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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Adianta gastar tanta energia para repudiar as grosserias de Bolsonaro e sua equipe?

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Lamento que desde o início do governo Bolsonaro gastamos tanto tempo e energia refutando dizeres chocantes e escabrosos do presidente e sua equipe. O último deles fala que não é desejável que empregadas domésticas visitem a Disneylândia.

Fico a pensar o quanto os nossos – da esquerda, dos social-democratas e da classe autoproclamada civilizada – repúdios tem contribuído para que um governo assumidamente favorável à manutenção do abismo entre pobres e ricos perca força.

Não me parece que isso esteja surtindo algum efeito político haja vista as últimas pesquisas de intenção de voto para a presidência em 2022 e o desprezo do mercado pela falta de modos do governo.

Estamos andando em círculos, em uma espiral de críticas e de demonstrações de como os dizeres em questão são escabrosos. E a cada dia eles dizem mais e crescem nas pesquisas.

Parece que estamos tão apegados aos nossos repúdios que esquecemos que Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 justamente defendendo opiniões condizentes com as de Paulo Guedes acerca das empregadas domésticas na Disneylândia. Já estava tudo dito ali no momento do voto, no momento da eleição.

Não acho que os dizeres escabrosos dos governantes sejam táticas diversionistas. Não são. O que eles dizem expressa a visão de mundo que sustentam. A visão de mundo vitoriosa em 2018. Por isso, quando Paulo Guedes fala sobre a alta do dólar, dizer algo como “as pessoas mais pobres estavam se aproveitando da baixa do dólar para ter algum luxo internacional” é um exemplo banal. Mas aí passamos vários dias andando em círculos e provando por A + B que ele é um elitista que odeia os pobres e etc.

Desta forma, embora esta não seja uma tática do governo, nós, por nós mesmos estamos nos perdendo em nossa ampla capacidade de problematizar uma fala. Estamos entrando voluntariamente no diversionismo.

Longe de mim concordar com as grosserias do ministro da Economia, com as grosserias do Bolsonaro, do seu clã e dos seus lacaios. Mas penso que talvez seja mais produtivo usar essa sofisticada ferramenta que é a “capacidade de problematizar uma fala”, ou, buscar um entendimento sobre a dinâmica do mundo real, para olhar para nós mesmos, para nossos pares, e tentar seriamente encontrar um caminho político viável que nos permita romper esse ciclo do qual não conseguimos sair.

Mais do que isso. Buscar compreender porque esta visão de mundo triunfou em outubro de 2018 e triunfa ainda.

No dia seguinte da fala de Guedes sobre a Disneylândia, o ex-presidente Lula teve um encontro com o Papa Francisco, o Papa franciscano que ama os pobres. Será que esse contraste fez com que o povo brasileiro voltasse a gostar mais do Lula e largasse mão dos crápulas do atual governo?

Ou será que esse mesmo povo pressente em nossos repúdios traços de demagogia e de hipocrisia quando, do alto da nossa formação privilegiada e cara, ostentamos um discurso bonito em defesa da igualdade social?

São dúvidas que me parecem mais urgentes neste momento. Mais urgentes do que apresentar, mais uma vez, nossas cartilhas de civilidade.


Texto em português do Brasil


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