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Sábado, Dezembro 21, 2024

O 28 de Setembro de 1974

Carlos Ademar
Carlos Ademar
Mestre em História Contemporânea, escritor e professor na Escola da Polícia Judiciária

Pelas 19h15 do dia 28, Vítor Alves, na qualidade de porta-voz do Governo, surgiu aos microfones da Emissora Nacional para ler um curto comunicado, de que se destacam as seguintes passagens: «… é possível anunciar ao país que a situação está controlada em todo o território nacional».

Tal como o então primeiro-ministro, Spínola pretendeu mobilizar a população portuguesa menos activa politicamente, a fim de dotar o presidente da República da força de que sentia falta. Assim surgiu a ideia da realização de uma manifestação em Lisboa com esse objectivo, que foi marcada para o dia 28 de Setembro. De imediato, a esquerda e a extrema-esquerda uniram forças contra tal evento, ficando dessa forma reunidos os condimentos para o extremar de posições entre o PR, que contava com o apoio de alguns membros da Junta de Salvação Nacional (JSN) e dos pequenos partidos de direita e extrema-direita, e Vasco Goncalves, que tinha a seu lado a Comissão Coordenadora do Programa do MFA (CCP), os restantes generais da JSN e os partidos da esquerda e extrema-esquerda.

Esta fricção levou ao afastamento de um dos elementos das primeiras horas do MFA, Sanches Osório, o responsável pela introdução de Vítor Alves no Movimento. Sendo um democrata de direita, este major de Engenharia tomou o partido de Spínola a 28 de Setembro e voltaria a fazê-lo em 11 de Março. No livro de que é autor, Equívoco do 25 de Abril, deu largo destaque aos acontecimentos vividos na véspera do dia marcado para a realização da manifestação da «maioria silenciosa».

Assanhavam-se os espíritos e endurecia o braço-de-ferro directo entre Spínola e Vasco Goncalves. O primeiro exigia do Governo o restabelecimento da ordem, reclamando o levantamento das barricadas que a esquerda e a extrema-esquerda, com o apoio do Copcon, haviam levantado nas estradas de acesso à capital; o segundo recusava-se a fazê-lo em nome da ordem pública que a manifestação poderia por em causa.

Começavam a esgotar-se os argumentos a Spínola, que em desespero de causa, através de Galvão de Melo, terá desenvolvido esforços para conseguir que a NATO interviesse em Portugal, para, alegadamente, evitar a tomada do poder pelos comunistas. No entanto, como também estas diligências não resultaram, cada vez mais isolado, querendo exibir uma força que não tinha, o presidente da República tentou reverter a situação a seu favor e exigiu alterações na constituição da JSN, por falta de confiança em alguns dos seus membros. A CCP, porém, através de Franco Charais, não só recusou aceitar as exigências presidenciais, como impôs a demissão dos membros da JSN que haviam tido um comportamento menos digno para com Vasco Goncalves na noite de 27, além de que o presidente da República devia cingir a sua intervenção às funções que cabiam ao cargo.

Pelas 19h15 do dia 28, Vítor Alves, na qualidade de porta-voz do Governo, surgiu aos microfones da Emissora Nacional para ler um curto comunicado, de que se destacam as seguintes passagens: «… é possível anunciar ao país que a situação está controlada em todo o território nacional».

Enalteceu a unidade entre o MFA, o Governo e as massas populares, referindo que esta unidade constituía a maior garantia de consolidação das conquistas democráticas do 25 de Abril. Mais adiante, atacou a estratégia de Spínola, sem citar o nome do general: «O Programa do MFA jamais poderá servir de cobertura aos objectivos de minorias desesperadas que a toda a hora se recusam aceitar a democratização do país.»

Era Vítor Alves de novo presente num momento crucial da Revolução. Neste caso para fazer uma síntese dos acontecimentos aos portugueses, mas, essencialmente, para deixar uma mensagem de tranquilidade, porque mesmo quando esta escasseava, nunca lhe faltou a consciência de que era ela o condimento mais precioso em momentos de grande tensão como aquele que se vivia.

O quadro ficou negro para as forcas spinolistas, ao ponto de o general não vislumbrar outra alternativa que não apresentar a renúncia, o que fez com estrondo mediático no dia 30, renúncia alegadamente baseada na «análise pessoal e subjectiva da situação nacional.» Nesse dia à tarde, Vasco Gonçalves convocou os directores dos vários órgãos de comunicação social para um encontro em São Bento. Estiveram presentes os dois ministros sem pasta, Vítor Alves e Melo Antunes, mas quem tomou a palavra foi o primeiro-ministro, que foi dizendo ser impossível construir a democracia sem democratas, referindo os nomes de alguns dos generais que até ali haviam pertencido à JSN.

A determinado passo do improvisado discurso, foi interrompido por um assessor para ir atender uma chamada telefónica. Ao regressar, vinha emocionado e declarou que a JSN acabara de nomear o general Costa Gomes como novo presidente da República, pedindo uma salva de palmas aos presentes. Quem nos deu conta do episódio foi Marcelo Rebelo de Sousa, o actual PR, que representava o Expresso, estranhando o pedido naquele contexto. Ainda assim, os representantes da comunicação social anuíram ao pedido, parecendo até competir entre eles para ver quem prolongava mais os aplausos.

O estado de necessidade, invocado por Isabel Magalhães Colaço, defendido por Freitas do Amaral e aprovado por todos os restantes conselheiros de Estado, conferiu legitimidade a uma JSN reduzida a três elementos, sem que um deles, Rosa Coutinho, que se encontrava em Angola, como alto-comissário, pudesse eleger de forma directa o substituto de António de Spínola. Pinheiro de Azevedo e Rosa Coutinho, este por telefone, votaram ambos em Costa Gomes, desobrigando o general e novo presidente da República Portuguesa de exercer o voto. Entrava-se numa nova fase da Revolução.

Excerto de Vítor Alves, o Homem, o Militar, o Político, Carlos Ademar, Parsifal, 2015.

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