Partido Socialista e Unidas Podemos somam 155 deputados no Congresso e necessitarão o apoio de outros 21 parlamentares para aprovar reformas.
O novo governo de coalizão da Espanha nasce assombrado pelo problema da Catalunha, a crise territorial mais complexa na história do país. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, de centro-esquerda) e o Unidas Podemos (UP, de esquerda) somam 155 deputados no Congresso e necessitarão o apoio de outros 21 parlamentares para aprovar as reformas que prometeram em matéria econômica, judicial, social e ambiental.
Seu primeiro desafio – e o mais relevante para garantir certa estabilidade na legislatura – será a Lei de Orçamentos Gerais, ligada às reformas fiscais anunciadas nas leis que regulam o imposto de renda para pessoa física, o imposto sobre empresas e o IVA (sobre mercadorias). O rechaço da oposição às contas elaboradas pelo Executivo socialista em 2019 levou à dissolução do Parlamento e à antecipação das eleições – repetidas em novembro devido à falta de acordo após o pleito de abril.
Um veto ao Orçamento de 2020 é a primeira ameaça séria à continuidade do governo de coalizão. O PSOE precisou negociar a nomeação de Pedro Sánchez não só com o UP, mas também com partidos bastante minoritários, como os regionais PNV, do País Basco, e ERC, da Catalunha (neste caso, com a conveniente abstenção de seus 13 deputados).
Nos documentos que certificam esses acordos, não se inclui um compromisso de votar a favor do Orçamento. Mas algumas das condições acertadas para a investidura deverão ter reflexo nas contas se o governo de coalizão quiser manter esperanças de levar adiante sua pauta. A legislatura começa com uma situação de instabilidade consolidada, agora pendente das negociações do Governo de coalizão com diversos agentes políticos e sociais em diferentes mesas de diálogo.
O futuro da Catalunha
Gabriel Rufián, porta-voz da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, independentista), vinculou a estabilidade do atual Executivo a uma mesa de negociação sobre o futuro dessa região, que deve se reunir pela primeira vez dentro de duas semanas. O PSOE pretende concluir essas conversações entre o governo central e a Generalitat (governo regional) com uma reforma do Estatuto catalão que melhore o autogoverno dessa comunidade autônoma.
Mas o Partido Popular (de direita) já anunciou, mesmo antes de ser anunciado o conteúdo dessas reformas, que recorrerá ao Tribunal Constitucional se um novo Estatuto chegar a ser aprovado no Parlamento catalão. Já a Esquerda tentará usar a mesa de negociação para convocar um referendo de autodeterminação para a Catalunha – o que exige uma reforma constitucional para a qual o governo não tem os votos necessários no Congresso.
Orçamento e política fiscal
O Ministério da Fazenda deverá elaborar um Orçamento que amplia o gasto público, em parte pelos compromissos de investimentos assumidos com os grupos parlamentares que facilitaram a posse de Sánchez – mas que também eleva a arrecadação. Os novos recursos teriam como fonte uma série de reformas fiscais.
Essas reformas garantiriam uma tributação mínima de 15% no imposto empresarial (chegando a 18% para instituições financeiras e empresas de hidrocarbonetos), mais uma elevação de dois pontos percentuais no imposto de renda de contribuintes com renda superior a 130 mil euros (R$ 588.640) por ano, e de até quatro pontos para quem supere os 300 mil euros (R$ 1.350.840). Essa medida afeta 0,4% dos contribuintes.
Pensões
Para garantir a sustentabilidade da Previdência Social, o Executivo de Pedro Sánchez pretende reformar o sistema de pensões no marco do Pacto de Toledo. O gasto anual em pensões há vários anos supera a arrecadação. O plano do governo consiste em eliminar gastos impróprios da Seguridade Social e reduzir as bonificações para a contratação de funcionários.
Além disso, o governo planeja revogar as reformas aprovadas no Governo do PP sobre o fator de sustentabilidade e o índice de revalorização das pensões, de maneira a garantir seu reajuste anual semelhante à elevação da inflação. Sobre este aspecto há um consenso quase geral na Câmara.
Atenuar a reforma trabalhista
Mediante uma negociação com os agentes sociais (sindicatos e patrões), o Executivo pretende adotar uma série de medidas que, na prática, representam a revogação de muitos aspectos da reforma trabalhista aprovada em 2012 pelo Executivo de Mariano Rajoy. Por ora, não há pactos nem compromissos sobre a eliminação do barateamento da demissão aprovado nos Governos de Zapatero (de 45 para 33 dias por ano trabalhado) e de Rajoy (de 33 a 20 dias por ano trabalhado).
Entre os desafios assumidos por PSOE e UP estão os seguintes: elaborar um novo Estatuto dos Trabalhadores; proibir por lei a possibilidade de demissão por absentismo trabalhista devido a licença por motivo de saúde; os convênios coletivos permanecerão em vigor até a aprovação dos novos; e os convênios empresariais não terão prioridade em sua aplicação sobre os convênios setoriais.
Novas leis orgânicas (eutanásia, justiça universal)
Entre os anúncios reformistas do governo de coalizão destacam-se a revogação da lei de segurança pública, a regulação legal da eutanásia e do direito a uma morte digna, e uma reforma da lei de justiça universal. Sobre essas três reformas, o governo tem, em princípio, garantidos os votos suficientes.
Contra a impunidade da corrupção
A pressão da União Progressista de Promotores pela revogação do artigo 324 da Lei de Processo Penal, que reduzia os prazos de instrução, consta no acordo de governo entre PSOE e UP como uma das principais medidas na luta contra a corrupção e para evitar que esses delitos fiquem impunes. Contar com os 176 votos necessários para aprovar a medida não parece ser um problema. Idem quanto a alterar o Código Penal para incorporar como agressão sexual o que atualmente é tipificado apenas como abuso sexual.
Renovação do Tribunal Constitucional e do Poder Judiciário
O novo governo quer “promover os acordos parlamentares de consenso” que permitam a renovação dos órgãos constitucionais, como o Conselho Geral do Poder Judiciário e o Tribunal Constitucional. A lei estabelece uma maioria de três quintos no Congresso e no Senado para aprovar essas renovações. Sem o aval do Partido Popular, essa iniciativa estará fadada ao fracasso. O bloqueio parece, em princípio, a opção mais provável.
Restrição do foro privilegiado
O Executivo promete reformar a Constituição para restringir o foro privilegiado para políticos, “limitando-o ao exercício da função por parte do cargo público”. Essa promessa coincide com a feita, em diversos momentos da última etapa política na Espanha, pelo Partido Popular e o Cidadãos.
Lei de mudança climática
Nos programas eleitorais dos partidos com maior representação no Parlamento constavam, com diferentes prazos, diversas medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. PSOE e UP anunciam uma lei de mudança climática e transição energética para alcançar em 2050 uma geração de eletricidade cuja origem seja 100% renovável; e entre 85% e 95% antes de 2040.
Reforma educativa
A revogação da Lei Orgânica para a Melhora da Qualidade Educativa (LOMCE), aprovada pelo PP sem consenso durante sua etapa de maioria absoluta, é uma das promessas do governo. Sua nova lei básica de educação, que necessita de 176 votos favoráveis, pretende eliminar a segregação escolar pelas condições de origem dos estudantes.
Também será proibida a subvenção com recursos públicos a escolas que segreguem por sexo. Além disso, a disciplina de religião será de caráter voluntário sem que haja uma disciplina alternativa, e sua nota não será computável para fins acadêmicos.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado