A propósito do palmarés da 63ª edição da mostra de cinema de Valladolid, que terminou no sábado passado, estivemos tentados a fazer um ‘copy paste’ do que escrevemos há um ano acerca dos prémios da SEMINCI de 2017. De facto, e quando o grupo de “especialistas” que constituem o júri depara com uma selecção numerosa e equilibrada, mas com um nível médio relativamente baixo, a probabilidade de os prémios recaírem nos títulos apontados como menos favoritos é muito elevada. Há uma tendência quase sempre confirmada de escolher os menos falados e ignorar os que foram recolhendo as preferências do público ou dos representantes da imprensa acreditada no festival.
Desta vez o júri presidido pelo cineasta português Miguel Gomes confirmou de novo essa tendência e resolveu entregar o galardão maior do certame – a ‘Espiga de Ouro’- a um banal filme canadiano: “Gènese”, realizado por Philippe Lesage. Sem que isso tenha um significado determinante, refira-se que no painel de cinco críticos espanhóis que diariamente pontuaram os concorrentes no diário de Valladolid “El Norte de Castilla”, o filme que haveria de ser o vencedor figurava em 12º lugar entre os dezoito trabalhos em competição… “Gènese” é, em nossa opinião, uma abordagem desinteressante sobre o despertar sexual e amoroso de adolescentes que vivem num internato, tema tratado de uma forma fastidiosa e que termina sem que se perceba muito bem qual o objectivo que o realizador tinha em mente quando resolveu submeter o espectador a mais de duas horas de espera para no final se constatar que não havia nada de relevante para contar. Mas aqueles a quem foi concedido o poder para atribuir os prémios descortinaram no filme o que muitos não viram e não foram de modas: entregaram a Philippe Lesage a distinção para o ’Melhor realizador’ e consideraram Théodore Pellerin, um dos intérpretes do filme, o “Melhor Actor”.
Outros prémios
Outro filme em destaque no palmarés foi “The Miseducation of Cameron Post” de Desiree Akhavan, um trabalho sobre a identidade de género que conta a história de uma rapariga lésbica que é internada num centro terapêutico para mudar a sua orientação sexual. Para além do Prémio da Juventude o filme recebeu por parte do Júri Oficial, a ‘Espiga de Prata’, ex-aequo com ‘In Den Gängen’ / (Ao Virar da Esquina) um curioso trabalho do alemão Thomas Sturber que tranpôs para o cinema um conto de Clemens Meyer que situa a acção nos corredores de um enorme hipermercado situado na ex-RDA. Um belo exercício sobre a solidão, a incomunicabilidade e a ausência de perspectivas e ambições, mas também sobre a solidariedade e o relacionamento inter-pessoal.
De salientar também “Ága” do búlgaro Milko Lazarov, vencedor do prémio para o melhor novo realizador e da ‘Espiga Verde’, destinada a filmes de temática ambiental, pela primeira vez atribuída pela SEMINCI. ‘Ága’, para nós um dos grandes filmes do Festival, passa-se próximo do Pólo Norte, num cenário inóspito em que a neve e o gelo estão sempre presentes, e que trata de uma forma que diríamos poética e com um grande rigor estético e narrativo, o confronto entre um modo de vida ancestral e um mundo em que a modernidade poderá pôr causa o equilíbrio do homem com a natureza. O mesmo tema está presente, embora com uma tonalidade mais divertida, em ‘Kona Fer I strisd’ / (A Mulher da Montanha) do islandês Benedikt Erlingsson que conta a história de uma mulher, uma ecologista radical, que resolve começar a derrubar postes de alta tensão e assim paralisar as grandes indústrias poluentes. Este papel valeu a Halldóra Geirhardsdóttir o prémio para a melhor actriz.
Uma referência especial merece ‘Den Skyldige’ / (A Culpa) do dinamarquês Gustav Möller, um filme com uma construção muito inovadora e cujo guião, da autoria do realizador e de Emil Nygaard Albertsen, obteve o prémio para o melhor argumento. O filme passa-se quase integralmente no gabinete da polícia onde são recebidas as chamadas de emergência e o espectador segue os diálogos que um polícia estabelece com as pessoas que recorrem àquele serviço. Afinal é o espectador que vai imaginando a acção e que constrói a história do filme à medida que vai ouvindo esses diálogos.
Igualmente com um excelente argumento, repleto de situações inesperadas, e belíssimos actores (Guillermo Francella e Luis Brandoni) é ‘Mi Obra Maestra’ do argentino Gastón Duprat e que é já um estrondoso sucesso de público no país sul-americano. Em Valladolid conquistou o Prémio do Público. Um retrato muito bem humorado da relação de um galerista com um pintor outrora famoso. Uma reflexão sobre a arte, os negócios que se estabelecem em torno dela e a fama mais ou menos efémera.
Palmarés da 63ª SEMINCI
Secção oficial
- Espiga de Ouro – ‘Gènese’, de Philippe Lesage
- Espiga de Prata:
- ‘The Miseducation of Cameron Post’, de Desirée Akhavan
- ‘In Den Gängen’ / (Ao Virar da Esquina) de Thomas Sturber
- Melhor Realizador – Philippe Lesage, por ‘Gènese’
- Melhor Argumento – Emil Nygaard Albertsen e Gustav Möller, por ‘Den Skyldige’ / (A Culpa)
- Melhor Actriz – Halldóra Geirhardsdóttir, por ‘Kona Fer I strid’ / (A Mulher da Montanha)
- Melhor Actor – Théodore Pellerin, por ‘Gènese’
- Melhor Fotografia – Hideho Urata, por ‘A Land Imagined’
- Melhor Novo Realizador (Prémio Pilar Miró) – Milko Lazarov, por ‘Ága’
- Espiga de Ouro para curta-metragem – ‘Cadavre Exquis’, de Stéphanie Lansaque e François Leroy
- Espiga de Prata para curta-metragem – ‘Drzenia’ (Tremores) de Dawid Bodzak
- Prémio FIPRESCI – ‘La Chute de l’ Empire Américain’, de Denys Arcand
- Prémio do Público – ‘Mi Obra Maestra’, de Gastón Duprat
- Prémio da Juventude – ‘The Miseducation of Cameron Post’, de Desirée Akhavan
- Espiga Verde – ‘Ága’ de Milko Lazarov
- Espiga Arco-Iris – ‘Yo Imposible’, de Patricia Ortega
Secção “Punto de Encuentro”
- Melhor longa-metragem – ‘The Return’ / (O Regresso), de Malene Choi
- Menção Especial – ‘Yomeddine’, de A. B. Shawky
- Melhor curta-metragem – ‘Totul e foarte departe’ / (Todo está muito longe), de Emanuel Pârvu
- Melhor curta-metragem espanhola – ‘Gusanos de seda’ de Carlos Villafaina
- Prémio do Público – ‘Yomeddine’, de A. B. Shawky
- Prémio da Juventude – ‘Yomeddine’, de A. B. Shawky
Secção “Tiempo de Historia”
- Primeiro prémio – ‘Libre’, de Michel Toesca
- Segundo prémio – ‘Our New President’, de Maxim Pozdorovkin
- Melhor curta-metragem documental – ‘Un monde sans bêtes’, de Emma Benestan e Adraian Lecouturier
Secção “DOC España”
- ‘Morir para Contar’, de Hernán Zin
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