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Sábado, Dezembro 21, 2024

Um verdadeiro samba do branco doido predomina na vida brasileira no momento

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

É comemorado em 2 de dezembro o Dia Nacional do Samba, que se transformou numa data de resistência à aculturação de uma nação que procura seu caminho no mundo.

Samba do Crioulo Doido

Em 1966, o jornalista, chargista e humorista Sérgio Porto, que assinava com o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta compôs o “Samba do Crioulo Doido”. Com ironia definiu a política e a vida brasileira da época, A expressão ganhou vida própria e virou sinônimo de desordem geral. Tudo que está assim meio bagunçado, diz que “isso está um samba do crioulo doido”. Até o cantor e compositor, e agora ator Criolo tinha doido em seu o sobrenome artístico.

Por isso, numa atualização da célebre frase, diria que o Brasil está um verdadeiro samba do branco doido, com Jair Bolsonaro na Presidência e o país descampando para o precipício, é fácil perceber que o país está dominado pelo samba do branco doido. Essa parcela da elite brasileira que assumiu o poder em 2016 com o golpe de Estado, aprofundou o golpe com a eleição da extrema-direita e agora parte dela não sabe como se livrar do monstro que emergiu da lagoa, outra parte simplesmente segura na cauda monstruosa e se regozija de ser contra o saber, a cultura, os interesses da nação. Será que o gênero musical mais popular do país vai mais uma vez resgatar a identidade nacional? A ver.

de Sérgio Porto, canta Demônios da Garoa

 

Desde Que o Samba É Samba

Bom lembrar que nesta segunda-feira (2) comemora-se o Dia Nacional do Samba desde os anos 1960. Oriundo das senzalas com suas dores, seus amores, seus desejos e sua revolta, que se tornou um dos grandes representantes da cultura brasileira, mas não no único, sendo um dos principais responsáveis pela identidade nacional.

De acordo com o estudioso da cultura popular brasileira, Roque Souza o samba nasceu da necessidade dos negros brasileiros. Estava na “hora de se soltar, de mostrar sua alegria” e “mesmo perseguidos pela polícia e atingidos em cheio pelo preconceito de uma elite voltada para a Europa, os ex-escravos criaram sua própria cultura, que é a força motriz de nossa cultura popular, para resistir à opressão”, complementa.

Caetano Veloso emenda “desde que o samba é samba é assim”, em 1993. Para o cantor e compositor baiano, “o samba é o pai do prazer, o samba é o filho da dor, o grande poder transformador”. A voz de Lupicínio Rodrigues ressoa ao cantar que “a minha casa fica lá detrás do mundo, onde eu vou em um segundo quando começo a cantar. O pensamento parece uma coisa à toa, mas como a gente voa quando começa a pensar”, na canção “Felicidade”, de 1947.

de Caetano Veloso

 

Felicidade

Para a cantora e jornalista, Railidia Carvalho o samba foi essencial para a sua trajetória e para a civilização brasileira. “Digo com muita felicidade que fui formada no samba. Não fossem as rodas de samba nem cantora eu seria. Também estive e estou ao lado de inúmeros artistas, veteranos ou mais jovens, homens e mulheres, me expressando através deste gênero, vivendo essa música como a própria vida”.

De qualquer forma, acentua Railidia, “o samba se impõe por ser essa potência cultural e mesmo invisibilizado na maioria das suas expressões, ele resiste. É importantíssimo ter o Dia Nacional do Samba porque em um esforço concentrado essas expressões se tornam notícia e movimentam a rotina cultural do país”.

E por ser um traço cultural popular, de matriz africana, os sambistas foram perseguidos e desprezados pela elite. “Os escravos não podiam ter instrumentos para realiza seus batuques, então começaram a utilizar os pés e as mãos – enfim, o corpo todo – para cantar suas dores e alegrias. Cantando e dançando, assim nasceu o samba de roda na Bahia, ainda no século 19”, diz Souza.

de Lupicínio Rodrigues

 

Argumento

E apesar de ser um dos mais fortes traços da identidade nacional, não é o único. Apresenta uma rica diversidade, como praticamente tudo neste país. Ao mesmo tempo se modifica e se adequa aos novos tempos cantando a vida de um povo que labuta para construir o país dos sonhos, onde a felicidade predomine.

A música popular brasileira é uma constante metamorfose ambulante. Como disse Chico Buarque certa vez sobre a questão das raízes culturais do país e suas tradições: “Raiz a gente respeita, tradição a gente muda”. E assim, esse ritmo de alma preta identifica um país e um povo.

Como em praticamente tudo no Brasil, o samba tem raízes africanas, nos batuques, no lundu, no jongo, entre outros ritmos e danças e com uma mistura de ritmos já nasceu diverso num país de dimensões continentais. E como em tudo na vida deste país, a participação das mulheres foi essencial para a difusão da nova expressão cultural. Foi nas casas das “tias” – a mais famosa a Tia Ciata – onde os sambistas se reuniam para mostrar seus novos trabalhos. E os cantos foram surgindo.

O samba está presente em praticamente em tudo o que veio depois, porque se enraizou nos corações e mentes dos morros e das favelas. Conquistou outras classes sociais com uma tentativa frustrada de embranquecimento. Tanto que Paulinho da Viola canta: “Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim, olha que a rapaziada está sentindo a falta de um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim” (“Argumento”, 1975).

de Paulinho da Viola

 

Samba da Bênção

Como afirma o músico Guinga (Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, na música popular brasileira “tudo é feito com um pé no passado, outro no presente e a cabeça no futuro”. E assim o samba vai evoluindo e mostrando talentos impensáveis para quem mora no preconceito e não vê a sabedoria de um povo que canta seus males com alegria e total irreverência. Para Baden Powell (1937-2000) e Vinicius de Moraes (1913-1980) “o samba nasceu lá na Bahia/E se hoje ele é branco na poesia/Se hoje ele é branco na poesia/Ele é negro demais no coração” (Samba da Bênção, 1967).

E apesar de ser sempre muito difícil fixar uma data para o surgimento de qualquer movimento cultural, o samba tem como marco o registro do primeiro samba, em 1916, com o nome de samba: “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, que também foi o primeiro samba gravado, em 1917.

 de Baden Powell e Vinicius de Moraes

 

Brasil Pandeiro

“Como tudo o que está relacionado à população negra e à nossa cultura, o samba foi muito perseguido e discriminado ao longo de sua história”, explica a cantora e compositora Leci Brandão. “O mesmo aconteceu com o candomblé, com a capoeira e com todas as manifestações de origem negra em nosso país. Apesar de ter havido mudanças, a discriminação contra o nosso povo continua e com a nossa cultura também”.

De acordo com Leci, “o samba, para ser aceito, teve que passar por um longo processo. Muitas vezes se moldou para cair no gosto das grandes gravadoras e do grande público. Mas o samba das comunidades, por exemplo, está fora da mídia”. Ela ressalta ainda que, “no Brasil, onde a mulher negra é o segmento mais discriminado da população, quando uma mulher negra resolve ser cantora ela enfrenta muitos desafios a mais. Nós vivemos em uma sociedade dominada não só pelo racismo, mas pelo machismo também, no samba não é diferente”.

Mas “chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”, canta Assis Valente em “Brasil Pandeiro”, composta especialmente para a cantora Carmen Miranda, em 1940. “Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar. O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato, vai entrar no cuscuz, acarajé e abará. Na casa branca já dançou a batucada”. Bolsonaro e seus seguidores precisam ouvir essa canção do compositor baiano.

de Assis Valente, cantam os Novos Baianos

 

Não Deixe o Samba Morrer

Sem xenofobia e sem nostalgia, é preciso valorizar a cultura nacional e o samba é um dos principais representantes de nossa cultura. Por isso, “não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar. O morro foi feito de samba, de samba, pra gente sambar” (“Não Deixe o Samba Morrer”, de Aloísio Silva e Edson Conceição, 1975).

de Aloísio Silva e Edson Conceição, canta Alcione

 


 

2 de dezembro o Dia Nacional do Samba

Val Gomes

 


Texto em português do Brasil


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