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Terça-feira, Julho 16, 2024

À memória de Aristides Sousa Mendes

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Qualquer marciano chegado a Portugal em Outubro seria levado a concluir que as eleições tinham sido ganhas por Joacine Katar Moreira e não por António Costa tal a obsessão pública com a nova deputada de um partido que elegeu deputados pela primeira vez.

  1. Popularidade e irritação

A obsessão chegou a tal ponto que, ao que leio na imprensa, a senhora achou por bem pedir protecção da GNR do assédio permanente dos jornalistas, gesto que, provavelmente, ela vai ter a oportunidade de se arrepender quando a corporação encontrar a melhor oportunidade para se vingar.

Na verdade, por sua culpa ou culpa alheia – do partido que dela se utilizou ou da forma como as suas posições foram publicitadas – ela foi associada a todo o género de disparates, desde pinturas de Domingos Rebelo retratando o encontro luso-indiano como pano de fundo para um discurso cheio de clichés sobre escravatura em África, passando pela justiça climática, até a aparecer como a primeira deputada africana que terá posto os pés em São Bento.

Eu, que fui contemporâneo da cabo-verdiana socialista Celeste Correia no parlamento perguntei-me se o ‘Livre’ ou a sua imprensa terão inventado um ‘colorómetro’ para a africanidade (se lhes mandar uma fotografia minha de criança no fim da época de praia, passo o teste com certeza). E quanto à identidade guineense, será que o antigo deputado Fernando Ká é de alguma forma menos guineense do que Joacine Katar Moreira?

Celeste Correia

Fernando Ká

  1. O desafio falhado ao racismo antissemita do “Livre’

Uma das inúmeras razões que colocaram os holofotes sobre ela foi a sua recusa em endossar um texto proposto pelo PCP de pseudossolidariedade com Gaza mas de verdadeiro abjecto antissemitismo aprovado pelo Parlamento português.

O partido que despudoradamente usa o nome de ‘Livre’ e que era suposto apoiá-la montou rapidamente uma campanha de imprensa para acusar a senhora de crimes anti Palestinianos e de não obedecer às suas directivas, mostrando a quem pudesse ter dúvidas que de ‘Livre’ esse partido nada tem, limitando-se antes a dar um toque ‘queque’ a processos típicos do centralismo democrático leninista.

Em resposta, a senhora reagiu como reagiram as vítimas dos processos estalinistas de Moscovo, redigindo um texto com juras de arrependimento, patéticas declarações de fervor pela causa mas acompanhado, em apartes na imprensa, por desabafos de irritação com o processo inquisitorial a que foi sujeita.

Tudo matéria excelente para tricas, maledicências, mundanidades, pressões sem fim sobre uma senhora que não me parecendo nenhuma águia e reflectindo a opinião que qualquer cidadão imerso no caldo de cultura ideológico das elites portuguesas tende a ter, me parece marcar pontos numa matéria que penso ser importante; a de assumir dificuldades na fala partilhadas em silêncio por muitos, e ser, para além disso, um ser humano que, como todos nós, tem defeitos e qualidades.

  1. Aristides Sousa Mendes

Aristides Sousa Mendes foi um português que honra muito o nosso país e o esquecimento ou secundarização é uma mancha que é essencial ultrapassar.

O projecto de resolução que a deputada Joacine Moreira apresentou sobre a personalidade é um belo texto, equilibrado e extremamente oportuno.

Se foi ela, o partido ou outrem a tomar a iniciativa, não o sei dizer. É verdade que o antissemitismo mais sofisticado e burguês – típico de formações tipo Livre – usa os exemplos do passado para tentar falsificar a realidade e apresentar o presente como nada tem a ver com ele.

O holocausto passa assim a ser verbo-de-encher (um jornal publicava dia 28 de Novembro na sua capa um livro que faria do ‘clima’ o equivalente a 25 holocaustos) vulgarizado, descontextualizado e distorcido, inclusivamente para acusar Israel.

Posto isto, a verdade é que foi ela que assinou o documento e que o documento merece ser apoiado sem reservas, e que isso me parece mais importante do que as discussões sobre a moda ou tudo o resto que tem rodeado o seu nome.

E por isso deixo aqui o meu testemunho de reconhecimento pelo gesto da senhora deputada de preencher uma falta que era essencial preencher: honrar a memória de Aristides Sousa Mendes da forma apropriada.


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