É historicamente bem conhecido o facto das grandes convulsões económico-sociais e políticas originarem formas de pensamento diferentes das tradicionais. Eis algumas delas.
Não é de estranhar pois que com o despoletar da Crise Global em 2007/2008 tenham surgido, com maior ou menor repercussão, nos meios de comunicação referências a novas correntes de pensamento ou a recuperação de outras que na sua época passaram quase desapercebidas.
Integrado neste fenómeno, podemos fazer referência ao modelo conhecido como Economia do Bem Comum, desenvolvido já neste século pelo austríaco Christian Felber que o apresenta como uma alternativa teórica às correntes estabelecidas pelo dominante capitalismo de mercado ou da sua concorrente economia planificada. Estas duas escolas de pensamento, tiveram início com Adam Smith e David Ricardo (para a economia de mercado) e com Karl Marx (para a economia planificada) entre finais do século XVIII e princípios do século XIX e criaram duas grandes linhas de pensamento que perduram, com maiores ou menores reformulações, até à actualidade.
A aproximação de Felber a abordagens menos ortodoxas poderá datar da sua participação como co-fundador da ATTAC na Áustria; a “Associação pela Tributação das Transacções Financeiras para a Acção Cidadã”, mais conhecida pela sigla ATTAC, é uma organização criada a partir de uma proposta de Ignacio Ramonet, que em 1998 defendeu a aplicação de um imposto sobre movimentações financeiras internacionais (a chamada Taxa Tobin, sugerida em 1972 pelo economista norte-americano James Tobin com a aplicação de um imposto de 0,1% sobre as transacções financeiras internacionais com o objectivo de reduzir a especulação financeira e destinada ao financiamento da ONU ou à ajuda aos países do terceiro mundo), para restringir a especulação e financiar projectos de desenvolvimento ecológico e social, que posteriormente ampliou o seu campo de intervenção e interesse, incluindo todos os aspectos relacionados com a globalização, passando a monitorizar as decisões da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e acompanha as reuniões do G8 com o objectivo de influir sobre as decisões dos formuladores políticos.
Felber define como princípios gerais do seu modelo a adaptação da economia capitalista real (onde prevalecem valores como lucro e a competição) a princípios mais sustentáveis e a sua orientação por uma série de princípios básicos que representam valores humanos, como a confiança, a honestidade, a responsabilidade, a cooperação, a solidariedade e a generosidade.
Para os defensores da ideia da Economia do Bem Comum, as empresas que se orientam por esses princípios e valores deveriam obter vantagens legais que lhes permitam sobreviver aos actuais valores do lucro e da concorrência, pois na economia real da actualidade, o sucesso económico é medido com valores ou indicadores monetários, como o produto interno bruto (PIB) e o lucro, indicadores que deixam de fora os seres humanos e o ambiente em que vivemos e que nada informam sobre a envolvente sociopolítica nem sobre o ambiente, da mesma forma, que os lucros de uma empresa nada dizem sobre as condições dos seus trabalhadores ou sobre o que se produz ou como se produz.
Ao contrário, o conceito de equilíbrio na Economia do Bem Comum procura medir a actividade empresarial em termos de dignidade humana, de solidariedade, de justiça social, de sustentabilidade ecológica e democracia com todos os seus fornecedores e clientes, valores que deveriam sustentar também as escolhas e preferências dos consumidores.
A implementação deste modelo tem sido ensaiada por um grupo de empresas que se voluntariou para cumprir os requisitos da Economia do Bem Comum, grupo que tem procurado pressionar o governo para que aqueles princípios teóricos sejam definitivamente traduzidos em leis declaradamente menos favoráveis aos princípios da economia de mercado.
A proposta de Felber poderá remontar à de outro economista heterodoxo, o também austríaco mas de ascendência húngara, Karl Polanyi, que em meados do século XX apresentou uma abordagem na linha da antropologia económica que destaca as relações entre economia, sociedade e cultura; esta tese foi proposta na sua obra «A Grande Transformação», que introduziu o conceito de “embeddedness”(imersão) segundo a qual os indivíduos e as suas relações se encontram imersos em instituições culturais historicamente constituídas que os condicionam, sendo as relações económicas parte dessas instituições sociais e da sua lógica.
Curioso, ou talvez não, é o facto de Polanyi e Felber não apresentarem formação de base na área da economia, mas sim na das ciências sociais (antropologia e sociologia, respectivamente) o que poderá explicar as suas abordagens menos ortodoxas e mais abrangentes.
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