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Terça-feira, Julho 16, 2024

O sistema global a caminho do colapso financeiro e climático?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A crescente desigualdade, bem evidente na pauperização acelerada dos assalariados, e a sobrevivência do modelo económico que sustenta e que tem transformado a democracia ocidental numa espécie de catalisador duma forma moderna de escravidão económica não se pode prolongar nem servir para adiar as medidas necessárias à contenção do desgaste provocado pelo modelo de exploração desbragada dos recursos naturais.

De acordo com o Índice Multidimensional de Pobreza, publicado em meados de 2019 pela ONU, mais de um quarto da população mundial (2 mil milhões de pessoas) vive em situação de pobreza e, segundo dados do Institute of International Finance de meados do mesmo ano, o endividamento mundial subiu para 250,9 biliões de dólares (228 biliões de euros), valor que fixa um novo recorde de 320% do PIB mundial.

O que antes podia ser visto com um mar de dívidas no qual tentávamos flutuar tornou-se rapidamente num oceano de dívidas no qual arriscamos afundar-nos todos.

Esta enorme quantidade de dívida, uma imaginária riqueza de faz de conta, que o capitalismo global trata como o seu bezerro de ouro ameaça agora colapsar estruturalmente, o que não é apenas um problema para os 1% de mega ricos que ainda exercem uma influência determinante no aspecto político-económico e na própria vida colectiva. O colapso originado pela última crise reduziu milhões de trabalhadores e de antigos proprietários imobiliários a uma luta pela sobrevivência que não terminou para a maioria deles, hipocritamente associados a uma suposta recuperação económica (que apenas o foi para o factor capital) que o que conseguiu foi reduzir os salários de quem trabalha e aprofundar o processo de concentração da riqueza. Nada de profundamente diferente do que assistimos nos primórdios do capitalismo industrial, no século XIX, quando os camponeses foram empurrados dos campos para as fábricas para criarem riqueza para os seus proprietários, enriquecendo-os ao ponto de ultrapassarem a riqueza dos anteriores senhores feudais.

Agora, o capital global criou uma ínfima minoria pessoas super-ricas a ponto de apenas três bilionários norte-americanos terem tanta riqueza combinada quanto 150 milhões dos seus concidadãos, tantos são os que esperam obedientemente para ir às urnas e votar na continuação do sistema que nos dirige em direcção a mais um colapso financeiro, quase seguramente mais doloroso que o anterior. O recurso a fundos públicos para resgatar a riqueza privada salvou-a temporariamente mas não se pode permitir que tal se repita, especialmente quando se registam, um pouco por todo o lado, contestações e revoltas em consequência da degradação das condições de vida da generalidade das populações, que sentem a sua cada vez mais palpável miséria.

A aproximação de um novo potencial colapso desta economia de casino em que se transformou o capitalismo financeiro global parece cada vez mais real, mas os seus maiores malefícios ainda poderão ser evitados, mesmo que os principais defensores do sistema sintam que isso é inevitável e a sociedade, ou seja os trabalhadores assalariados, apenas terão que aprender a viver com mais austeridade e muito menos conforto. Preocupados em mudar o acessório para que no essencial tudo continue sem alterações , os poderes estabelecidos (económicos e políticos) têm contado com a colaboração dos meios de comunicação que regularmente noticiam os pequenos fait divers enquanto procuram minimizar as notícias das multidões de pessoas frustradas que da França à Nigéria ou do Líbano ao Chile se erguem, como raramente antes o fizeram, contra a autoridade e a regra que as reduziu a níveis de vida cada vez mais inferiores e degradantes.

E esse mesmo sistema está na raiz de um problema de maior alcance, reduzido ao chavão das alterações climáticas pelos mesmíssimos oportunistas que não hesitariam em usar um lança-chamas para apagar um incêndio, ou que pretendem fazer depender de um sistema de lucro privado as iniciativas para acabar com o potencial de destruição do planeta e dos seus habitantes originado pelo mesmo sistema de lucro privado. Enquanto desenvolvemos planos para limpar a trapalhada que criámos na natureza recorrendo ao mesmo sistema que lhe deu origem, muitos começam já a perceber o jogo de interesses que leva à contínua alteração das formas de combate à poluição que mais não é que uma via de alternar os titulares dos lucros assim gerados. Este é o modelo que originou lucros crescentes para uma minoria que assim ganhou poder para dominar e comercializar bens essenciais como o ar, a água, a terra, a saúde, o bem-estar, transformando tudo em mercadorias (bens transaccionáveis) que só podem ser compradas e vendidas num mercado para o qual teremos que ter os meios (riqueza) para participarmos e que aos excluídos apenas oferecerá uma alternativa: a de morrerem.

A crescente desigualdade, bem evidente na pauperização acelerada dos assalariados, e a sobrevivência do modelo económico que sustenta e que tem transformado a democracia ocidental numa espécie de catalisador duma forma moderna de escravidão económica não se pode prolongar nem servir para adiar as medidas necessárias à contenção do desgaste provocado pelo modelo de exploração desbragada dos recursos naturais. A este modelo de exploração desenfreada dos recursos globais em benefício de uma minoria terá que se contrapor (e sobrepor) outro, mais natural e racional, pensado colectivamente e globalmente, onde o lucro individual seja obrigatoriamente substituído pelo interesse geral.


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