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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

Furacão

Paulo César
Paulo César
Professor e escritor galardoado.

Os furacões não são exclusivamente fenómenos naturais que se caracterizam por apresentarem um sistema circular de movimentação de ar com velocidade superior a 105 km/hora e com diâmetro de centenas de quilômetros, resultante da formação de um sistema de baixa pressão sobre regiões oceânicas.

Também os há associados a acções humanas ou a seres humanos e também nestes casos atingem outros humanos com grande poder de destruição ou atracção/sucção. Nalguns casos, e para algumas pessoas, são mais destrutivos e assustadores do que os seus irmãos naturalmente criados, deixando um rasto indelével nas suas vidas e nas vidas de outras pessoas

Em finais de 2005, “Operação Furacão” foi o nome dado a uma investigação iniciada em 2004, pelo Departamento Central de Investigação e de Acção Penal (DCIAP) e visava empresas e individualidades portuguesas. Foram realizadas buscas a várias entidades bancárias, como o BES, BCP, BPN e Finibanco e a descoberta de transferências que indiciavam a prática de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, envolvendo pessoas e empresas portuguesas, muitas delas utilizando paraísos fiscais (“offshores”) e outros mecanismos complexos para fugir ao fisco.

O furacão desta operação foi tão devastador que tanto o BES como o BPN abriram falência uns anos mais tarde, o Finibanco foi engolido pelo mutualista Montepio que já esteve perto de se afogar no sistema financeiro, e o BCP, depois de ter praticamente tido as suas acções a zero cêntimos, lá vai recuperando consistência, não melhorando mais porque todos os meses tem de pagar uma reforma violadora de 167 mil euros mensais a Jardim Gonçalves, seu antigo presidente e fundador, que havia sido condenado em 2010 a pagar uma multa de um milhão de euros, pelo Banco de Portugal, devido a nove infracções com dolo e ficara nove anos inibido do exercício de cargos em instituições de crédito. Em maio de 2014, Jardim Gonçalves foi condenado a uma pena de dois anos de prisão, suspensa mediante o pagamento de 600 mil euros por crime de manipulação de mercado. Foi ainda condenado a pena acessória da proibição de exercer cargos de administração ou direcção em empresas ou instituições financeiras durante quatro anos.

Em fevereiro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso de Jardim Gonçalves, mantendo a condenação da primeira instância. O furacão passou, mas, no caso de Jardim Gonçalves, apesar das condenações, foi uma espécie de brisa marítima que o atingiu num Resort de luxo nas Ilhas Seychelles, ao fim da tarde, enquanto sorvia por uma palhinha uma pina colada e uma assistente de biquíni reduzido, tanto em cima como em baixo, lhe descascava com os dentes um camarão-tigre que havia sido pincelado com um molho de manteiga e malaguetas jalapenhas, sob o olhar atento dos dois seguranças privados a que tem direito que manuseavam  uma raqueta eléctrica que electrocutava incomodativos insectos que se atreviam a perturbar a reforma dourada do Jardim Gonçalves.

Ultimamente, temos sofrido a nefasta influência de furacões, visível na destruição de habitações débeis, no esvoaçar de telhados mal acondicionados, no afogamento de motores de viaturas momentaneamente armadas em anfíbias, na queda repentina de árvores de médio e grande porte, na subida dos caudais de rios, ribeiros, riachos, regatos, na submersão de caves e de garagens, na invasão das águas pluviais a casas particulares e a casas de comércio, no derrube de diques que pensávamos só existirem na Holanda e que permitiram o alagamento de várias plantações agrícolas no baixo mondego, deixando, finalmente, o país longe da seca que ameaçava o turismo e o desenvolvimento sustentado de algumas regiões do país e muitas pessoas bem longe dos efeitos que a “Operação furacão” acabou por ter em Jardim Gonçalves.

Entre eles, furacões, destacou-se um pela sua força destruidora: o furacão Elsa. Ao pensar no género do furacão Elsa, transtorna-me a evidência da completa falta de acção das associações feministas que não reivindicam a actualização do feminino de “furacão”. Se o feminino de “cão” é “cadela”, de “leão” “leoa”, de “pavão” pavoa, de “solteirão” “solteirona”, de “mandrião” “mandriona”, o feminino de “furacão” deveria ser “furacoa”, “furacadela” ou “furaco…”, eh pá, não soa bem, apesar de achar que seria bem aplicado no caso da  brasileira “Hilda furacão”, essa famosa prostituta recriada por Roberto Drummond e que seria interpretada por Ana Paula Arósio, sempre perseguida por Frei “Malthus” que desejava não o corpo de Hilda, mas antes a alma do demónio que tomara o corpo e a vontade de Hilda, obrigando-a às perversões imorais do sexo  a troco de dinheiro. É claro que tanto Hilda como Frei Malthus se apaixonam um pelo outro.

Não há homem que resista a uma mulher-furacão, nem o moralmente comprometido com Deus e com a Igreja, nem o simples escrivão de escritório que lê solitariamente o seu jornal diário e que não dispensa a ida ao parque da cidade pelos domingos à tarde para observar jovens casais em manifestações genuínas de amor e de carinho. Pois bem, espero que linguistas comprometidos com a causa feminina adoptem o feminino “furacoa” em Portugal, e, no Brasil, se Bolsonaro e a sua ministra Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se não importarem muito, em homenagem à cidade de Belo Horizonte e ao escritor Roberto Drummond e à real mulher Hilda Maia Valentim, se adopte “furacadela” e se mande , definitivamente, o acordo ortográfico às urtigas.

Para não corrermos o risco de Bolsonaro e sua ministra Damares rejeitarem o pedido por Hilda ter sido rameira e mulher da vida, basta que se crie um perfil falso ou uma página falsa na internet que diga que Hilda foi uma santa milagreira que transformou a vida dolorosa de muitos homens de Belo Horizonte, levando-os a uma vida de paz com os outros, muito mais prazerosa e com vários momentos de revelação e de clímax divino e depois alguém da Igreja evangélica lhas mostre.  Mas estávamos a falar da “furacoa” Elsa e do seu género. A “furacoa” Elsa, devastadora como já notaram, muito mais mortal e muito menos prazerosa do que a “furacadela” Hilda, deve estas suas características a um tópico bem conhecido de clássicos e estudiosos do teatro grego. Falamos da intemporal “nemesis divina”. Durante algumas horas, e logo após a chegada furiosa e ventosa da Elsa, tentei compreender porque motivo não tinha vindo em vez da “furacoa” Elsa a “furacoa” Ermelinda, Elisa, Eliana ou Eleutéria.

Sinto, como todos vós, que qualquer nome dos subsequentes a Elsa seja muito mais sugestivo de mansidão, indulgência, misericórdia e bondade. Elsa é um nome pesado, tem só duas sílabas como Hilda, parece fulminante: “El”… e antes do “sa” já alguma coisa nos caiu na cabeça. Ermelinda, Eleutéria têm quatro sílabas, são palavras demoradas, lentas, bondosas, não fazem mal nenhum, são de personalidade sábia, controlada e equilibrada. Porém, a Elsa tinha de voltar. E a culpa foi de festivaleiros de Verão dos anos 90, que passaram verões inteiros a chamar pela Elsa: “Ó EEEEELLLLSA!” A Elsa tinha fugido de uma relação tóxica e controladora de um festivaleiro que passava os dias de Verão acampado em tendas iglô a queimar fósforos e a beber água, ignorando por completo os concertos, as mostras culturais e as actividades de relaxamento. A Elsa vira-se aprisionada nesta relação pelo muito amor que lhe devotava, mas, na última grande festa de verão, a “Festa do Avante”, cansara-se de passar os seus dias a queimar fósforos com o seu amor festivaleiro e a levar-lhe água e fugira para nunca mais por ele ser vista.

Os sintomas de abstinência e de privação levaram o seu namorado festivaleiro a apregoar durante anos o seu nome, acção repetida por muitos outros em solidariedade festivaleira, mas toda a gente sabe que ela nunca mais apareceu. Elsa fugira para o Brasil, para a cidade de Belo Horizonte, e instalou-se no número 304 do Maravilhoso Hotel e passou a sua vida a iluminar a vida de muitos homens e a saciar-lhes a sede de novas aventuras e experiências no seu quarto 304, fazendo maravilhas com eles no seu “Maravilhoso Hotel”. A idade passara para Elsa e a vontade de se vingar do seu namorado festivaleiro nunca desapareceu.

Foram muitos festivais a acender fósforos e a levar água ao seu “sequestrador” amoroso. O que motivou a explosão de fúria de Elsa e a vontade decisiva de voltar a Portugal para realizar a sua “nemesis divina” foi o abusivo vídeo publicitário de uma cadeia de electrodomésticos que, em vez do seu nome, apregoava uma outra mulher, a Iva: “Ó IIIIIIIVA”. E ela veio, Elsa voltou como um furacão, ou “furacoa ou “furacadela” como passará a ser dito”, e cega pela raiva levou tudo à frente, sabendo que a sua vingança se iria abater inevitavelmente sobre o festivaleiro controlador e sobre as lojas de electrodomésticos que tentaram substituí-la, mesmo que isso implicasse dor e destruição de quem nada fez para merecer a catástrofe que lhes caiu na vida.

É assim a “nemesis divina”, não poupa inocentes, como a coitadinha da Maria de “Frei Luís de Sousa” ou a simpática personagem de um qualquer livro ou filme que descobre que aquele homem que tanto odeia é, afinal, o seu pai, ou aquele homem que tanto ama é, afinal, seu irmão. São os chamados danos colaterais. A Elsa lá passou, não deixa saudades a ninguém e só espero que tenha voltado para o Brasil, para o seu quarto 304 do “Maravilhoso Hotel”, que continue o legado de Hilda Furacão, que beba chopes e água de coco, coma coxinhas de frango e arroz com feijão e que a baba da vingança que lhes escorre pelos cantos da boca  não lhe dê mais vontade de fazer vento nem de provocar tempestade.


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