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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

40 anos sem o monumental Cartola

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

No dia 30 de novembro de 1980, o genial Cartola despediu-se da vida

Há quarenta anos, em 1980, no início de dezembro, no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, o ritmista da Mangueira cumpriu, com tristeza, o pedido feito pelo pedaço da história do samba que estava sendo sepultado ali. Cartola (civilmente, Angenor de Oliveira), despedira-se da vida no dia anterior, 30 de novembro, levado por um câncer. Três dias antes, prevendo o desfecho fatal, ele havia dito aos amigos: “Quando for enterrado, quero que Waldemiro toque o bumbo.”

Aquela cerimônia fúnebre reuniu assim dois mitos da música popular brasileira. A lembrança da Estação Primeira de Mangueira – a escola de samba do coração de Cartola, que participou de sua fundação, em 1928 – e o próprio Cartola (apelido que ganhou por trabalhar, como pedreiro, usando um chapéu para evitar que o cimento das obras sujasse seu cabelo), considerado por muitos como o maior sambista da história.

Negro, neto de escravos, viveu quase toda a vida na favela. Estudou apenas os quatro anos do antigo curso primário, pois precisou deixar a escola para trabalhar e ajudar a manter a família. Teve vida difícil, principalmente quando morou na rua, beirando os cinquenta anos de idade, e vivendo de pequenos expedientes. Muitos o julgavam morto, até que, no final dos anos 50, o jornalista Sérgio Porto (Stalislaw Ponte Preta) o reconheceu numa madrugada, como vigia de carros, e o reapresentou aos meios jornalísticos e artísticos.

Cartola (Fonte: Arquivo IMS)

Naqueles anos, de emergência da Bossa Nova, Cartola foi logo reconhecido como um dos maiores compositores e poetas do samba. Aos poucos foi galgando os degraus da fama. Ele tinha 66 anos quando, em 1794, gravou o primeiro de seus quatro discos.

Cartola já foi considerado, em livro pelo também poeta Ferreira Gullar, um autêntico exemplo da erudição presente na música popular – com papel parecido ao de Johann Sebastian Bach na música erudita . Cartola é autor de alguns dos mais belos versos da música brasileira, como “abismo que cavaste com os teus pés”, de O Mundo é um Moinho, ou “as rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubam de ti”, de As Rosas Não Falam.

Esta nota, cujo objetivo é lembrar e homenagear sua memória, tem também o objetivo principal de lembrar alguns dos monumentos musicais criados por Cartola.

 

Ouça-os!

As Rosas Não Falam

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim

 

 

O mundo é um moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

 

 

Tive, sim

Tive, sim
Outro grande amor antes do teu
Tive, sim
O que ela sonhava eram os meus sonhos e assim
Íamos vivendo em paz
Nosso lar, em nosso lar sempre houve alegria
Eu vivia tão contente
Como contente ao teu lado estou
Tive, sim
Mas comparar com o teu amor seria o fim
Eu vou calar
Pois não pretendo amor te magoar

 

 

Alvorada

Alvorada lá no morro
Que beleza
Ninguém chora
Não há tristeza
Ninguém sente dissabor
O sol colorindo é tão lindo
É tão lindo
E a natureza sorrindo
Tingindo, tingindo
A alvorada
Você também me lembra a alvorada
Quando chega iluminando
Meus caminhos tão sem vida
E o que me resta é bem pouco
Ou quase nada, do que ir assim, vagando
Numa estrada perdida

 

 

Preconceito

Crime, é mais que um crime
É desumanidade, essa perseguição
É o cúmulo da maldade
Se todo mundo sabe que nós nos casaremos, quer queiram, quer
não
Oh, maldito preconceito
Afasta-te no ajeito, a que nada conseguirás
Por quê, recebemos dos céus a benção de Jesus, que é mensagem de
paz
Nosso amor não acaba mais
Viveremos sempre em paz

 

 


Texto em português do Brasil


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