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Terça-feira, Julho 16, 2024

A morte de um monstro

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A lista dos crimes de que o General Soleimani foi o principal comanditário é imensa, sendo as compilações que conheço já antigas, por exemplo, a do New Yorker data de 2013, e inclui o assassinato do primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri entre muitos outros atentados terroristas.
A morte do dirigente da Força Jerusalém (Quods) do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (conhecido também pela sigla inglesa, IRGC) e de outros dirigentes das brigadas internacionais iranianas, nomeadamente o chefe da Kataib Hezbollah, principal filial iraquiana do IRGC, marca a primeira grande derrota da teocracia na sua expansão no Médio Oriente e desencadeou uma das maiores vagas de desinformação na imprensa ocidental de que tenho memória.

  1. A Força Jerusalém

Justifica-se por isso fazer um ponto da situação do que me parece mais importante para avaliar do significado do que se passou e das suas potenciais consequências.

O IRGC foi criado pela Constituição da República Islâmica do Irão com o fim expresso de conduzir a Jihad no mundo inteiro (sublinhado meu), e por isso mesmo, o IRGC não é especificamente ‘iraniano’, existindo lado a lado das forças armadas, polícias e serviços secretos formais do Estado iraniano bem como das que existem dependendo directamente do gabinete do líder espiritual.

A força Jerusalém do IRGC foi criada pouco tempo depois e é desde a sua criação a principal força de projecção externa da teocracia. As milícias de base, Basij, foram incorporadas no IRGC anos depois da sua criação.

Quer isto dizer que o Irão desenvolve as suas acções de espionagem, terrorismo, desestabilização ou ocupação por vias que não necessariamente a força Jerusalém. Por exemplo, na operação militar em que o IRGC se empenhou nos últimos anos – a ocupação da Síria – a 19.a brigada, estacionada em Shiraz forneceu a maior parte das tropas iranianas no terreno – se bem que a coordenação militar tivesse sido exercida pela Força Jerusalém. Posto isto, a força Jerusalém é o principal veículo da agressão externa iraniana no mundo.

O General Soleimani comandou as Forças Jerusalém desde 1998, tendo directamente participado nas mais importantes operações militares iranianas nesse período, nomeadamente no Iraque e na Síria, acompanhando de perto todos os outros campos da guerra conduzida por Teerão.

  1. Terrorismo, massacres, ocupação, assassínios

General Qasem Soleimani. Ilustração de Krzysztof Domaradzki

A lista dos crimes de que o General Soleimani foi o principal comanditário é imensa, sendo as compilações que conheço já antigas, por exemplo, a do New Yorker data de 2013, e inclui o assassinato do primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri entre muitos outros atentados terroristas.

A imprensa ocidental, papagueando a propaganda do regime iraniano, contudo, faz de Soleimani um herói, através do uso muito selectivo da realidade. Entre outros feitos, é-lhe atribuída a vitória sobre o ISIS no Iraque a partir de 2014, limpando do seu currículo tudo o que não contribua para a sua boa imagem.

Mesmo se olharmos apenas para o ISIS, é-nos ocultado, por exemplo, que Soleimani foi essencial no lançamento em 2001 na fronteira irano-iraquiana do principal grupo terrorista que se viria a transformar em secção iraquiana da Al-Qaeda e depois no ISIS, e que foi ele que lhe deu o apoio logístico depois da invasão do Iraque que levou à morte de centenas de soldados americanos (600, nas contas do General David Petraeus).

Mas o pior do currículo de Soleimani é na época mais recente a utilização de estratégias de guerra assentes no massacre em massa de civis, começando pelo mais recente, no Iraque, em que deu ordens para atirar sobre manifestantes desarmados, passando pelo bombardeamento deliberado de populações civis e em particular de hospitais como o fez na Síria e no Iraque, ou matando à fome populações inteiras como fez na Síria.

A transformação de um psicopata assassino em herói pela imprensa ocidental é nauseante e constitui um novo marco na sua degradação. Esconder as manifestações públicas de júbilo entre os iranianos bem como nos países árabes ocupados pela eliminação do dirigente terrorista para sobrevalorizar as reacções do regime é inaceitável.

  1. Uma estratégia de dissuasão

Pela primeira vez em quarenta anos – incluindo o mandato do actual inquilino da Casa Branca até ao presente – a agressão iraniana teve uma resposta à altura por parte dos EUA. Como explica o General David Petraeus, trata-se de um primeiro passo na estratégia de dissuasão que poderá prevenir, não provocar, o início de uma guerra mundial. Na verdade foi a política de apaziguamento do Ocidente que tem instigado a teocracia a prosseguir a sua agressão, e não o contrário.

Como Petraeus assinala, o profundo isolamento do regime iraniano perante o seu povo e perante o mundo árabe que sofre a sua agressão é a principal razão que altera o quadro geopolítico e que torna difícil ao Irão ignorar as mensagens que agora lhe são dadas.

Os EUA têm uma responsabilidade histórica em corrigir a política de cooperação ou de apaziguamento com a teocracia que prosseguiram durante demasiado tempo. Espero que estejam à altura de a cumprir.

O quadro decisivo é no entanto o local. É na capacidade dos iranianos e dos árabes das nações ocupadas para resistir à teocracia que se joga o futuro da paz mundial.


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