: o aparecerem muitas pessoas a reproduzirem uma história não a torna realidade.

O que é que incomodava o papa?

As alegadas aparições de Maria, mãe de Jesus, em Medjugorje, na Bósnia e Herzegovina que, por si, dá outro artigo aqui no Jornal.

Conheço poucas religiões que desdenhem da aquisição de um bom tipo de aparição. Os próprios protestantes, mais avessos, procuram a aparição de Cristo em todos os seus actos e agarrados à palavra – isto é, à sua versão da Bíblia – constroem um imaginário irredutível em torno do que lhes aparece como certo. O Antigo Testamento, tal como a Bíblia, está cheio de aparições. A mais recorrente será traduzida na expressão Anjo do Senhor, que será, em última análise, o próprio Filho de Deus (Cristo, portanto).

Jesus lidava com as Aparições e era-o Ele mesmo.

Francisco de Assis, Teresa de Ávila ou alguns mais recentes, reclamavam ser testemunhas de aparições indiscutíveis. Maomé dependia das aparições, nomeadamente as que, através do Arcanjo Gabriel o punham em contacto com o seu Deus.

Anjos e arcanjos, espíritos e fantasmas são exemplos convergentes de uma mesma cultura. São protagonistas de inúmeras narrativas conducentes à construção do sagrado nas suas respectivas estruturas de crença.

O Sol, desde a mais remota antiguidade e até aos pagãos contemporâneos sempre foi a aparição das aparições – o meu pessegueiro em flor que o diga, tão precisado está da sua companhia e eu que o confirme, por dar-lhe créditos infinitos de bem-estar e retempero.

De um lado, temos sempre os revelados, do outro as revelações e aqueles que mais precisam delas.

flor-pessegueiro

Sim, somos todos pessegueiros, cada um na sua variedade.

Se virem um candelabro judeu – Menorá – ele resulta de uma aparição: um vaso de óleo milagroso. Quando o templo sagrado foi reconquistado, encontraram um único cântaro (vaso) de óleo puro inviolado, que seria suficiente para manter aceso o menorá durante apenas um dia. Milagrosamente, o óleo durou oito dias.

Em 1883 a Bem-aventurada Sóror Maria Serafina Micheli (1849-1911), fundadora do Instituto das Irmãs dos Anjos, passava pela cidade de Eisleben, na Saxônia, Alemanha e procurou uma igreja onde pudesse rezar e visitar a Jesus Sacramentado. As igrejas estavam fechadas e já era noite. Na escuridão localizou uma com as portas trancadas, mas ajoelhou-se nos degraus de acesso. Depois destas palavras, a religiosa viu uma horrível voragem de fogo, na qual era cruelmente atormentado um número incalculável de almas. No fundo dessa voragem via-se um homem: Martinho Lutero. Estava rodeado de demónios que o obrigavam a ficar de joelhos. Todos esses espíritos imundos equipados com martelos se esforçavam, em vão, para enfiar-lhe na cabeça um grande prego.

A freira convenceu-se, depois dessa aparição, que Martinho Lutero foi condenado ao Inferno, sobretudo por causa do primeiro pecado capital: a soberba. O orgulho fez que ele caísse no pecado capital e o levou para a aberta rebelião contra a Igreja Católica.

Não esqueço que Cristo ressuscitado protagonizou 18 momentos de aparição, cada um deles dignos de uma atenção atenta…

Bom…Depois de uma reconciliação com a figura da mulher, já que as religiões são assumidamente sexistas e nada integradoras, as aparições marianas tornaram-se frequentes e aceites. Uma das mais conhecidas é a aparição de 13 de Maio, na Cova de Iria, a meia dúzia de quilómetros de outra Senhora aparecida que foi destronada em 1917 ( a senhora da Ortiga, da mesma região e cujo culto, em menor escala, prevalece).

E dada a proximidade da data, aqui fica a prosa. Com o 13 de Maio na cova da mão… e um pessegueiro ao lado.

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