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Sábado, Dezembro 21, 2024

O espelho que nos emagrece

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

E como não poderia deixar de ser a permanente presença do espelho

Tempos em que ouvia Chopin e soletrava Mozart, lia nos recônditos mais salubres do sal sóbrio das paredes que me refugiavam, nos tempos em que a cor da areia se sobrepunha ao morrer enquanto me perdia ouvindo de todos os lados o reflexo necrófilo dos abutres nestas paredes que me escondiam o mundo, espelhos de vidro nos meus olhos penetravam sem que eu soubesse da minha imagem, ali, especada nas vitrines do insucesso descritos apenas por quem nem sequer me conhece, pensava

“o espelho que nos emagrece”

e que apenas me olha num soslaio pobre, pontos de vista à luz de noites que nunca se acendem, sim, esses, moram as mais recatadas ignorâncias dos verbos opinar e esgrimir, nuvens de pardos num rosto de ciganos na estação de comboios vagabundear vigarices de estoiro como um rés do chão qualquer.

Vemo-nos apenas num espelho que reflecte o vazio do que exista à nossa volta, todos os nadas preenchem vaidades voláteis como hangares disfarçados e navios enfileirados partem devagar, sim, a viagem será longa. Será sempre longa pensando assim. Vendo assim. Ouvindo assim. Nada é mais que apenas esse restolho de estóicos na vitrine de vícios soletrados como ecos do nada.

“o espelho que nos emagrece”

Às avessas sentenças, ritmos triviais regentes do comum e da idolatria para que asnos se cansem nunca, essa estirpe difusa que vinga a cada passo arreliante a cada momento, essa chuvinha devastadora a consumir-me devagar as vinhas que há anos alimento com amor.

“apetece despedir-me de tudo, sabes?”

Deixar de lado o brilho dos sonhos, fugir das vozes ao fundo dos canos deste arrepiante rosnar permanente, esta cantiga para moradores do ligeiro e do sofismo dos sonhadores de nadas, dos que se convencem ser, dos que nada são a não a não ser um permanente arrelio nas minha infecundas caminhadas nestas avenidas do sono. Apetece-me dormir até sempre para que descanse de mim, de ti, dos outros, das imagens da televisão que tanto me irritam, dos relatos radiofónicos que me ensurdecem, dos mares que nunca encontro, isso, sabes?

E como não poderia deixar de ser a permanente presença do espelho, esse invólucro sem pólvora que me faz sentir apenas asnos e cansaços, esse cheiro mordaz que me ilumina a cada dia como se me fizessem sentir o soldado enjaulado nas florestas de todos os mundos errados.


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