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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

1º de Maio: a luta dos trabalhadores para mudar o mundo na voz de Chico Buarque

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Pela primeira vez a seleção de músicas é de um único autor. Para homenagear o Dia do Trabalhador – 1º de Maio – a presença de Chico Buarque em todas as canções escolhidas, solo ou em parceria

Pela primeira vez a seleção de músicas é de um único autor. Para homenagear o Dia do Trabalhador – 1º de Maio – a presença de Chico Buarque em todas as canções escolhidas, solo ou em parceria, com a vontade expressa do autor carioca em ajudar com sua arte a tornar o mundo um lugar bom de se viver para todas as pessoas, sem nenhuma distinção ou preconceito.

Primeiro de Maio

As seis músicas apresentadas mostram a cara do e a alma do Brasil. Encabeça a lista “Primeiro de Maio”, em parceria com Milton Nascimento, lançada em 1976, no disco Geraes, do compositor de Minas Gerais.

Chico e Milton cantam a esperança de os trabalhadores tomarem em suas mãos os meios de produção e mudar o modo de produção. O mundo novo é da classe trabalhadora e por ela será construído.

Primeiro de Maio, de Chico Buarque e Milton Nascimento

Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã

 

A Voz do Dono e o Dono da Voz

Felizes são os grandes artistas que transformam em arte os seus dissabores. Na canção “A Voz do Dono e o Dono da Voz”, de 1982, Chico Buarque conta o drama de ter mudado de gravadora e descobrir que a sua nova gravadora foi comprada pela anterior.

Mas como em toda grande obra, o autor transforma uma dor sua em denúncia de como funciona o capitalismo, onde o “a voz do dono” tenta a todo custo controlar o “dono da voz”. Como o capital explora o trabalho até às últimas consequências, sem dar valor à vida.

A Voz do Dono e o Dono da Voz (1982), de Chico Buarque

Até quem sabe a voz do dono
Gostava do dono da voz
Casal igual a nós, de entrega e de abandono
De guerra e paz, contras e prós
Fizeram bodas de acetato – de fato
Assim como os nossos avós
O dono prensa a voz,
A voz resulta um prato
Que gira para todos nós
O dono andava com outras doses
A voz era de um dono só
Deus deu ao dono os dentes
Deus deu ao dono as nozes
Às vozes Deus só deu seu dó
Porém, a voz ficou cansada após
Cem anos fazendo a santa
Sonhou se desatar de tantos nós
Nas cordas de outra garganta
A louca escorregava nos lençóis
Chegou a sonhar amantes
E, rouca, regalar os seus bemóis
Em troca de alguns brilhantes
Enfim a voz firmou contrato
E foi morar com novo algoz
Queria se prensar,
Queria ser um prato
Girar e se esquecer, veloz
Foi revelada na assembléia – atéia
Aquela situação atroz
A voz foi infiel, trocando de traquéia
E o dono foi perdendo a voz
E o dono foi perdendo a linha – que tinha
E foi perdendo a luz e além
E disse: “Minha voz, se vós não sereis minha
Vós não sereis de mais ninguém”
(O que é bom para o dono é bom para a voz
O que é bom para o dono é bom para vós
O que é bom para o dono é bom para nós)

 

 

O Cio da Terra

Lançada também no álbum Geraes, de Milton Nascimento, de 1976, “O Cio da Terra”, de Chico e Milton, se transformou num verdadeiro hino da reforma agrária. Gravada pelos dois num compacto de 1977 com o outro lado do disco contendo a outra obra prima “Primeiro de Maio”.

“Conhecer os desejos da terra” para “fecundar o chão” do futuro e “se fartar de pão” num mundo sem fome e desigualdade.

O Cio da Terra (1976), de Chico Buarque e Milton Nascimento; Milton canta com Pena Branca e Xavantinho

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão

 

 

Assentamento

Ao homenagear o grande escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967), Chico homenageia também o Movimento dos Sem Terra (MST) e canta a vontade das trabalhadoras e trabalhadores do campo em superar suas mazelas e transformar o país numa grande terra de produção de alimentos saudáveis para alimentar a todas e todos.

“Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra”

Assentamento (1998), de Chico Buarque

Quando eu morrer, que me enterrem na
beira do chapadão
— contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Tôo
(apud Guimarães Rosa)
Zanza daqui
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora
Ver o capim
Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora

 

 

Construção

Em “Construção”, de 1971, Chico Buarque canta a vida dos trabalhadores urbanos. Aqui todos os versos terminam com proparoxítonas, as palavras mais raras da língua portuguesa, para mostrar a riqueza dos sentimentos, das dores, dos amores e da vida de quem produz a riqueza e vive à deriva, na pobreza.

“Construção” é a vontade de transformar em magia o mundo construído para valorizar o ser humano.

Construção (1971), de Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

 

 

As Caravanas

Em seu álbum mais recente Caravanas, de 2017, a canção que dá nome ao disco “As Caravanas” conta a história do conservadorismo intrínseco da sociedade brasileira, da colônia até hoje, onde a escravidão é o traço marcante e que precisa ser superado para o país andar para a frente sem rancores.

As Caravanas (2017), Chico Buarque

É um dia de real grandeza, tudo azul
Um mar turquesa a la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o comboio da Penha
Não há barreira que retenha esses estranhos
Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
A caminho do Jardim de Alá
É o bicho, é o buchicho, é a charanga
Diz que malocam seus facões e adagas
Em sungas estufadas e calções disformes
É, diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré
Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné
Sol
A culpa deve ser do sol que bate na moleira
O sol que estoura as veias
O suor que embaça os olhos e a razão
E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar
Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana do Arará
Não há, não há
Sol
A culpa deve ser do sol que bate na moleira
O sol que estoura as veias
O suor que embaça os olhos e a razão
E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar
Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana
Nem caravana
Nem caravana do Arará

 

 

Final

Pela primeira vez o Dia do Trabalhador tem manifestação virtual com a unidade das principais centrais sindicais do país e lideranças políticas de todos os matizes contra um presidente totalmente insano em meio a uma pandemia que ceifa vidas e Jair Bolsonaro não cessa de defender intransigentemente o interesse dos muito ricos. Por isso, a palavra de ordem é Fora Bolsonaro, antes que o Brasil acabe.

 


Texto em português do Brasil


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