Agostinho da Silva. Páginas Esquecidas | Quetzal
Agostinho da Silva, pop-star, o último sedutor, dialogante vivo e disponível, desorganizador e agitador benévolo e sorridente. Latinista e filólogo por formação, tradutor, poeta, biógrafo, ensaísta, ficcionista e professor, fez incursões pela entomologia e pela pintura, relojoaria, cerâmica e azulejaria. Estudou história, línguas, filosofia, teologia, matemática, ciências exactas e naturais. Acima de tudo, despertou-nos para a liberdade e a ousadia plenamente vividas. A sua figura marcou em definitivo o século xx português.
Helena Briosa e Mota é professora e mestre em Educação, além de tradutora. Dedica-se a investigar a obra pedagógica de Agostinho da Silva. Responsável pela selecção, anotação e estudos introdutórios dos volumes Textos Pedagógicos I e II e Biografias I, II e III, integrados nas Obras de Agostinho da Silva. Promoveu o levantamento de espólio de Agostinho da Silva, tendo a seu cargo o processo da PIDE/DGS. Publicou estudos em jornais e revistas. É coautora de Uma Introdução ao Estudo do Pensamento Pedagógico do Professor Agostinho da Silva.
(Quetzal)
Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Páginas Esquecidas» de Agostinho da Silva?
Honrar – porque honra é devida a quem a merece – e não deixar esquecer a espantosa obra empreendida por Agostinho da Silva em Portugal entre 1938 e 1947, de que mal se fala e a que poucos atribuem importância. Numa época de profunda iliteracia e clamoroso analfabetismo (das 750 mil crianças em idade escolar só cerca de 200 mil sabiam ler; entre iletrados adolescente e adultos, 800 mil ainda estavam em idade de aprender), Agostinho empreendeu uma campanha de educação popular e de divulgação cultural em Portugal, de norte a sul do país, com reduzidíssimos apoios. Praticamente sozinho, durante os anos 30 e 40, difundiu a cultura em associações, agremiações e clubes populares, respondendo aos apelos e pedidos que das mais variadas formas lhe chegavam; escrevendo, palestrando, montando exposições, promoveu e valorizou a recuperação de práticas ancestrais em vias de desaparecimento.
E, sobretudo, publicou e divulgou, a expensas próprias, cerca de três mil páginas de Cadernos de Divulgação Cultural de que se dá nota nestas «Páginas Esquecidas», numa selecção de 450. Escritos para crianças, jovens, e para a população em geral, nestes cadernos procurou Agostinho estabelecer os alicerces de uma cultura geral, dando informação quanto possível certa e objectiva «sobre o que no mundo significa progresso». Eis o seu mote, os seus intuitos, e por que me rendo perante este homem coerente, de conduta exemplar, em defesa do interesse comunitário, a quem ficamos a dever a campanha que, sendo de divulgação cultural, acabou por se tornar numa efectiva campanha de elevação pessoal. Em defesa do direito de cada um ao saber e à cultura.
Embora por algum tempo visse o seu nome enlameado, e estivesse inclusive privado da liberdade (durante 19 dias na cadeia do Aljube), não desistiu, porque a sua consciência assim lho ordenava. Todos, sem excepção, mesmo que não tenhamos consciência disso, estamos em dívida para com este homem: pela obra colossal que empreendeu, pela forma exemplar como a desenvolveu, pelo espólio que nos legou. Honra, por conseguinte, lhe é devida. E agradeço à Quetzal e ao Francisco José Viegas pelo desafio, pela coragem, e também pelo baptismo da obra: preciosas, estas Páginas não poderiam continuar Esquecidas. Seria um crime de lesa-cultura.
De que forma os textos que reuniu nesta antologia permitem conhecer melhor as ideias de Agostinho da Silva?
Os textos que aqui se reúnem constituem, a meu ver, o proto pensamento de Agostinho da Silva. Porque em si encerram a base do pensamento que, consistentemente, ao longo da vida, irá desenvolver e consolidar.
Comecemos pela ideia de mundo que tem em mente: um mundo melhor, onde pessoas e povos sejam mais realizados, mais conscientes do que querem e liminarmente rejeitam. Deu-lhe muitos nomes, de «mundo novo», «mundo da cidade planetária», ou «Reino do Espírito Santo»; mas o sonho, a ideia para esta «era» que tanto propalou, nunca deixou de ser a de um mundo em que há respeito, liberdade, igualdade e fraternidade; em que há comida, educação e saúde para todos; em que se respeita e dá liberdade à criança de escolher a sua via; em que se cuida do ambiente e dos animais que com os humanos coabitam; em que o trabalho, que se deseja seja criativo e fonte de realização é visto como fonte de prazer e não como castigo; em que existe tempo para a criação, o tal tempo de ócio e de liberdade em que será possível criar. Em liberdade se poderá criar: criar saber, criar cultura, criar beleza, criar alegria e bem-estar.
Agostinho não sonhou este mundo para si próprio; muito menos, em exclusivo, para os seus, a quem queria e amava: sonhou-o para todos os que connosco habitam o planeta. Que deseja mais fraterno, porque desapossado de preconceitos, sejam religiosos – nestas Páginas Esquecidas temos o quadro geral das bases do pensamento ecuménico agostiniano –, sejam discriminatórios. É um mundo de respeito e defesa dos direitos humanos; governado por dirigentes de qualidade moral e intelectual excepcional, que têm como desígnio garantir a felicidade aos seus governados; que difundem a compreensão e promovem uma efectiva cooperação inter-povos. Mundo, sobretudo, onde as pessoas são educadas para pensar pela sua cabeça, onde se recusam a ser manipuladas e não aceitam doutrinas sem as discutir ou questionar. Pouco se tem falado do pensamento político de Agostinho. Há que o ler.
E espantar-nos-emos com a actualidade desse pensamento, com o teor revolucionário do seu conteúdo: «… para que possa, melhorando-se, melhorar também os outros, o homem precisa de ser livre; as liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica…». Há que o ler, repito. E, da sua leitura, continuarmos na acção por ele proposta: reunirmo-nos, juntarmo-nos, para conversar, debater, discutir… Outra ideia basilar em Agostinho é a do amor pela Língua Portuguesa. Porque elo de comunhão entre povos; de comunhão, de elevação e de libertação…
Curiosamente, é nos textos que escreve para a mocidade e a juventude que se conseguem entrever as ideias mais íntimas, as grandes convicções de Agostinho. Há que os ler. Poderia continuar. Cansaria os leitores. Mais que lerem o que eu ou quem quer que seja possa dizer sobre Agostinho, há que ler a palavra do próprio Agostinho!
Estas páginas esquecidas são peças inéditas e avulsas: que outras áreas (eventualmente menos conhecidas mas importantes) podem ser exploradas do pensamento de Agostinho da Silva?
Insistiria na necessidade de dar a conhecer o que permanece «esquecido» desta obra comeniana de divulgação do saber, verdadeiro contributo para a educação permanente, onde são oferecidas as bases do que se considerava (e continua) ser o conhecimento necessário. E fá-lo para todos, tratando diferentes assuntos, das artes às ciências, das literaturas às religiões, das vidas de grandes modelos da humanidade (sejam inventores, descobridores, escritores, místicos, poetas, professores) às aventuras que galvanizaram a História e a que devemos o nosso actual bem-estar: porque nos foi trazido pelo esforço e pela coragem desses indómitos aventureiros que se ultrapassaram em prol de um sonho e de uma causa. Exemplos a seguir. Onde, em regra, descobrimos mais uma (nova) faceta de Agostinho. Estou segura que, depois de conhecidas as mais de 2500 páginas que permanecem, ainda, esquecidas, muito se evoluirá no conhecimento e compreensão do pensamento, mas também da vida de Agostinho da Silva.
Agostinho da Silva
Páginas Esquecidas
(Helena Briosa e Mota: Organização, fixação do texto, selecção, introdução e notas)
Quetzal. 19,90€
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