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Sábado, Novembro 16, 2024

Covid-19: Os ovos da serpente | O ninho nacional

Teresa Gago
Teresa Gago
Médica dentista; desempenhou diversos cargos autárquicos, incluindo o de vereação em Cascais entre 2013-2017. Dirigente Associativa do Movimento Não Apaguem a Memória e membro da Plataforma Cascais-movimento cívico. Militante do PS.

O mundo está sob um surto pandémico. Mais que nunca comparam-se os sistemas de saúde, as medidas políticas de resposta à crise e as características sócio-económico-demográficas das nações.

Não há nenhum caminho tranquilizador à nossa espera.
Se o queremos, teremos de construí-lo com as nossas mãos.

José Saramago, 2004

 

O mundo está sob um surto pandémico. Mais que nunca comparam-se os sistemas de saúde, as medidas políticas de resposta à crise e as características sócio-económico-demográficas das nações. Se os povos procuram um conforto securizante nas ciências da saúde, alguns protagonistas mediáticos e agentes do sistema económico-financeiro acicatam prenúncios de (mais) uma crise sanitária, económica e social enquanto, ao correr da pena, vão insinuando críticas à actuação política.

Neste momento, em que a todos incumbe enfrentar o sentimento de fragilidade individual e social, assistem-se a demonstrações de genuína solidariedade humana, mas também a perigosos protagonismos que arvorando-se numa ‘pseudo-neutralidade’ incitam à fragmentação e à desconfiança. Sendo que a História já demonstrou que as épocas de maior vulnerabilidade económico-social são propícias à predação financeira, não é despiciendo lembrar que intervenções onde nidificam ovos de serpente encontram terreno fértil nestas ocasiões.

As seguintes notícias exemplificam o comportamento insensível das “regras de mercado” e as intervenções (ingénuas?) de agentes (técnico-)políticos cuja visibilidade e importância social exigiriam maior sentido de responsabilidade pública.

O mercado

COVID-19 não se combate com ideologia, nem faz aceção de cor ou credo

Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, 02/03/2020

Laboratórios privados cobram até 200 euros por teste ao coronavírus

Público, 05.03.20

Hospital Privado de Alfena encerra urgências

Jornal Novo Regional, 17.03.20

Meio litro de gel desinfectante chega aos 24,95 euros e há máscaras a 10 euros

Publico, 20.03.20

Testes ao coronavírus rendem 2,6 milhões diariamente aos privados

Sábado, 23.03.20

Privados querem saber se ADSE paga tratamentos da Covid-19

JN, 23.03.20

SAMS encerra hospital, despede funcionários durante um mês mas garante vínculos laborais

DN, 23.03.20

Covid-19. CIP faltou à reunião de líderes com autoridades de saúde – sindicatos saíram preocupados

Expresso, 24.03.20

Hospitais privados prontos para receber doentes com Covid-19 do SNS: O preço de cada doente ainda não está definido (…) andará à volta dos 2 mil e 500 euros nos internamentos de doentes menos graves e que pode chegar aos 10 mil euros nos doentes internados em cuidados intensivos

SIC Notícias, 25.03.20

Hospitais privados pedem ao Estado ‘pagamento imediato’ de dívidas: Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e Ministério da Saúde não se entendem quanto aos valores em dívida

Público, 26.03.20

ERS pede para não se cobrarem a utentes valores adicionais

Notícias ao Minuto, 01.04.20

Preços inflacionados em 400%. ASAE abriu nove processos crime por especulação de preços de álcool, luvas e máscaras

JEconómico, 01.04.20

Sindicato acusa Trofa Saúde de fecho ilegal de hospital em Famalicão

Notícias ao Minuto, 01.04.20

Leilão em plena crise. Máscaras cirúrgicas rendem (bom) dinheiro: Numa altura em que tanta falta fazem nos hospitais, a leiloeira Oportunity vendeu 250 máscaras cirúrgicas por cerca de 800 euros. ASAE garantiu que nada impedia o leilão

TSF, 02.04.20

 

As intervenções banais e confrangedoramente tendenciosas como: “os vírus não se combatem com ideologia” tornam-se transparentes quando se atenta ao comportamento do(s) mercado(s)…

… e dos seus poedeiros:

A ideia de transformar uma crise sanitária numa crise económica – seguindo o protocolo da Organização Mundial de Saúde – é um erro, implementado pelo Governo socialista, que não percebeu que Portugal não tinha as circunstâncias que permitiam (capacidade financeira) e sequer justificavam (mesmo nível da gravidade sanitária) o encerramento da economia.

Rui Teixeira Santos in Sol, 04.04.2020

O técnico e o político

COVID-19: Ex-ministro do PS discorda da gestão da crise que o Governo está a fazer

Sapo, 12.03.20

Covid-19: “Fiquei com a sensação que em Portugal só se tomam medidas à segunda-feira”

Paulo Portas, 15/03/20

Covid-19: Associação de Municípios Portugueses quer que tutela clarifique se desviou ventiladores oferecidos pela Galp

Lusa, 21.03.20

Carlos Carreiras repreende Diretora Geral da Saúde, Graça Freitas

Portal de Cascais, 25.03.20

Coronavirus: Ordem dos Médicos quer revisão de orientação da DGS e compra de mais testes

Público, 24.03.20

“O Governo não estava a ouvir os especialistas (…) a honestidade passa a ser bem mais importante que até aqui porque os especialistas esses não tem duvidas nenhumas em falar verdade, não têm medo dos efeitos políticos, só estão preocupados com a realidade.”

José Miguel Júdice, SIC, 26.03.20

Bronca. Jornalista da RTP manda calar diretora-geral da Saúde, Graça Freitas

Flash, 30/03/20

Cerco sanitário ao Porto? Câmara deixa de reconhecer autoridade à DGS

TSF, 30.03.20

Grito de revolta: correspondente da RTP em Madrid, Daniela Santiago, arrasa portugueses

Flash, 31/03/20

“Não há máscaras suficientes e, por isso, arranjou-se uma desculpa, dizendo que não são eficazes”

DN, 03.04.20

Ordens continuam a duvidar dos números de médicos e enfermeiros infetados e vão fazer o próprio levantamento

Observador 03.04.20

Ordem dos Médicos defende que máscaras devem ser usadas por todos

DN, 06.04.20

Covid-19: Presidente da Câmara de Braga critica “enormíssima insuficiência” de testes

RR, 06.04.20

 

Na hora difícil que vivemos seria do mais elementar bom senso rejeitar todo o oportunismo calculista que fomenta o alarme social, incita ao temor e à desconfiança, enquanto prenuncia uma catástrofe de saúde. Neste momento exigir o impossível não promove a superação – pelo contrário. Agora, exigir o impossível é, objetivamente, promover o pânico e contribuir para agravar uma tempestade económico-social.

Esgravatar todas as dificuldades, todas as polémicas e potenciar qualquer atribulação para que possam ser apontados dedos acusatórios é o afã presente dos entusiastas do neoliberalismo. Segundo o seu dogma ideológico o Estado tem que falhar.

 

In memoriam

E os ídolos do tempo, o tempo os apodrece
Quem vive p’ró futuro não cansa e nunca esquece.”

Pedro Barroso (Cantos de Oxalá, 1996)

 


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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