Esta falácia assentou arraiais a tal ponto que até Sindicatos e Trabalhadores dela se fazem eco como se de uma verdade universal se tratasse. Eis os “mitos urbanos” que importa desconstruir.
1º Mito
Produtividade: um problema de Capital e de Gestão, não do Trabalho
Ninguém contesta a qualidade e o valor dos Portugueses enquanto trabalhadores. Quer dos emigrados, reconhecidos e elogiados pelos países de acolhimento, quer daqueles que, em Portugal, trabalham em subsidiárias de empresas multinacionais. A Siemens e a AutoEuropa são exemplos de excelência, onde as mesmíssimas pessoas, nossos compatriotas, entregam níveis de produtividade acima da média. Com a globalização temos verificado que empresas com o centro de decisão em Madrid escolhem portugueses para as funções da mais alta responsabilidade.
Portanto não é uma condição genética. Os portugueses não são nem mais nem menos trabalhadores que outros povos europeus. A comparar com povos do norte da Europa, o que não recomendo, havendo métricas de equidade, em muitos casos os lusos ganhariam no Pepsi Challenge da produtividade, da resistência, da capacidade de sacrifício e da imaginação.
Ora se os Portugueses são reconhecidos como trabalhadores produtivos “lá fora”, o mesmo acontecendo com os que trabalham em multinacionais “cá dentro”, então o problema não é de ADN nem de Geografia. Temos portanto de procurar a variável que muda para descobrirmos a causa da baixa produtividade do Trabalho de que se queixam as empresas nacionais e as organizações que as representam.
Esta é, na verdade, uma não-questão. Não é necessária qualquer acuidade de visão especial ou superior perspicácia para constatar que as variáveis que diferem são o Investimento e a Formação dos Gestores. Mais rigorosamente, a qualidade e quantidade do Investimento e a ausência de competências técnicas e de liderança da larga maioria dos “patrões” do nosso tecido empresarial.
2º Mito
Investimento: endividamento na banca. Se correr mal perde-se o dinheiro alheio
Com efeito muitos empresários nacionais abominam a ideia de investir, sobretudo a de investir o seu próprio dinheiro. Uma larga percentagem de empresários é constituída por indivíduos que enveredaram pelos negócios apenas porque se acham superiores a toda a gente e acreditam piamente que “vender” é induzir os outros em erro, levá-los ao engano, ser mais “esperto” que eles.
Intimamente temem que tais expectativas não se realizem e está aí a razão de não investirem o seu próprio dinheiro e de pagarem salários baixos aos seus trabalhadores. Recorrendo ao crédito estão desde logo condicionados pelos juros dos respectivos empréstimos. Mas, como a concorrência impõe limites ao preço de mercado dos bens ou serviços comercializados, onde ir buscar os 6, 7, 8 ou what ever por cento, necessários para remunerar o crédito? À margem de lucro? Nem pensar! Aos vencimentos dos gestores e capatazes? Era bom, mas não dá! O que resta? Ao salário dos trabalhadores, evidentemente.
Muitas empresas lidam à partida com esta capitis deminutio na formação da variável de marketing Preço, da variável qualidade dos Recursos Humanos contratados e na remuneração do factor de produção trabalho. Desvalorizar a importância do trabalho na actividade da empresa é, por si só, um incentivo ao absentismo, à negligência, à indiferença. A cultura de empresa transmitida por esta atitude diz, no sub-texto: – uma vez que o que faço é pouco importante não haverá grande mossa se não o fizer ou o fizer de modo negligente.
O segundo aspecto tem que ver com a formação dos quadros superiores e intermédios das empresas. Ou com a falta dela. Como certos empresários o são por herança, capricho, acaso ou chico-espertismo, não têm quaisquer aptidões – nem técnicas, nem sociais, nem sequer humanas – para gerir ou liderar o que, ou quem, quer que seja. Com baixa formação académica temem defrontar primeiras linhas mais conhecedoras e preparadas que eles próprios. Não raro, quando contratam alguém capaz, competem com o seu executivo nas áreas de competência específicas deste, provocando mal-estar e desmotivação quando não mesmo animosidade. Por isso preferem “capatazes” a gestores. Não delegam, não formam, não aprendem também, e não deixam aprender.
Num mercado incipiente como o nosso, até há bem pouco tempo, vão-se safando à custa dos baixos salários que pagam. A produtividade gerada é fraca devido à ausência de “conhecimento”, da má qualidade do capital “investido”, da obsolescência de processos e ferramentas e da baixa motivação dos trabalhadores.
3º Mito
Salários: componente do Rendimento Nacional, determinam a Procura e o PIB
Uma estória, vivida na primeira pessoa, ilustra grandiloquentemente as origens dos problemas económicos do nosso país, do enorme fosso económico e social entre “abastados” e “sobreviventes”, da debilidade e dimensão das nossas empresas, da pouco sustentada e anémica Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e da extensão e progresso acelerado do número de famílias que vivem abaixo do limiar de pobreza.
A acção tem lugar num cabeleireiro da Rua Ferreira Borges, em Campo de Ourique, Lisboa. Quem me corta o cabelo é a “empresária” e proprietária do estabelecimento. Durante a “função” vamos conversando sobre o estado da economia, dos negócios, da crise, da sensível redução do número de clientes e da “procura” dos vários serviços oferecidos pela “empresa”. A proprietária queixa-se dos efeitos da crise no volume de negócios. E diz-me:
– Sabe? Antes da crise as moças da sapataria, do café e da loja de pronto-a-vestir ali da frente vinham cá três vezes por semana. Cortavam o cabelo, pintavam, tratavam das unhas, faziam a depilação, etc.. Actualmente se vierem uma vez por semana já é muito!
Perguntei-lhe: – Que medidas tomou para minorar os efeitos da crise?
Respondeu-me: – Não renovei os contratos de trabalho, passei o pessoal todo para Recibos Verdes e reduzi os ordenados.
E eu, quase de saída, deixei-lhe a seguinte pergunta para reflexão: – Já lhe ocorreu que os seus “colegas”, “empresários” dos negócios do outro lado da rua, fizeram exactamente o mesmo que você? As suas agora “colaboradoras” continuam a comprar sapatos, roupa, acessórios e a consumir o mesmo nos estabelecimentos em frente? Não, certo? As visitas são mais espaçadas, as compras de menor valor e há meses em que nem sequer lá entram, certo?
– Ora bem, você e os seus vizinhos comerciantes do outro lado prestaram um mau serviço ao volume de negócios e de transacções nesta rua ao precarizarem os recursos humanos e reduzirem o poder de compra destes, devido ao efeito boomerang que tais medidas “contraccionistas” geram. O que vai volta com um poder destrutivo tremendo. Teria sido melhor aumentá-las, melhorar o serviço e descobrir estratégias de atrair novos clientes.
Não é, como tal, imputável aos trabalhadores qualquer responsabilidade nos índices de produtividade. Se estes são baixos a causa está na má qualidade do “capital” e no reduzido know how de muitos empresários e gestores. Há inúmeros sinais de que, paulatinamente, esta situação tem vindo a evoluir num sentido positivo. Em alguns sectores de actividade de forma muito significativa. Mas a política de ordenados baixos continua.
A voracidade e a competitividade entre sujeitos leva à transferência dos lucros em objectos de consumo e de ostentação descapitalizando as empresas e reproduzindo o ciclo. Todos sabem que é uma opção errada a prazo mas o epicurismo hedonista que marca os tempos que correm determinam que se vá contra a razão. Aumentar os ordenados seria benéfico para todos os sectores, sobretudo no segmento dos rendimentos mais baixos onde a propensão para o consumo é mais elevada.
Enquanto a economia estiver refém do capital financeiro, predatório, necrófilo, tudo permanecerá mais ou menos na mesma, qualquer que seja o governo. É estúpido mas é assim!
Até quando?