O Decreto-Lei 10-G/2020 permite as empresas despedir milhares de trabalhadores, a necessidade de reorganizar a economia de um modo diferente e de voltar ao trabalho, mas com segurança, pois a economia não aguenta muitos meses esta situação como a DGS prevê que seja necessário para debelar a epidemia
Neste estudo analiso o Decreto-Lei 10-G/2020, a lei do “lay-off” fácil e rápido mostrando que, contrariamente ao que muitos nos media afirmam, ela permite às entidades patronais despedir milhares e milhares de trabalhadores. Uma lição desta crise é a necessidade de reorganizar a nossa economia de uma forma diferente para a tornar menos dependente e vulnerável é um tema que analiso também neste estudo.
Embora pareça uma heresia falar neste momento da economia, analiso também a necessidade do regresso ao trabalho, mas de uma forma segura, para pôr a economia gradualmente a funcionar pois, caso contrário, o país enfrentará uma recessão prolongada ou mesmo uma depressão profunda o que causaria enormes sacrifícios à população trabalhadora.
Espero que este estudo possa ser útil para a reflexão e debate sobre a atual crise. Numa altura em que se pede cada vez mais ao Estado, não fugi às questões difíceis, sensíveis e mesmo polémicas porque penso que é meu dever como economista.
Estudo
O Decreto-Lei 10-G/2020 permite as empresas despedir milhares de trabalhadores, a necessidade de reorganizar a economia de um modo diferente e de voltar ao trabalho, mas com segurança, pois a economia não aguenta muitos meses esta situação como a DGS prevê que seja necessário para debelar a epidemia
Embora sendo quase uma heresia neste momento, é importante falar, serena e objetivamente, da situação da economia, enquanto tudo se faz, e bem, para enfrentar a grave crise de saúde publica causada pelo “coronavírus”. Isto porque se economia entrar numa recessão prolongada ou mesmo numa depressão profunda, os sofrimentos para os portugueses serão ainda maiores que os da crise de 2008. Mas antes analisemos a nova lei “lay-off” rápido e fácil que vai permitir milhares de despedimentos
Contrariamente ao que aconteceu em Espanha onde o governo proibiu os despedimentos durante o período da crise de saúde púbica causada pelo “coronavírus” (o despedimento resultante COVID-19 é considerado automaticamente despedimento injustificado), em Portugal o governo, cedendo às pressões dos patrões, aprovou uma lei que permite às empresas despedirem os trabalhadores que queiram ficando dependente do arbítrio dos patrões a seleção dos que serão despedidos.
O Decreto-Lei 10-G/2020, ou Lei “Lay-off” fácil e rápido, permite aos patrõess despedir centenas de milhares de trabalhadores
O Decreto-Lei 10-G/2020, aprovado pelo governo e promulgado pelo presidente da República por pressão dos patrões e suas associações, permite às empresas, se quiserem, despedir os trabalhadores com contratos a termo (a prazo), os trabalhadores a “recibos verde” e mesmo trabalhadores com contratos de trabalho por tempo indeterminado. E podem despedir mesmo nas situações em que a entidade patronal esteja a receber apoios do Estado para não despedir.
E isto porque, de acordo com este decreto-lei, devido à redução significativa da atividade ou do fecho temporário causado pelo “coronavírus” o empregador pode optar pelo “lay-off”, ou seja, suspender os contratos de trabalho dos empregados da sua empresa. Mas esta suspensão pode não abranger a totalidade dos trabalhadores pois, segundo o nº2 do artº 4º, compete ao empregador elaborar a “listagem dos trabalhadores abrangidos e respetivo número de segurança social”, portanto a lei não obriga que a totalidade dos trabalhadores da empresa entrem em “lay -off” nem estabelece critérios. É dada à entidade patronal o direito de selecionar os trabalhadores que quer manter, e os trabalhadores que quer despedir.
E isto é reforçado pelo artº 13 do mesmo decreto-lei (proibição de despedimentos) que dispõe o seguinte: “Durante o período das medidas de apoio previstas no presente decreto-lei, bem como nos 60 dias seguintes, o empregador não pode fazer cessar contratos de trabalho de trabalhadores abrangidos” pelo lay-off, ou seja, constantes da lista elaborada pela entidade patronal, e só estes é que ele não pode despedir para obter as ajudas do Estado. E apenas “durante o período de aplicação das medidas de apoio previstas no decreto-lei, bem como nos 60 dias seguintes” (artº13º) Os que não constarem da lista elaborada pelo empregador podem ser despedidos com a justificação, por ex. de “extinção do posto de trabalho”.
É previsível que os patrões aproveitem a lei para reduzir o numero de trabalhadores, e assim custos atuais e os futuros, tendo em conta a forte recessão económica que se seguirá após a crise de saúde publica causada pelo “coronavírus” prevista por todos os economistas embora com dimensões diferentes (queda do PIB entre 5,7% segundo o Banco de Portugal e 20% de acordo com mais pessimista dos economistas da Universidade Católica). E isto até porque reduz as despesas imediatas que teria de suportar se colocasse todos os trabalhadores em “lay-off”.
Efetivamente de acordo com o nº1 do artº 343 do Código de Trabalho, que se aplica, <os trabalhadores colocados em “lay-off”, estes têm direito “a receber apenas o “equivalente a dois terços da sua retribuição normal ilíquida”, portanto sofrem uma redução imediata de um terço na sua remuneração bruta. E os dois terços são pagos 30% pelo empregador e 70% pela Segurança Social. Portanto a entidade patronal tem todo o interesse em reduzir o número de trabalhadores em “lay-off” para reduzir o pagamento daqueles 30%. E o decreto-lei 10-G/2020 aprovado pelo governo deixa a entidade patronal de mãos livres para o poder fazer os despedimentos que pretende.
Portanto, correm sério risco de despedimento os trabalhadores com contrato a termo (a prazo) cujo número no fim de 2019 era de 706.600, bem como os com “recibo verde” que, na mesma data, eram cerca de 124.800 segundo dados do INE. A estes ainda se podem juntar muitos com contrato por tempo indeterminado (todos aqueles que a entidade patronal tem interesse em despedir ou para pagar salários mais baixos contratando outros no futuro de acordo com a recuperação da economia, ou com maior escolaridade), ou seja, todos aqueles que intencionalmente não incluiu na listagem para “lay-off”.
O Decreto-Lei 10-G/2020, concede uma série de apoios às empresas mesmo que despeçam trabalhadores utilizando o expediente de não os incluir na lista para “lay-off”. Segundo a alínea d) do nº1 do artº 4º do mesmo decreto-lei as empresas gozam de uma “isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora” dos trabalhadores abrangidos, ou seja, constantes da referida lista . E quando retomarem a atividade, segundo o artº 10º do mesmo decreto-lei, “os empregadores (mas não os trabalhadores), têm direito a um incentivo financeiro extraordinário para apoio à retoma de atividade da empresa, a conceder pelo IEFP, pago de uma só e com o valor de uma RMMG (635€) por trabalhador”. Para além disso, ainda podem utilizar linhas de credito de apoio à liquidez garantidas em 90% pelo Estado.
A colocação de trabalhadores na situação de “lay-off” (suspensão do contrato de trabalho ou redução do período normal de trabalho) pela entidade patronal é extremamente rápida e fácil de acordo com o artº 3º do Decreto-Lei nº 10-G/2020. Basta enviar para a Segurança Social a listagem de trabalhadores que a empresa pretende colocar em “lay-off” acompanhada de “uma declaração do empregador conjuntamente com certidão do contabilista certificado que ateste a paragem total ou parcial da atividade da empresa ou a quebra abrupta e acentuada de pelo menos 40% da faturação num período de 30 dias…” e preencher um formulário que está disponível no “site” da Segurança Social.
E, quanto muito, poderão ser fiscalizadas “a posteriori” (nº2 do artº 3º). Portanto, a aceitação do “lay-off” é imediato com a entrega da declaração da entidade patronal e da certidão do contabilista. A única obrigação que tem a entidade patronal em relação aos trabalhadores, é comunicar por escrito aos trabalhadores abrangidos a respetiva decisão, indicando a duração previsível, ouvindo os delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam” (artº4º nº2) mas estas não têm qualquer poder para se opor à decisão patronal. No entanto, é importante que estas e os respetivos sindicatos bem como os próprios trabalhadores denunciem, pois caso contrário poderemos assistir a milhares e milhares de despedimentos selvagens.
A necessidade urgente de reorganizar de uma forma diferente toda a nossa economia para a tornar menos dependente e menos vulnerável
Eis uma lição da crise
Nos dois estudos anteriores que publicamos (Quais as consequências do COVID-19 na economia portuguesa? e Medidas do Governo não evitam catástrofe para precários e trabalhadores) analisamos, com base em dados oficiais, as fragilidades da nossa economia e do Estado que dificultam e enfraquecem muito o combate a esta crise: Destacamos de uma forma sintética o seguinte, pois é importante ter presente, na reflexão e no debate de “Como reorganizar a nossa economia para sair desta crise e enfrentar as crises futuras”:
- Uma economia extremamente dependente do exterior (entre 2008 e 2019, a percentagem que a soma das importações mais exportações representam em relação ao valor do PIB aumentou de 68,2% para 82,8%, e a vulnerabilidade é ainda maior, se tiver presente que, em 2019, 31,8% das exportações portuguesas foram serviços, e a grande maioria é constituída por receitas do turismo que enfrenta uma profunda crise). Tal dependência, está a ter graves consequências para o nosso país devido à quebra nas exportações causada pelo “coronavírus” nos países compradores de bens a Portugal, e também a nível de importações dificultando a obtenção de abastecimentos e de matérias primas, incluindo peças, o que está a paralisar muitas empresas. Tudo isto acontece porque o nosso “modelo de desenvolvimento”, impulsionado pelos sucessivos governos, assentou fundamentalmente nas exportações/importações e no desprezo pela produção nacional;
- Um crescimento económico baseado num modelo trabalho intensivo e de redução do investimento (entre 2012/2018, a Formação Bruta de Capital Fixo, ou seja o investimento, foi inferior ao Consumo de Capital Fixo, ou seja, ao desinvestimento causado pelo uso ou pela obsolescência) em 19.208 milhões €. No período 2015-2018, com o governo Costa/Centeno o saldo foi também negativo em 6.989 milhões € motivado essencialmente pela quebra do investimento público). Tal facto determinou que, entre 2012 e 2019, o “Stock de capital liquido por trabalhador” tenha diminuído na economia portuguesa de 122.000€ para apenas 110.000€ (-9,9%), o que teve como consequência que a produtividade aparente do trabalho> (PIB a preços constantes a dividir pelo numero de trabalhadores) tenha-se reduzido de 48.380€/ano para 47.039€/ano no mesmo período;
- Um forte endividamento do Estado (entre 2011 e 2019, a divida das Administrações Públicas aumentou de 214.178 milhões € para 310.114 milhões €, e a divida na ótica de Maastritch tenha passado, no mesmo período, de 138.111 milhões € para 249.740 milhões €, tendo aumentado com os governos Costa/Centeno em 32.793 milhões €), o que torna muito mais difícil o combate à crise de saúde publica causada pelo “coronavírus” e também muito mais difícil depois a retoma da economia por falta de recursos do Estado, a não ser que recorra maciçamente a empréstimos o que determinará que Portugal ficará totalmente dependente dos mercados financeiros, ou seja, dos grandes grupos financeiros, devido também à falta de solidariedade que existe na U.E. já que os países mais ricos recusam os “coronabonds”, empréstimos, por ex. a 30 anos com taxas de juro próximas de zero para não estrangular os países que enfrentam graves dificuldades. Tudo isto e o sofrimento enorme que causará aos portugueses, muito maior do que o da crise de 2008/2015, deve obrigar a reflexão sobre a situação da economia e do Estado, visando a reorganização da economia, tornando o país menos dependente do exterior e das “ajudas” da U.E., investindo fortemente na saúde, na educação e na modernização do aparelho produtivo nacional, e na produção nacional tornando o pais menos dependente do exterior. É urgente substituir o atual modelo de trabalho intensivo, de baixos salários e baixa produtividade, por um modelo de capital, conhecimento e inovação intensivo visando o aumento da produtividade e melhores salários. É urgente substituir o modelo atual baseado fundamentalmente nas exportações, que tornou o pais dependente e vulnerável a crises como a atual, crises essas cada vez mais frequentes, por um modelo de desenvolvimento baseado no aumento e valorização da produção nacional, sendo as exportações um complemento desta, e não o inverso como atualmente sucede, o que dificulta a recuperação económica e a melhoria das condições de vida dos portugueses.
É urgente retomar o trabalho, mas de forma segura, pois a economia não aguenta muitos meses esta situação como prevê a DGS que seja necessário para debelar a epidemia, caso contrário os sacrifícios serão enormes para os portugueses
Embora correndo o risco de ser acusado de neoliberal e de não me importar com as pessoas, é preciso ter a coragem dizer (é a realidade), que cada semana e mês que passem, em que a maioria do país está parado e em casa, mais se afunda a economia e o Estado. É preciso falar aos portugueses com verdade. É esse o dever e a obrigação, a meu ver, dos economistas, obrigando a um reflexão nacional para encontrar uma via para sair da atual situação, defender a saúde e a vida dos portugueses, mas também evitar o colapso da economia pois, caso contrário, os sofrimentos humanos serão enormes e prolongados, pois uma percentagem importante da população trabalhadora perderá o emprego e, consequentemente, a única fonte de rendimentos para viver, e o Estado ficará estrangulado.
Para evitar falsas acusações, quero já dizer que não defendo o regresso ao trabalho sem segurança para as pessoas e de qualquer forma. Mas antes interessa relembrar o frágil tecido empresarial do país.
Segundo o INE, o tecido empresarial português é constituído, maioritariamente, por micro e pequenas empresas (em média, 2 trabalhadores por empresa, com salários entre 735€ e 994€), cujo número era 1.287.076 de empresas em 2018, dando emprego a 2.613.811 pessoas sendo 1.652.378 trabalhadores remunerados. Muitas destas empresas já fecharam e milhares desaparecerão se a economia se mantiver parada durante muito tempo como prevê a DGS que seja necessário para debelar a epidemia
Por outro lado, é preciso também dizer que o Estado não tem possibilidades de suportar, durante muitos meses, quase um ano como prevê a DGS que seja necessário para debelar o “coronavírus”, pagar subsídios às empresas e às pessoas, pagar uma parte das próprias remunerações do setor privado para garantir os rendimentos das famílias, conceder múltiplos apoios financeiros que os diversos setores não se cansam de pedir, e ao mesmo tempo as receitas fiscais do Estado, que é a sua fonte de financiamento, caiem abruta e significativamente devido à queda acentuada da atividade económica, ao perdão ou adiamento de cobrança de impostos e contribuições.
“Só nas medidas de apoio às famílias (240 milhões € às 750.000 famílias com crianças até aos 12 anos) e de manutenção dos postos de trabalho que aprovámos, nós temos um impacto previsível de cerca de dois mil milhões de euros por mês”, disse Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho. Portanto, é urgente preparar as condições para que o regresso ao trabalho se faça de forma gradual mas segura para os trabalhadores.
Em países como a Inglaterra e Espanha, os governos, para além dos testes moleculares que são os únicos que se fazem ainda em numero insuficiente em Portugal para identificar as pessoas com coronavírus, para os tratar e isolar, já começaram a fazer também testes de anticorpos, que têm como objetivo identificar aqueles que, devido a terem já tido “coronavírus” benigno ficaram imunes (na Islândia estes testes feitos a toda a população concluíram que 50% da população tinha sido infetada e curada sem se aperceber, permitindo também obter taxas de mortalidade mais verdadeiras) podendo regressar gradualmente e com segurança ao trabalho e por a funcionar parte da economia parada.
É importante que esses testes sejam adquiridos em países da U.E. e em Portugal com forte poder regulatório para garantir a sua fiabilidade, e evitar a multiplicação de falsos negativos que seria perigoso. E mesmo esse regresso gradual ao trabalho devia ser feito de uma forma planeada, por ex., com horários de entrada e saída diferenciados por setores para evitar grandes juntamentos nos transportes públicos, e nas empresas criando equipas rotativas (umas trabalhando numa semana, outros em outra) para reduzir os riscos. E os testes moleculares para identificar pessoas infetadas com coronavírus deviam-se multiplicar para segurança desses portugueses e dos restantes.
Este debate – como e quando regressar ao trabalho– é necessário que se comece já a fazer e a preparar a sua implementação, pois leva tempo, a não ser que se queira, repito, pôr o país à mercê dos grandes fundos financeiros predadores, já que os países ricos da U.E., cuja riqueza tem sido obtida também à custa dos outros países, como é a Holanda, que funciona como um paraíso fiscal, para onde as grandes empresas a operar em Portugal vão para não pagar impostos no nosso país, recusam os “coronabonds”, numa prova clara da falta de solidariedade que existe a nível europeu.
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