Diário
Director

Independente
João de Sousa

Terça-feira, Julho 16, 2024

Saltos e sobressaltos das vidas dos árabes israelitas

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

do Período Otomano aos anos 80

Período otomano tardio (1900-1917)

Em 1900, o Império Otomano estabeleceu um centro administrativo para o sul da Síria em Beersheba, conhecida hoje em dia como a capital do Negev incluindo escolas e uma estação ferroviária. A autoridade dos chefes tribais sobre a região foi reconhecida pelos otomanos. Uma linha férrea ligava ao porto de Rafah. Em 1914, as autoridades turcas estimaram a população nómada em 55.000.

O Acordo de Sykes-Picot de 1916 entre a Grã-Bretanha e a França colocou o Negev na Área B, “estado ou estados árabes”, sob patrocínio britânico. O Negev foi retirado ao exército otomano pelas forças britânicas durante 1917 e tornou-se parte da Palestina Obrigatória.

Em 1922, a população beduína foi calculada em 72.898 de um total de 75.254 para o subdistrito de Beersheba. O censo de 1931 estimou que a população do subdistrito de Beersheba era de 51.082. Uma história árabe das tribos em torno de Berseba, publicada em 1934, regista 23 grupos tribais.

Em 1948, a população do estado de Israel era de 1.900.000, dos quais 68% eram árabes, incluindo beduínos e 32% eram judeus (relatório do UNSCOP, United Nations Special Committee on Palestine.

Embora a maioria dos árabes que permanecessem em Israel recebesse cidadania, eles estiveram sujeitos à lei marcial nos primeiros anos do estado. Os sionistas tinham mais em que pensar do que na forma de integrar a população árabe restante e/ou os beduínos, e o assunto foi sendo deixado para trás, aumentando a sensação de amargura, injustiça e degradação de direitos crescentes desde 1948. De acordo com Ian Lustick, as políticas subsequentes foram ‘implementadas por um regime rigoroso de governo militar que dominava o que restava da população árabe em território governado por Israel, permitindo ao Estado expropriar a maioria das terras dos árabes o que acompanhado por medidas restritivas de acesso ao capital para investimento e baixíssimas oportunidades de emprego, eliminaram praticamente todas as oportunidades de usar a cidadania como veículo para obter influência política”.

Ian Steven Lustick

Ian Steven Lustick, 70 anos, é um especialista americano em história moderna e políticas do Oriente Médio.

Várias medidas legislativas israelitas facilitaram a transferência de terras abandonadas pelos árabes para a propriedade do estado. Isso incluía a Lei de Propriedade Ausente de 1950, que permitia ao Estado assumir o controle de terras pertencentes a proprietários de terras que emigraram para outros países, e a Lei de Aquisição de Terras de 1953, que autorizou o Ministério das Finanças a transferir terras desapropriadas para o estado. Outros expedientes legais comuns incluíram o uso de regulamentos de emergência para declarar terras pertencentes a cidadãos árabes uma zona militar fechada, seguido pelo uso da legislação otomana em terras abandonadas para assumir o controle da terra.

Os árabes que possuíam cidadania israelita tinham direito a voto no Knesset israelense. Há membros do Arab Knesset desde o Primeiro Knesset. Os primeiros membros do Arab Knesset foram Amin-Salim Jarjora e Seif el-Din el-Zoubi, que eram membros do partido da Lista Democrática de Nazaré e Tawfik Toubi, do partido Maki (Partido Comunista).

Em 1965, um grupo árabe independente radical chamado al-Ard, que formava a Lista Socialista Árabe, tentou concorrer às eleições do Knesset. A lista foi banida pelo Comité Central de Eleições de Israel.

Autorizações de viagem, toques de recolher, detenções administrativas e expulsões fizeram parte da asfixiante e frustrante vida dos árabes dentro do estado de Israel até 1966.

O décimo terceiro governo de Israel foi formado por Levi Eshkol em 12 de janeiro de 1966, após as eleições de novembro de 1965. Levi Eshkol nascido na Ukrania, foi o terceiro Primeiro Ministro de Israel de 1963 até 1969, tendo falecido em funções com um ataque cardíaco. Fundador do Partido Trabalhista Israelita, teve cargos importantes anteriores incluindo ter sido Ministro da Defesa e Ministro das Finanças entre 1952 e 1963. Depois da sua morte o governo foi temporariamente liderado por Yigal Allon, até Golda Meir formar o décimo quarto governo em 17 de março de 1969.

Em 8 de novembro de 1966, a lei marcial foi completamente revogada, e o governo começou a desmantelar a maioria das leis discriminatórias, enquanto os cidadãos árabes receberam os mesmos direitos legais que os judeus.

Em dezembro de 1966, a administração militar foi abolida graças à luta árabe-judia. No entanto, não foi desenraizada nem do discurso público nem em termos de comportamento real. Dez anos depois, em 1976, seis árabes foram mortos durante uma onda de protestos contra a expropriação de terras de propriedade árabe. E quase 35 anos depois, em Outubro de 2000, 13 cidadãos árabes foram mortos enquanto protestavam contra as mortes injustificadas e cruéis nos territórios ocupados. A administração militar pode ter chegado ao fim, mas seu espírito ainda paira sobre nós_ testemunho naquela altura Odeh Bisharat.

Odeh Bisharat nasceu em 1958. A família era da vila de Ma’alul, uma destruída em 1948, e agora vive em Yafiah, na Galileia, com a mulher e três filhos. Envolvido em atividades políticas e sociais durante toda a sua vida, primeiro como chefe do Comité Nacional de Estudantes Árabes-Israelitas, depois como chefe da Organização de Estudantes Árabes da Universidade de Haifa. Participou de vários movimentos judaico-árabes e trabalhou como editor do jornal juvenil Al-Jad. No início dos anos 2000, Bisharat era secretário geral do partido político Hadash (Frente Democrática pela Paz e Igualdade). Atualmente, é colunista de opinião dos jornais israelitas Haaretz e Al-Atikhad. É autor por exemplo das novelas The Streets of Zatunia e Dunya.

Tawfiq Ziad

Só após a Guerra dos Seis Dias de 1967, os cidadãos árabes puderam contactar com os palestinianos residentes na Cisjordânia e na Faixa de Gaza pela primeira vez desde a criação do estado. Isso, juntamente com o levantamento do domínio militar, permitiu o aumento do ativismo político entre os cidadãos árabes.

Em 1974, foi estabelecido um comité de Presidentes da Câmara árabes e vereadores municipais, que desempenhou um papel importante na representação da comunidade e na pressão sobre o governo de Israel. Em 1975, foi criado o Comité de Defesa da Terra, que procurava impedir desapropriações contínuas de terras. Nesse mesmo ano, houve um avanço político com a eleição do poeta árabe Tawfiq Ziad, um membro de Maki (Partido Comunista) como Presidente da Câmara de Nazaré, acompanhado por uma forte presença comunista no conselho da cidade. Nascido na Galileia, Ziad estudou literatura na URSS. Eleito Presidente da Câmara de Nazaré em dezembro de 1973, como membro do partido comunista, uma vitória que surpreendeu e causou medo aos israelitas. Membro do Knesset nas eleições de 1973 pressionou o governo israelita a mudar as políticas em relação aos árabes – tanto dentro de Israel quanto nos territórios palestinianos ocupados. Escreveu um relatório sobre as condições das prisões israelitas e o uso sistemático de tortura em presos palestinianos foi publicado no jornal israelita Al HaMishmar e submetido às Nações Unidas tendo sido citado detalhadamente num relatório da Assembleia Geral da ONU de 23 de Dezembro de 1987, onde foi descrito como “Talvez a melhor evidência da verdade dos relatórios que descrevem as repugnantes condições desumanas sofridas pelos prisioneiros árabes“.

Ziad faleceu em 1994 numa colisão frontal no vale do Jordão, no caminho de volta a Nazaré, depois de receber Yasser Arafat, presidente da Organização de Libertação da Palestina, quando este regressou do exílio. Era ainda era Presidente da Câmara de Nazaré, membro do Knesset e “um importante legislador árabe”. Em 1976, seis cidadãos árabes de Israel foram mortos pelas forças de segurança israelitas num protesto contra expropriações de terras e demolições de casas. A data do protesto, 30 de março, é comemorada anualmente como o Dia da Terra.

O movimento islâmico surge nos anos 80. Tal como noutros países árabes o Movimento Islâmico foca o islamismo como elemento que condiciona a política. O movimento construiu escolas, prestou serviços sociais essenciais, construiu mesquitas e incentivou a oração e o vestuário islâmico conservador. O Movimento Islâmico começou a afetar a política eleitoral, particularmente no nível local.

Seis anos após o início da Primavera Árabe, os poderes políticos ligados ao chamado “Movimento Islâmico” enfrentaram vários desafios locais, regionais e internacionais mas o “estado profundo” – ao lado da rede de interesses regionais e internacionais – conseguiu impedir o progresso da transição democrática_ uma das conclusões da da conferência “Movimentos islâmicos: transformações após as revoluções árabes”, organizada pelo Centro de Estudos Aljazeera (ACJS), realizada nos dias 24 e 25 de setembro de 2016.

Relatar os Saltos e sobressaltos das vidas dos árabes israelitas não é tarefa fácil, mas é necessária para compreender este enorme conflito que se avoluma hoje em dia aos nossos olhos!

 

A população árabe em 2019 foi estimada em 1.890.000, representando 20,95% da população do país. Segundo o Bureau Central de Estatística de Israel (maio de 2003), muçulmanos, incluindo beduínos, representam 82% de toda a população árabe em Israel, juntamente com 9% de drusos e 9% de cristãos.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

Uma Aventura | Na Caixa

Mentores espirituais

Manuel de Azevedo

Auto-retrato, Pablo Picasso

- Publicidade -