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Sábado, Dezembro 21, 2024

64ª SEMINCI – Cinema da China, da Geórgia e múltiplas actividades paralelas

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

A edição de 2019 da Semana Internacional de Cinema, que desde o passado sábado tem vindo a decorrer em Valladolid, termina na noite de hoje com a Gala de Encerramento e de distribuição de prémios a ter lugar no belo Teatro Calderón. Nela será exibido, como já foi referido em texto anterior, “Master Cheng”/ Chef Cheng, do finlandês Mika Kaurismaki.

Enquanto se espera pelas decisões dos vários júris do festival é tempo de referirmos ciclos e actividades paralelas ainda não mencionadas nos textos anteriores.

Cine Chino – Siglo XXI

Uma das retrospectivas disponibilizadas ao numeroso público da SEMINCI foi dedicada ao cinema chinês da última década. Puderam ser vistos alguns dos mais importantes filmes chineses dos anos mais recentes que demonstram a enorme vitalidade de uma cinematografia que se vai construindo apesar da censura do Estado à produção de filmes e do rigoroso controlo da exibição que se faz sentir sobre todas as obras cinematográficas mas com particular incidência nos filmes estrangeiros. Talvez por isso, o ciclo agora apresentado teve como subtítulo: ‘Rompiendo barreras: Cine chino de la última década’.

Saliente-se que a China lidera o mercado mundial no que concerne ao número de espectadores e receitas em sala e é neste contexto que, uma atrás de outra, vão surgindo novas gerações de cineastas, com cada vez mais mulheres, que vão experimentando novos géneros e temáticas não ficando reféns das histórias do passado e da tradição. E o que é facto é que o cinema chinês tem conseguido chegar aos grandes festivais internacionais onde, de resto, vai acumulando prémios.

“Lu bian ye can”/ Kaili Blues (2015), de Bi Gan

“Shan he gu ren“ / Se as Montanhas se afastam (2015), de Jia Zhang-ke

Entre as duas dezenas de filmes que estiveram presentes em Valladolid encontram-se, por exemplo:

  • “Lu bian ye can”/ Kaili Blues (2015), de Bi Gan, que competiu no Lisbon & Estoril Film Festival e conquistou em Locarno os prémios para o melhor realizador emergente e para a melhor primeira obra;
  • “Da xiang xi di er zuo” / An Elephant Sitting Still (2018), um filme de quatro horas, única obra do jovem cineasta e escritor Hu Bo que se suicidou após a rodagem e que obteve o prémio para a melhor primeira obra e o prémio FIPRESCI no Festival de Berlim;
  • “Shan he gu ren“ / Se as Montanhas se afastam (2015), de Jia Zhang-ke, filme já exibido em Portugal, premiado em Cannes e Prémio do Público em San Sebastián;
  • “Bai ri yan huo” / Carvão Negro Fino (2014), de Diao Yinan, já exibido em Portugal, ’Urso de Ouro’ para o melhor filme e ‘Urso de Prata’ para o melhor actor no Festival de Berlim;
  • Wan mei xian zai shi” / Present Perfect (2019), da realizadora Zhu Shengze, premiado no IndieLisboa e em Roterdão.

Esta retrospectiva realizou-se em colaboração com Caimán Cuadernos de Cine.

 

Objetivo: GEORGIA

Todos os anos a SEMINCI dedica um ciclo a uma cinematografia. Recorde-se que em 2018 esteve em grande destaque o Cinema Português. Este ano a cinematografia escolhida foi a da Geórgia, muito pouco conhecia do público europeu.

O cinema desta antiga república soviética esteve representado, não só por filmes do seu cineasta mais conhecido – Otar Iosseliani, agora com 85 anos,  premiado em Veneza, Berlim ou Mar de Plata, autor de títulos como  “Pastoral”, “Os Favoritos da Lua” ou “ A Caça às Borboletas”, todos exibidos comercialmente em Portugal – mas também pelas obras de autores mais jovens que têm vindo a obter reconhecimento em vários festivais de cinema. Por exemplo, Nana Ekvtimishvili e Simon Groß, que foram distinguidos com o Prémio CICAE no Festival de Berlim com “In Bloom” (2013), George Ovashvili, Globo de Cristal em Karlovy Vary com “Corn Island”, (2014) ou Ana Urushadze, premiada em Locarno e Sarajevo com “Scary Mother”, (2017).

O ciclo, levado a efeito com a colaboração do Georgian National Film Center (GNFC), integrou filmes de ficção e documentários, longas e curtas-metragens.

Projecções especiais

Foram diversas as evocações que a Direcção da SEMINCI decidiu fazer nesta edição do certame, todas elas ilustradas com projecção filmes.

Os 130 anos passados sobre o nascimento de Charles Chaplin foram pretexto para o habitual cine-concerto da SEMINCI. Desta feita foi exibido o filme “Tempos Modernos” (1936). A projecção que ocorreu ontem no Centro Cultural Miguel Delibes (a grande sala de concertos de Valladolid) teve acompanhamento musical ao vivo pela Orquestra Sinfónica de Castilla y Léon.

O próprio Miguel Delibes, jornalista e escritor galardoado com os principais prémios literários de Espanha, natural de Valladolid, falecido em 2010 e cujo centenário do nascimento se celebrará no próximo ano, foi lembrado através da projecção, em antrestreia, do documentário “La X de MAX”, centrado na sua figura, realizado por Gemma Soriano e Manel Arranz e produzido pela RTVE, a televisão pública espanhola.

A exibição de “Woodstock: Three Days of Peace”, de Michael Wadleigh, vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 1971 recordou os 50 anos do Festival de Woodstock que, em Agosto de 1969, juntou mais de 450 mil pessoas e marcou uma geração e uma época.

Este ano cumprem-se 80 anos sofre o fim da Guerra Civil de Espanha. A pretexto dessa efeméride é projectado na tarde de hoje o documentário “Generalísimo, la vida de Franco en color”, de Luis Carrizo, retrato do ditador realizado com materiais de arquivo da Filmoteca Española, colorizados com técnicas digitais. Recorde-se que em 2016, e assinalando os 80 anos sobre o início da guerra, a SEMINCI apresentou do mesmo autor o muito interessante “España en dos trincheras, la Guerra Civil en color”.

Também 80 anos conta a agência de notícias espanhola EFE.  As oito décadas de existência da EFE foram assinalados com a apresentação do documentário “La Agencia” produzido pela própria agência.

“Inocencia”, de Alejandro Gil, filme que comemora os 120 do final da Guerra de Cuba, foi também, exibido na SEMINCI.

Finalmente anote-se que foi feita a evocação do aniversário de dois filmes espanhóis marcantes na luta contra a censura e pela liberdade de expressão.

O 50º aniversário da rodagem de “El bosque del lobo”, rodado em 1969 por Pedro Olea, agora aqui homenageado na Gala do Cinema Espanhol. Estreado na então ‘Semana de Cine Religioso’ com o título “El bosque de Ancines”, obteve o Prémio San Gregorio. Tal êxito fez com que o filme, que misturava superstições e religião e era, por isso, pouco ’ortodoxo’ e pouco conforme com as regras sociais então vigentes, escapasse à proibição pelo regime franquista.

Com a exibição do documentário “Regresa El Cepa”, de Víctor Matellano, que rememora os incidentes que marcaram a rodagem de “El crimen de Cuenca”  é recordado o filme realizado por Pilar Miró há 40 anos. Baseado em factos reais, a prisão e tortura de dois homens condenados por um assassinato que não cometeram, “El Crimen de Cuenca” foi interditado pelo então Ministro da Cultura que cedeu à pressão dos que consideravam que o filme era ofensivo para o poder judicial e para as forças policiais. Só após sentença do Supremo, em 1981, o filme foi estreado, mas mesmo assim com grande escândalo, sequestro de cópias e processo à sua realizadora. Pilar Miró (1940/1997), reconhecida cineasta, directora de teatro e realizadora de televisão foi Directora Geral de Cinematografia de 1982 a 1985 e dirigiu depois a RTVE (Radio e Televisão Espanhola).

 

Espigas de Honra

Alejandro Amenábar, Najwa Nimri, Luis San Narciso, Javier Tolentino (El Séptimo Vicio), Antonio Hernández

Como acontece em muitos festivais também a SEMINCI atribui habitualmente prémios de carreira. Neste caso, as ‘Espigas de Honor’.

Na edição que hoje termina os homenageados foram os seguintes:

  • Alejandro Amenábar, cineasta chileno-espanhol nascido em Santiago do Chile em 1972 e radicado em Madrid desde o ano seguinte. Vencedor, em 2004, do ‘Oscar‘ para o melhor filme falado em língua não-inglesa com uma obra sobre o sensível e polémico tema da eutanásia, “Mar Adentro” protagonizado por Javier Bardem, Amenábar tem colecionado grandes sucessos de público e um razoável respaldo por parte da crítica. “Tesis”/1996,  “Abre los ojos”/1997 (de que os americanos fizeram o remake “Vanilla Sky), “Los Otros”/2001 (o seu primeiro trabalho rodado em inglês, interpretado por Nicole Kidman), “Ágora”/2009 e “Regresión”/2015 (com Ethan Hawke e Emma Watson) são títulos de uma importante filmografia que este ano foi enriquecida com “Mientras dure la guerra”, que esteve em competição no Festival de San Sebastián, passado durante a sublevação militar contra a República e centrado na figura do filósofo, escritor  e professor Miguel de Unamuno.
  • Najwa Nimri, actriz espanhola com mais de vinte anos de carreira e que trabalhou com realizadores com Julio Médem(“Os Amantes do Círculo Polar”, “Lúcia e o Sexo” e “Um Quarto em Roma”), Julian Schnabel (“Antes que anoiteça”), Ken Loach (“Route Irish”), Alejandro Amenábar (“Abre los Ojos”) ou Carlos Vermut (“Quién te Cantará”).

Participação em filmes de Daniel Calparsoro, María Ripoll, Marcelo Pyñeiro, 2005), Gonzalo Suárez, Iciar Bollain ou Ramón Salazar fazem parte de uma carreira que tem ainda assinaláveis presenças em várias séries televisivas (por exemplo “La Casa de Papel”) e no mundo da música com vários trabalhos discográficos.

  • Luis San Narciso, considerado o mais importante ‘director de casting’ de Espanha. Participou em 27 séries e em mais de trinta filmes. Colaborador de Pedro Almodóvar em muitos seus filmes trabalhou também com realizadores com Alejandro Amenábar, Gracia Querejeta, Fernando Leon de Aranoa, José Luis Cuerda, Pablo Berger e Agustín Díaz Yanes, entre outros. É membro da ‘Academia de Cine de España’ e o primeiro ‘director de casting’ espanhol a ter lugar na ‘Academy of Motion Picture Arts and Sciences’ a entidade que, todos os anos, atribui os ‘Oscares.
  • El Séptimo Vicio, programa de cinema da Radio 3 (Radio Nacional de España), representado pelo seu director e apresentador, Javier Tolentino.

No âmbito da Gala do Cinema de Castilla e León foi também distinguido com a ‘Espiga de Honor’ o actor, realizador de cinema e guionista Antonio Hernández, como reconhecimento por uma carreira de 40 anos. Natural de Salamanca e detentor de uma extensa filmografia iniciada aos 18 anos, no início dos anos 70, com uma máquina de filmar em ‘super 8’, Antonio Hernandez é também produtor de cinema, com incursões na rádio, na publicidade e na dobragem. Com filmes selecionados para o Festival de Berlim, obteve prémios em vários festivais para além de um prémio ‘Goya’ para o melhor guião (‘En la ciudad sin límites’ / 2002). O seu filme “F.E.N” de 1979 estreou na SEMINCI há 40 anos.

 

SEMINCI foi local de encontros

O festival de Valladolid, e porque nele se concentra um número apreciável de profissionais de várias áreas do cinema, é também espaço de reunião e discussão.

Regista-se a realização do ‘III Encuentro de Mujeres Cineastas en España’, subordinado ao tema ‘El desafío de la primera película’. Participaram nesta iniciativa várias novas realizadoras e outras cineastas com vários anos de experiência, a começar pela presidente do júri da secção oficial, Josefina Molina, recentemente distinguida com o Prémio Nacional de Cinematografia de Espanha. Organizado pela revista Caimán Cuadernos de Cine, e apoiado pela Academia de Cine, pela Asociación de Mujeres Cineastas y Medios Audiovisuales (CIMA), e pelo Instituto de la Cinematografía y de las Artes Audiovisuales (ICAA) o encontro contou com a presença de duas dezenas de cineastas.

A luta por uma cada vez maior representação feminina nas diferentes áreas da indústria do cinema foi, mais uma vez o tema central do debate, sendo certo que, embora paulatinamente, se vai assistindo a uma caminhada no sentido da paridade.

Outro evento realizado do âmbito da SEMINCI foi o Encontro de Distribuidores Cinematográficos coordenado pelo histórico ex-director do festival, Fernando Lara. Com o subtítulo “El cine en los colégios: una Apuesta de Futuro” o encontro teve como principal foco de discussão a cooperação com o sector da educação como forma de fazer chegar o cinema a um público que, nos tempos de hoje, acede aos produtos audiovisuais através de suportes menos tradicionais.

 

Outras actividades

Apesar de nestes textos sobre a SEMINCI se ter falado de inúmeras actividades e áreas de programação não fomos exaustivos. Por isso, e ainda que telegraficamente, aqui fica a nota de outras iniciativas do festival:

  • ‘Castilha y Léon en largo’, mostra não competitiva de longas-metragens e documentários realizados por cineastas da comunidade de Castilla e León, ou que tenham sido rodados nessa comunidade;
  • ‘Castilla y Léon en Corto’, mostra competitiva de curtas-metragens realizadas por cineastas da comunidade de Castilla e León, ou que tenham sido rodados nessa comunidade;
  • SEMINCI JOVEN’, secção destinada ao público jovem, dos 12 aos 18 anos;
  • ‘MINIMINCI’, mostra de filmes para crianças dos 7 aos 12 anos;
  • ‘ESCAC’, secção dedicada a mostrar trabalhos da Escola Superior de Cinema i Audiovisuals de Catalunya (ESCAC).
  • ‘CINE & VINO’, secção que incluiu projecções relacionadas com o mundo do vinho;
  • CINE & CAMBIO CLIMÁTICO’, jornadas dedicadas a salientar a capacidade do cinema para  alertar as consciências para os problemas do meio ambiente;
  • ‘SEMINCI TRANSMEDIA’, área destinada às novas linguagens audiovisuais.

 



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