Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Sábado, Dezembro 21, 2024

Carta de Amor ao Faial, em dia de tempestade

João Vasco AlmeidaMeu querido Faial, escrevo-te do passado, sem saber que ondas ou chuvas te noivaram durante a madrugada, mas mando-te esta pequena carta de amor, muito menos de tudo o que me deste e dás a quem te respira. Vou inquieto porque me estão a mostrar um olho e braços brancos que ameaçam abraçar-te quando estiverem a dormir Espalhafatos e a Povoação, inseguro por pensar que haverá hora em que o Manuel de Arriaga estiver de cordame em mão dada com o porto e, em casa, o seu homem mestre, joelho no soalho, se entregue a Deus para que o barco não adorne, ainda que de face encostada ao cais.

O teu Neptuno vai afastar tudo o que o mar de mal traz, naquela sobranceria serena que o José um dia viu e nos mostrou. Da Conceição, creio, poderá ver-se bem a mão de Nemésio, lá no alto onde sempre esteve, a afastar com a pena do talento, em sussurrante ameaça, esse tal Alexandre, o grande tão grande que nem em 80 anos se viu igual – vai ver-se, dizia, o escriba a levar, por outras linhas que não as da tua costa, o vendaval.

Se chover muito, que se levantem os espíritos dos Capelinhos com as espadas do tempo a cortar o vento, a torná-lo tão brisa da tarde que pareça estarmos na ponta de Castelo Branco a namorar. Se vier vento, que sirva para levantar saias e cabelos que nos enamorem mais ainda dos teus homens e mulheres.

Tempestade
Neptuno da Horta, de José Henrique Azevedo

Meu querido Faial, a água do cais que seja tónica e que se espalhe nas gargantas de gin e se plantem na Horta, outra vez, os sorrisos e as mãos dadas. Não dormirei sossegado sem saber se no Almoxarife, na primeira água do mar que meu filho tomou como dele, a areia esteve sossegada até de manhã ou se lá ficou marca que algum pé deixasse – pegada das canções que se levam para a vida.

Sei que não estás só na rota da fúria e compreendo bem o que tens sofrido. Quero dar-te um abraço muito forte e dizer-te que irei a correr se precisares. Ainda amar-te, como sabes, vem de teres sido a terra que me fez tremer e me deu arrepios, que me deitou no chão e, como em qualquer bom romance, me fez sair de casa de calças na mão, quando senti o mundo fugir-me dos pés, contigo a acordar-me aos sacolejos, naquela voz que vem de dentro das pedras e do mar, sussurrada ao ouvido e que nos faz o corpo em tremelique.

Lembro-me de tomarmos como pequeno almoço batatas cruas à entrada de Pedro Miguel, num celeirito pobre onde se escondeu por dia e meio um homem, mal me viu chorou de saudade, não minha mas da mulher que ainda estava na cama, mais deitada que no sono, viúvo precoce que me deu vinho e semilha – o seu e o meu despertar daquele 10 de Julho.

Vai correr bem, o americano passará como tantos outros – ao avistar-te perderá a fúria e render-se-à nos teus braços, verá a caldeira e nela se aquecerá. Verá o mundo dos Atlantes e a sabedoria de cada uma das tuas almas, o afecto absoluto.

Não há furacão que resista ao teu amor. Se tiver caído o céu, vou a caminho.

Leia   Outros artigos de João Vasco Almeida

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

1 COMENTÁRIO

Comentários estão fechados.

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -