Preços altos, baixo acesso: o mercado dos medicamentos na União Europeia e a grande indústria farmacêutica (Big Pharma)
Pelo que lutam as grandes farmacêuticas em Bruxelas?
A indústria farmacêutica é uma das indústrias mais rentáveis do mundo ao beneficiar de um modelo altamente problemático que contribui para que muitas pessoas ainda não tenham acesso a medicamentos essenciais e que salvam vidas. Durante décadas este assunto foi foco no hemisfério Sul, mas a crise do desaparecimento de medicamentos a preços acessíveis está agora a alastrar-se pela Europa.
O aparecimento de medicamentos extremamente caros – com preços de dezenas e centenas de euros, grandemente desproporcionados aos seus custos de desenvolvimento e de produção – deve-se em muito à regulação pró-indústria e às regras sobre propriedade intelectual. Durante muitos anos a sociedade civil tem feito soar os alarmes sobre esta matéria e, finalmente em 2016, o Conselho Europeu reconheceu o problema: pediu à Comissão Europeia para avaliar se o sistema de incentivos e de recompensas às empresas farmacêuticas estava desregulado.
Perante esta avaliação a maquinaria dos grupos de interesses (lobbies) da Big Pharma apressou-se a defender os seus privilégios esforçando-se para remover ou enfraquecer medidas regulatórias. Uma relação próxima com a Comissão – que até agora não tinha levado a sério a influência indevida da indústria – tem desempenhado um papel chave, assim como a força dos grupos de interesses do sector.
As maiores dez empresas aumentaram o seu orçamento em lobbying em 2 milhões de euros, desde 2015, e o principal grupo de interesses da Big Pharma, a EFPIA (Federação Europeia das Industrias Farmacêuticas e Associações), participa em oito grupos de aconselhamento da Comissão. As grandes indústrias farmacêuticas também desencadearam uma ofensiva de relações públicas com vista ao desencadeamento de emoções fortes em torno da doença, com o propósito de deflectir críticas e estreitar o âmbito do debate. Graças a este arsenal do lobbying, a indústria tem tido sucesso em influenciar a revisão dos incentivos e das recompensas (como regras de propriedade intelectual) às farmacêuticas, assim como conseguiu uma alteração no denominado certificado de protecção complementar, que consiste numa extensão do período de patente o que permite que as companhias mantenham por mais tempo o seu preço de monopólio.
O lobbying da Big Pharma também teve impacto na proposta de colaboração trans-Europeia para avaliação da efectividade de novos medicamentos e tecnologias da saúde comparativamente com as existentes – um mecanismo que ajuda os Estados-membro a negociar os preços. As companhias farmacêuticas promovem a utilização de “novos” medicamentos em vez de antigos porque os primeiros ainda têm a protecção da patente e são por isso mais caros mesmo que o “novo” produto não reflicta melhoramentos em termos de saúde.
A política do medicamento tem que ser protegida da influência indevida da Big Pharma
Mas nem tudo está perdido. Em resposta à crise dos preços altos, falta de acesso e poucos medicamentos que representam avanços terapêuticos reais, o apetite para uma mudança radical permanece elevado.
Nós incitamos o novo Parlamento Europeu e Comissão Europeia a assegurar que a política do medicamento está protegida contra a influência indevida da Big Pharma.
Interesses comerciais limitados não devem boicotar as prioridades de saúde pública e a exploração do medo, promovido pela indústria, não deve limitar o âmbito da mudança transformadora.
As instituições da União Europeia devem continuar a trabalhar em prol da cooperação Europeia para que exista uma avaliação robusta e independente dos novos medicamentos; parar de promover alargamentos temporais da propriedade intelectual (patentes) por intermédio de acordos comerciais e apoiar debates sobre as melhores formas de financiamento à investigação farmacêutica para acautelar a mais-valia do interesse público.
A premência da problemática entre a saúde pública e os interesses lucrativos da industria farmacêutica é de tal magnitude que até a Nintendo fez um jogo cujas premissas são as seguintes: “Usarias para o bem? Ser plenamente altruísta pode não ser o melhor para o planeamento do negócio.
A verdade desconfortável (existe algum balsamo para isso?) é que alguns remédios são mais lucrativos que outros e a doença é boa para os negócios.
Bem-vindo ao mundo da Big Pharma!”, como pode ser visto:
Sumário executivo do relatório: “High prices, poor access: what is Big Pharma fighting for in Brussels (2019)
O original e o Relatório podem ser consultados High prices, poor access: what is Big Pharma fighting for in Brussels (2019) | Traduzido de CORPORATE EUROPE OBSERVATORY