Os líderes carismáticos não aceitam o conhecimento científico. Rejeitam a racionalidade comum, e apoiam atividades mais “irracionais”, mas que parecem mais humanísticas
David P. Chandler escreveu a biografia política de Pol Pot, intitulada “Irmão Número Um”.

É um livro de referência para quem quiser entender como um educado, amável, atencioso professor nascido no Cambodia em 1929 e educado em boas escolas francesas, ascendeu ao poder, cativou os seus compatriotas para uma ideia de luta contra a corrupção, apelou aos camponeses pobres da sociedade agrária que era o Cambodia colonial governado por dinastias de príncipes aristocráticos e distantes. Lutou e desenvolveu a consciência do povo pobre contra a subserviência e sossego bovino em que viviam.
A família real do Cambodia era indolente, distante e fria e olhava com desdém para os trabalhadores do campo que a alimentavam e serviam. De 1945 a 1970, o Rei Norodom Sihanouk, governou o Cambodia a partir do seu palácio, gaiola e vida dourada. A estrutura política cambojana durante o governo de Sihanouk concentrava o poder num pequeno grupo de homens que exploravam maioria da população em todos os níveis.
O povo eram os servos da gleba do Cambodia do século XX.
Pol Pot, regressado da França, onde tinha feito os estudos superiores e tinha descoberto a ideologia comunista, tendo passado pelo Partido Comunista Francês, ocupou um lugar de professor na capital do Cambodia, Phnom Penh. Corria portanto a década de 50, o post guerra mundial e o delicado e afável professor via o comunismo como um conjunto de técnicas libertadoras que poderiam ser aplicadas no Cambodia para remover a autoridade tradicional, a injustiça social, económica e a subserviência tradicional.
Para Pol Pot os camponeses miseráveis e os analfabetos do Cambodia seriam os atores da transformação social que impulsionaria o país.
Pol Pot governou de 1970 a 1975 e faleceu em abril de 1998.
Era um líder carismático, no sentido definido por Max Weber.
Segundo Weber, as ações sociais são controladas, dirigidas e mantidas porque parte significativa dos membros de uma sociedade acreditam numa ordem social legítima. O comportamento social é orientado em função dessa ordem e constitui a narrativa/crença base da autoridade. Weber considera que há três formas de deter poder e legitimá-lo: a forma racional, a forma tradicional e a forma carismática, e que cada um destes tipos de autoridade é validado de maneira diferente.
- A autoridade racional vem da ordem estabelecida veiculada pelas instituições de ensino ou tribunais, e dão origem a autoridade racional.
- A autoridade tradicional aparece nas relações do líder com os seus seguidores, como pai e filho, professor e aluno ou militar de categoria superior e soldado, são mantidas por tradições seculares.
Estas bases de autoridade tradicionais e racionais não são formas eficazes de autoridade para trazer mudanças sociais ou organizacionais.
- A autoridade carismática, por outro lado, faz parte da expressão de tendências disruptivas na sociedade. Em contraste com a autoridade legal ou tradicional, a autoridade carismática é o oposto das atividades de rotina e representa um desejo, um impulso de romper e mudar a ordem social predominante. É como um ciclo eterno entre a necessidade humana de estrutura e a necessidade igualmente humana de variação e inovação na sociedade. A autoridade carismática não apela à ordem e valores ou moral estabelecida, mas sim ao depositar de uma confiança especial e total que o líder carismático pede e induz nos seus apoiantes, pelos poderes especiais, pessoais que exibe e as qualidades únicas que diz possuir.
Segundo Weber, é difícil para os líderes carismáticos manterem sua autoridade, porque precisam que os apoiantes continuem a legitimar essa autoridade. É necessário que o líder carismático exiba constantemente o seu excelente desempenho, as suas jóias, as suas cores, os seus símbolos da liderança para manter a sua autoridade.
Esta descrição lembra-lhes alguma coisa de recente? Cristas amarelas a emplumarem o alto dos toutiços arrogantes, são plumagens que já engalanavam os reis e déspotas da antiguidade oriental, africana e índia sul americana.
Foram feitos muitos estudos para se tentar entender melhor os mecanismos da liderança carismática.
Psicólogos, psiquiatras, sociólogos pensam que a auto-estima está diretamente ligada com a nossa identificação com certos objetos pessoais. Objetos que podem ser o nosso carro, que mostra o nosso dinheiro, poder e classe social ou “objetos” menos visíveis e emplumados como as nossas crenças ideológicas. A nossa auto-estima aumenta quando aumenta o valor dos objetos que adquirimos, ou que sonhamos adquirir. Quando ocorre o inverso a nossa auto-estima diminui.
Líderes carismáticos sabem fazer elevar a categoria dos objetos com os quais seus seguidores se identificam, elevando-lhes a auto-estima e satisfação narcísica. Um outro aspeto seria o de que indivíduos que resolveram por si mesmos problemas que os apoiantes não foram capazes de resolver por si mesmos, são vistos como carismáticos, porque foram capazes de lidar com um problema que parecia insolúvel. Por exemplo Boris e Brexit, ou Trump e vacina para o Covid 19.
Os não apoiantes de um líder carismático não são sensíveis ao seu carisma, ao seu poder de sedução.
Segundo Weber, especialmente em tempos de grande medo e crise carismáticos são aqueles que as sossegam, lhes dão apoio e rumo, podendo alcançar um estado de transcendência, tornando-se a imagem personificada das qualidades que os apoiantes desejam possuir.
Os líderes carismáticos são capazes de com palavras simples expressar pensamentos e ideias complexos, com exemplos de lana caprina, analogias e metáforas. Os líderes carismáticos acolhem o risco que os preenche, sem esse risco e sentem-se vazios na sua ausência. Ficam sem adrenalina!
Não têm medo de falhar. Os líderes carismáticos não aceitam o conhecimento científico. Rejeitam a racionalidade comum, e apoiam atividades mais “irracionais”, mas que parecem mais humanísticas, e que um dos sinais da liderança carismática reside na capacidade de deixar uma marca significativa na estrutura institucionalizada tradicional que ele rejeita. Desafiam, estimulam e espicaçam os seus apoiantes para testarem a sua coragem e grau de compromisso. Parecem expressar fortes valores, estabelecem altos padrões, fazem crer no sentido transcendente da sua missão, falando com otimismo sobre o futuro, expressando confiança, fazendo sacrifícios pessoais, motivando continuamente os apoiantes vincando a convicção nas ideias que apresentam.

No final, Pol Pot, o homem, o líder carismático, cujo despertar revolucionário estava firmemente enraizado no ódio total à autoridade tradicional, não era melhor do que seu antecessor o Principe Norodam Sihanuk ao governar a pequena nação do sudeste asiático. Matou um quarto da população do Cambodia à fome, em prisões, com torturas inimagináveis para reeducar o seu povo. O governo de Pol Pot foi uma tragédia humana, muito pior do que as regras dos que governaram antes dele.
Pol Pot não foi o primeiro nem o último dos iluminados.
Hitler, o Presidente Mugabe do Zimbabué, Mao Tse Tung, Duterte, o General Pinochet e alguns lideres europeus e americanos atuais lutam pela disputa do mesmo título.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90 | Ilustração de Beatriz Lamas Oliveira
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