Tony Carreira foi feito Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras do governo francês. O embaixador português em França, Moraes Cabral, disse-lhe que fosse receber a medalha longe, que na nossa embaixada não se podem entregar prémios de carreira dados por países estrangeiros. Tony tinha pedido a Moraes que o deixasse ali receber o galardão, uma vez que o queria depois dar ao seu país de origem. “Sopa”, retorquiu o Moraes.
Está tudo bem. Moraes Cabral não percebe nada de música, pois tomou como bom o “Sonho de Menino” em vez de ir ouvir o Les Eaux de Mars que o enorme Tony canta com Helene Segara. Ou ignora absolutamente que Carreira é o detentor da mais alta e fabulosa salva de palmas que algum artista recebeu, desde que se contam estas coisas.
Moraes Cabral é um embaixador de carreira e um homem testado pelo tempo, pela sabedoria e pelo seu venerando curriculum. Não precisava de fechar as portas de Portugal a um português. É que apesar do belíssimo texto do João Villalobos, não basta apenas ser-se diplomático com o diplomata. Moraes Cabral não detém o comando das portas do país, muito menos quando está em causa o intérprete português com mais provas dadas junto do público – principalmente daquele que vive em França, país onde Moraes Cabral é, aparentemente insensível, embaixador.
Se compraríamos Tony? Pois, se calhar não. Mas o gosto pessoal não pode interpor-se entre um criativo e um país – ou dois, no caso.
Estamos na mesma, com os tiques do Eça e a incompreensão dos pseudo-intelectuais. Há anos que andamos na boca com o credo dos geniais portugueses lá fora: ai tão trabalhadores, ai tão impecáveis, ai tão honestos e lutadores. Quando os países de acolhimento concordam, que fazemos nós? Fazemos, ao que parece, isto: “Ai sim? Gostam desse povo honrado e trabalhador? Então fiquem com eles que nós, cambada de preguiçosos, o que queremos mesmo é estar longe do sucesso e do trabalho”.
Moraes Cabral, que espero não pense assim, que venha pedir desculpa e faça favor de pegar no dinheiro dos faqueiros que aí andam e apoie um espectáculo no Bataclan, onde demonstre que a música portuguesa é universal, ecuménica, mundial.
Abra com o fado batido, da origem africana, misture o cante e o canto árabe e acabe com um palco de Samuel Úria e o B Fachada, Tony Carreira e os franceses cantautores que os abraçam.
Faria melhor figura, em vez de se ter deslaçado com nojo do pimba, do romântico, do popular. Porque já não vai a tempo de espetar com o crachá a Graciano Saga, que cantou isto durante os tempos de crise e morreu, à Bowie, logo a seguir ao lançamento.
De estrangeirados e de iluminados já bastam os que cá andam a dizer uma palavra em inglês a cada cinco que lhes saem da boca.
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