Mas mesmo sem sair do estrito campo de saúde, alguém se arrisca a dizer que o prejuízo sanitário da prisão domiciliária para a saúde mental ou para todas as doenças oriundas do sedentarismo é menor que o potencial prejuízo de um modelo racional e científico de abordagem da pandemia?
A presente pandemia começou sob o signo do silêncio, com a China a prender os médicos que falavam dela, o Irão a mentir durante dois meses e a encher agora as prisões com os que revelam um pouco da catástrofe e mesmo a Europa a silenciar a chegada da crise.
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A pandemia em movimento
A Organização Mundial de Saúde, depois da China, é a grande responsável pela catástrofe que vivemos: ignorou os avisos de Taiwan durante Dezembro de 2019 sobre a existência da epidemia em Wuhan e da transmissibilidade do vírus pessoa a pessoa, avisos que tinham como fonte primeira os médicos de Wuhan, e manifestou-se até hoje mais preocupada com a defesa da reputação das autoridades chinesas do que com o cumprimento dos seus deveres, fazendo com que este coronavírus, contrariamente ao precedente, não fosse designado de acordo com a sua origem geográfica, protelando a declaração de pandemia e, pior, não escutando a tempo a voz aos especialistas.
Depois do silêncio, tivemos a desinformação, que se se espalhou com a velocidade de contágio do próprio vírus, desinformação a que aludi na minha crónica do Tornado da semana passada. Passámos depois à fase de pânico, a que aludi em várias crónicas na 105FM, fase em que continuamos largamente mergulhados com largas responsabilidades das autoridades internacionais.
Num clima cada vez menos sereno e que faz lembrar o ambiente apocalíptico que marcou tragédias anteriores da humanidade, o messianismo religioso ou laico explode. Dá-se ouvidos a toda a espécie de gurus, que dizem o que se quer que eles digam mas ignoram-se os especialistas cuja mensagem não quadra com a do fim-do-mundo.
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Escutar os especialistas
O SARS-Cov-2, apesar das suas especificidades, tem óbvias semelhanças com os seus antecedentes mais próximos neste século, o MERS e o SARS, como com outros coronavírus responsáveis por constipações ou mesmo com os seus parentes virais mais distantes como o H1N1pdm09 de 2009 ou o mais distante H1N1 de 1918.
Portanto, a primeira coisa a fazer é consultar a opinião dos mais reputados cientistas e médicos que se têm dedicado ao estudo e combate das doenças infectocontagiosas que afectam o sistema respiratório, sendo o melhor método o de verificar os vários rankings em revistas e organizações da especialidade de cientistas mais citados.
Se o fizermos, consultando o mais popular dos sistemas, o Expertise in Communicable Diseases do Experscape vemos que é o Instituto Hospital Universitário de Doenças Contagiosas de Marselha que, entre os seus investigadores, tem o maior número de cientistas nos primeiros lugares, ocupando o seu director o primeiro lugar do ranking mundial.
O director do instituto, desde finais de Fevereiro, ciente do seu compromisso de Hipócrates, recorre primeiro às redes sociais, brandindo os estudos que confirmam os resultados da medicação à base de cloriquina que as autoridades francesas tinham proibido no início do ano.
Ser o principal perito mundial na matéria é no entanto matéria de somenos importância para os poderes em presença, e as forças fáticas francesas começam imediatamente o processo do seu fuzilamento mediático, ridicularização e maledicência que só conhece tréguas dia 26 – um mês após o início da sua epopeia – quando as autoridades francesas levantam finalmente a proibição à medicação que ele prescreve.
Pessoalmente, penso que a única coisa útil a fazer é escutá-lo, e talvez de todas as intervenções que ele apresenta nas redes sociais, a mais didática é a que profere num anfiteatro da Universidade a 16 de Março.
Tentando resumir o que ele nos diz que me pareceu mais importante:
- A quarentena é um método medieval que nem a última vez que foi utilizado em Marselha (cidade onde ele fala) funcionou e, como ele diz, a polícia era então muito mais feroz;
- O método é diagnosticar e tratar. Diagnosticar, através de testes – que nas suas palavras são banais – e tratar através da medicação baseada em cloroquina de que ele é perito mundial na utilização.
- Este vírus, tal como a generalidade dos outros que com ele estão relacionados, é sazonal, e devemos esperar que ele desapareça com o Verão e venha a voltar no Outono;
- O tratamento hospitalar e a sua qualidade são importantes na diminuição da mortalidade, mas a generalidade dos números sobre doentes e vítimas divulgados não têm sentido porque comparam o que não é comparável;
- A principal especificidade deste vírus é o de as crianças serem pouco atingidas e não serem também vectores de propagação.
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A alternativa racional
Mas apesar do recuo das autoridades e da imprensa francesas – estas chegaram a colocar as intervenções do director do Instituto de Marselha no site oficial do Ministério da Saúde como ‘fake news’ – a batalha está longe de ser ganha.
Com quase três meses de atraso, a OMS apela finalmente a que se façam um máximo de testes, embora não dê nenhum passo para contribuir à sua produção e utilização em massa, continua sem endossar a medicação largamente testada, temendo-se que esteja a preparar a sua exclusão através de avaliações feitas à medida para obter a resposta negativa e, pior, propagandeando o pânico e as soluções que não funcionam como a da quarentena universal.
Taiwan aparece como o maior sucesso no combate à pandemia – com duas vítimas mortais e 215 contágios detectados – porque não seguiu as directivas da OMS e desde 2 de Janeiro que controla todas as chegadas do exterior, não aplicando a quarentena universal preconizada e mantendo a sua actividade normal.
A partir do momento em que esse método não foi seguido, e portanto, as pessoas contagiadas puderam circular livremente, a única forma de combater a propagação da pandemia é através de testes massivos.
É irracional pensar que há contaminação quando alguém vai a um café mas não há quando vai ao supermercado e só de pode entender com a psicopatia de massas típica destas ondas de pânico. E os resultados aí estão a atestá-lo com a explosão da pandemia onde se está a adoptar a lógica da quarentena, como a Itália ou a Espanha, e o seu controlo onde se fazem testes, como a Alemanha.
Os testes massivos têm naturalmente de começar pelos profissionais que lidam com as vítimas da pandemia e as que lhe estão mais expostas (por exemplo, lares de idosos) e alargar-se a todas as pessoas em função do risco a que estão sujeitas.
E é claro, como explica o Instituto de Marselha, as doenças são diagnosticadas para ser tratadas com tratamentos que foram já validados, e não para esperar um ano e meio (prazo mínimo no qual é possível que venha a existir uma vacina ou que se possam desenvolver novos tratamentos mesmo acelerando todos os procedimentos existentes), altura em que, se ainda forem vivas, já terão tido tempo de contaminar todo o planeta.
O calendário da maximização de lucro das farmacêuticas e de cumprimento de regras burocráticas não é o calendário que a saúde do mundo precisa.
Acresce a isto que a oposição entre ‘saúde’ e ‘economia’ que nos tem sido vendida é uma fraude. Primeiro porque há muito quem lucre com o actual estado de coisas. É só pensar nas cadeias de supermercados que multiplicaram as vendas, monopolizam a venda de produtos não alimentares e multiplicaram preços das frutas e legumes a sabonetes e cosméticos de que desapareceram os modelos mais baratos.
Em segundo lugar, porque a economia não se resume a cotações de bolsa. Há os vendedores de rua e de mercado, os donos de restaurantes, bares e pequenos estabelecimentos, há mesmo o pedinte nas zonas outrora frequentadas que correm o risco de destituição e de pobreza, que, citando mais uma vez Constantino Sakellarides, mata tanto como vírus e bactérias.
Em terceiro lugar, porque mesmo entre nós os apoios de compensação pela prisão domiciliária são mais ou menos fictícios, e basta pensar num país com mais de 1300 milhões de habitantes como a Índia em que a maioria da população vive da economia informal e que qualquer apoio generalizado não é possível, para pensarmos na brutal mortandade que a quarentena universal provoca.
Mas mesmo sem sair do estrito campo de saúde, alguém se arrisca a dizer que o prejuízo sanitário da prisão domiciliária para a saúde mental ou para todas as doenças oriundas do sedentarismo é menor que o potencial prejuízo de um modelo racional e científico de abordagem da pandemia?
E o último ponto desta aproximação tem a ver com a sazonalidade da propagação do vírus, que segue o padrão de todos os seus congéneres, algo que de tão evidente é dado como ponto assente nas intervenções da generalidade da comunidade científica e que nem precisa de muito debate, mas que tem sido confirmado por estudos robustos sobre o assunto, como por exemplo este datado de 9 de Março.
Esta questão é essencial porque nos aponta para que a epidemia flutue geograficamente e possa voltar de acordo com as condições climatéricas arrastando-se pelo menos durante dezoito meses e porque torna ainda mais absurda a imposição do modelo de quarentena generalizado em países de clima tropical na estação quente e húmida.
Foi por isso com incredulidade que vi no dia 25 de Março, o Centro Europeu para o Controlo e Prevenção das Doenças a negar esta evidência ignorando toda a vastíssima evidência científica sobre o assunto e baseando-se num único estudo de 12 de Fevereiro que com base em dados de Singapura e de uma única província do Sul da China pretende que ‘não existem provas’ de que assim seja. Trata-se de um gravíssimo acto de desonestidade intelectual.
A evolução geográfica e climatérica da pandemia vai naturalmente depender também da eficácia das medidas tomadas para a combater e da imunidade de grupo que, tal como na maior parte das pandemias anteriores, foi a única forma como ela foi ultrapassada, mas este cenário de um período de dezoito meses aparece como o mais provável.
Será que os nossos dirigentes políticos já pensaram no que quererá dizer a prisão domiciliária de quase todo o mundo por dezoito meses?
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