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Domingo, Novembro 24, 2024

Tico e Teco

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Os esquilos Tico e Teco vivem na mata da Quinta das Dornas. Nasceram no verão passado na mesma ninhada e juntos aprenderam a saltitar de ramo em ramo de árvore com a maior habilidade. Partilham o ninho, pois o inverno foi frio e assim ficam mais quentinhos.

Como todos os seu iguais, têm uma belíssima cauda vermelha emplumada que até ao pavão Picuinhas faz inveja. A cauda ajuda-os a equilibrarem-se nos saltos mais arriscados e aquecem-nos durante as horas de sono regaladas que se sucedem às brincadeiras. Uma enorme vantagem para trepar às árvores, onde jogam ao esconde-esconde, são as afiadas garras das quatro patinhas que cravam firmes nos troncos desde a base até ao cocuruto mais frondoso.

O pavão Picuinhas vive no parque da quinta e muitas vezes aproxima-se da mata com o largo leque da vistosa cauda colorida aberta no seu maior esplendor, mas acaba sempre por suspeitar que as caudas do Tico e do Teco talvez lhe levam a melhor num concurso de beleza, se tal concurso um dia existir na mata! E afasta-se cabisbaixo à procura da pavoa, sua cara metade, com quem divide o jardim.

O ninho construíram-no eles, entre dois galhos que ao crescerem formaram uma bifurcação sólida. Fabricado com folhagem, musgos, ervas escolhidas e casca de um grande pinheiro ali plantado mesmo ao lado. O ninho parece uma bela taça de champanhe mas muito maior e mais bem engalanada.

Comida, aos esquilos, não falta: pinhões que retiram habilidosamente das pinhas, sementes variadas, ovos de pássaros desprevenidos,cogumelos, rebentinhos de plantas viçosas. Organizam despensas onde armazenam alimentos fartos para as horas mais magras.

Raposinhos

Para se abastecerem no mercado aberto da mata saem de manhã e ao anoitecer. Durante o dia preferem o sossego do ninho, escapando ao calor que não apreciam. O Tico e o Teco têm muito medo das raposas, especialmente da raposa Sebastiana, que anda com eles debaixo de olho neste verão, sobretudo quando ensina os seus filhotes a caçarem. Mas outro perigo surge de modo inesperado. Enquanto que a Sebastiana, ao entardecer, passeia a ninhada, ouve-se um burburinho e, alertada, a raposa, seguida da prole, esgueira-se da pequena clareira onde estava e foge para o mais denso renque de árvores.

Tico e Teco vêm aproximar-se dois pequenos juvenis humanos, ambos muito silenciosos a tentarem passar despercebidos por entre as árvores da mata. Há perigo. Nos humanos, os esquilos não fazem muita confiança e preferem não dar nas vistas. Melhor será vigiar os passos, as pernas, as mãos e os olhares dos juvenis que lhes estão a invadir a propriedade. Lá do alto do ninho, com as garras dos dedos apoiadas na borda do segura, observam os invasores e apercebem-se sem dificuldade que estes trazem na mãos umas caixas parecidas com ninhos mas onde intentam meter pequenos animais selvagens que lhes caiam à mão de semear.

Tico e Teco resolvem armadilhar o seu território. Num buraco do tronco do carvalho vizinho estão armazenadas castanhas e bolotas misturadas com pedrinhas coloridas que alguns pássaros gostam de apanhar por aqui e por ali pois brilham e enfeitam a mata.

Bolotas

Fazem sinais que só eles conhecem a outros dos seus irmãos, primos, tios e avós que se aproximam, sorrateiros, do alto do ninho onde se escondem e observam. Instruem as tropas que se vão alistando para esta guerra aos humanos juvenis,pois estes chegaram com intenções que lhes não agradam nada.

Preparam a metralha. Castanhas, bolotas, pedrinhas e mais eficazes do que tudo, agarram os ouriços onde nasceram as castanhas gorduchas e vai desta:

Ao comando dos agora aguerridos Tico e Teco, e ao som emitido pela frequência sonora que lhes foi distribuída pela natureza prudente, toda a família convocada dispara, sobre os juvenis humanos lá em baixo emboscados, uma saraivada de projeteis que os assustam, os picam, os magoam ao de leve, mas sobretudo lhes rouba toda a vontade de investir contra a bicharada que se preparavam para aprisionar nas gaiolas que tinham trazido nesta manhã de caça azarada. A família do Tico e do Teco conhecida na mata pelo estranho nome de Sciuridae, ao que parece um parente fundador da nobre linhagem, salta de ramo em ramo clamando vitória. Lá em baixo, duas gaiolas, ou seja, os despojos, permanecem abandonadas.

Tico e Teco


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90  | Ilustrações de Beatriz Lamas Oliveira



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