Assim encerramos mais uma semana macabra. Talvez mais macabra que as outras, porque agora a serpente começou de fato a sair do ovo, assumindo a identidade nazista, atacando a cultura, o jornalismo e a esquerda.
Há quem discorde dos que apontam o pendor nazi-fascista do governo Bolsonaro. A estes, o próprio governo respondeu nesta quinta-feira, com três fatos graves, indicadores de que a serpente começou a romper a casca do ovo, com perdão pela velha metáfora. O secretário de Cultura, Roberto Alvim, anunciou ao lado de Bolsonaro, um programa de incentivo cultural que pretende reescrever a História do Brasil em sentido conservador. Em seguida, postou vídeo em que parafraseia Goebbels, o ideólogo do nazismo, para anunciar que vem ai uma nova arte brasileira, nacionalista, heroica, dotada de grande capacidade de envolvimento, vinculada aos valores cristãos. E para completar, irritado com a denúncia de corrupção de um ocupante do próprio Palácio do Planalto, Bolsonaro subiu o tom contra a imprensa e a esquerda, segmentos que ele aponta como o “inimigo interno”, assim como os nazistas da Alemanha elegeram os judeus como adversários a serem perseguidos. E exterminados pela solução final dos campos de concentração.
Vale repertir a comparação entre os textos de Goebbels e Alvim, para que não reste dúvida. Disse o primeiro: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”. E o que disse Alvim: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”.
Espantoso, grave, preocupante. Não houve preocupação em dissimular, muito pelo contrário. A estética do vídeo é nazista, o olhar perfurante do que fala, o fundo musical de Wagner. Mas este governo tem a capacidade de lançar bombas dispersivas sempre que está às voltas com um problema grave, como é agora o caso de corrupção do secretário de comunicação. É claro que todos aqueles que resistem na trincheira democrática vão se concentrar na manifestação nazi-fascista mas não podemos cair na armadilha deles. As duas coisas são igualmente importantes, exigindo denúncia e combate.
É óbvio que não haverá a arte prometida por Alvim, pois a que temos já é expressão de “nossos mitos fundantes” e expressa a pluralidade e a diversidade de nossa cultura. Os nazistas organizaram a exposição “Arte degenerada”, em que obras de Matisse, Picasso e outros modernistas foram apontadas como exemplo de arte nociva e de valores pervertidos. O nazismo, entretanto, nada produziu da arte anunciada por Goebbels. Seu maior ícone foi a cineasta Leni Riefensthal, hoje lembrada apenas pelos filmes de propaganda nazista que produziu, revistos apenas para conhecimento histórico. Mas Alvim tem R$ 20 milhões para distribuir, e haverá sempre algum oportunista disposto a vender a alma por uns 30 dinheiros. Vão tentar reescrever, principalmente, a história da ditadura mas a História é implavelmente parceira da verdade. Ela os registrará como protagonistas de um momento tenebroso no Brasil.
A ofensiva cultural veio acompanhada de outros sinais de escalada autoritária. Os ataques à imprensa subiram de tom, por conta da denúncia de corrupção na Secom e das revelações do livro da jornalista Thais Oyama, Tormenta. Não vale à pena repetir insultos já publicados, tanto por Bolsonaro como pelo general Augusto Heleno, pois quando o chefe dá o exemplo, a prática transborda para seus auxiliares. Uma repórter perguntou sobre corrupção, Bolsonaro perguntou se ela falava da própria mãe. Chamou a jornalista Oyama de “aquela japonesa”, e Thais devia processá-lo por racismo. E Heleno foi no mesmo batidão, irritado porque o livro dela reproduziu sua declaração, por sinal gravada (antes da posse), de que Bolsonaro era um despreparado que de nada entendia. Depois, mudou de ideia e virou homem forte do governo.
Regimes autoritários não suportam jornalismo algum, exceto o amestrado, o chapa-branca. O que não se entende é por que a Folha de S. Paulo e os demais veículos da mídia corporativa continuam contemporizando. Não chamam Bolsonaro de mentiroso, como deviam fazer cada vez que ele mente, e nem reagem com a energia necessária à escalada de agressões a veículos e jornalistas. A agenda neoliberal de Guedes não pode explicar tanta complacência.
E houve também, na escalada nazi-fascista, o ataque de Bolsonaro à esquerda, num claro sinal de “pega, mata e esfola” para os radicais da extrema-direita. As pessoas de esquerda, disse ele, não querem o bem do Brasil, não são normais. Se não são normais, não são gente que mereça respeito. Então podem ser esfoladas. Neste sentido é que, primeiro o anti-petismo, e agora o antiesquerdismo de forma geral, começam a funcionar como o inimigo interno a ser combatido. Quando Hitler demonizou os judeus, deu o sinal para que fossem perseguidos e denunciados como inimigos da Alemanha, de seu progresso e da pureza de sua raça ariana. Daí para a “solução final”, o extermínio nos campos de concentração, foi um passo.
Assim encerramos mais uma semana macabra. Talvez mais macabra que as outras, porque agora a serpente começou de fato a sair do ovo, assumindo a identidade nazista, atacando a cultura, o jornalismo e a esquerda.
Texto original em português do Brasil
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