As eleições que acabamos de viver foram talvez das mais competitivas dos últimos anos. Isso deveu-se, a meu ver, sobretudo à overdose de sondagens que diariamente encheram os écrans de televisão e os noticiários das rádios e da imprensa. Em teoria, uma eleição muito competitiva provoca mais discussão e empenho entre todos os que nela participam como candidatos e como eleitores. Leva também a uma maior procura de informação e de argumentos por parte de cada lado, para defender a sua preferência perante o outro ou os outros lados.
Uma eleição tão bipolarizada como esta provocaria necessariamente grande ansiedade, não apenas entre os que a disputaram directamente mas também entre os respectivos apoiantes. Assistimos a isso nas redes sociais com a multiplicação de mensagens de caracter partidário e a troca de argumentos e de acusações entre apoiantes dos diversos partidos. Quem acompanhou a profusão de manifestações de apoio e de apelos ao voto, terá pensado que os portugueses se interessam fortemente por política, ao contrário do que era convicção geral, e que a votação seria expressiva, com a abstenção a contrariar as previsões negativas das sondagens.
De facto, uma eleição em que as sondagens apontaram durante muito tempo para um empate técnico entre uma coligação dos dois partidos que representam a direita portuguesa no seu conjunto, visto que à direita do PSD e do CDS não existe qualquer força política organizada, e o maior partido da oposição, o Partido Socialista, seria sempre, ao menos teoricamente, uma eleição muito participada.
Os meios de comunicação social contribuíram largamente para essa competição através da divulgação diária de sondagens, criando nos eleitores, em cada dia, ansiedade e avidez pelos resultados da sondagem do dia seguinte. Essa ansiedade aumentou certamente as audiências, rentabilizando o investimento financeiro realizado e potenciado através de parcerias entre televisões, rádios e jornais concentradas em quatro empresas de sondagens: Aximage, Eurosondagem, Intercampos e Universidade Católica. Estas quatro empresas forneceram sondagens que foram publicadas num conjunto alargado de órgãos de comunicação social, incluindo canais generalistas de televisão, canais do cabo, jornais e rádios, cada um dos quais as repetiu nos suportes onde marca presença, ao longo das duas semanas de campanha oficial.
Esta concentração de sondagens teve dois efeitos contraditórios: por um lado, potenciou a bipolarização e a competição entre as duas maiores candidaturas, contribuindo para a diminuição da abstenção; por outro, reduziu drasticamente o pluralismo e a diversidade da informação.
A competição entre forças políticas teria sido um dado positivo se correspondesse a um conhecimento e discussão mais aprofundados das propostas dos contendores. Ora, não foi isso que aconteceu, uma vez que à excepção dos debates entre os líderes das candidaturas com representação parlamentar, nos quais foi possível alguma discussão substantiva, as sondagens mobilizaram quase completamente os noticiários nas duas semanas de campanha oficial, arrastando jornalistas, comentadores e eleitores, desviando-os da discussão substantiva das propostas das candidaturas.
Por outro lado, as reportagens da campanha propriamente dita não contribuíram também para uma melhor informação dos cidadãos, limitando-se os repórteres a seguirem o roteiro dos candidatos e a reportarem os soundbites dos seus discursos e o folclore das “arruadas”.
Uma campanha como a que sumariamente descrevo acima poderia sempre ter dois efeitos contraditórios: por um lado, a luta renhida entre “direita” e “esquerda”, o empate técnico de que falavam algumas sondagens e o apelo ao voto útil, levaria os cidadãos indecisos ou habitualmente abstencionistas a votarem para darem força à candidatura da sua preferência. Por outro, a overdose de sondagens e a evolução que a partir de certa altura se verificou com a subida da coligação de direita e a descida do Partido Socialista, pode ter desmotivado alguma parte do eleitorado. Por outro, ainda, o excesso de negatividade e de acusações mútuas poderá ter desmobilizado muitos cidadãos que, à partida, teriam votado perante uma campanha menos aguerrida e mais esclarecedora.
Uma nota pode ser extraída dos resultados destas eleições. Os portugueses mostraram que em momentos decisivos para o futuro do País, não deixam de comparecer e de expressar a sua vontade. Cabe agora ao Presidente da República e aos vencedores interpretarem essa vontade.
Estrela Serrano
Lisboa, 4 de Outubro de 2015