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Sábado, Novembro 2, 2024

Para lá da pandemia

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A convite do Instituto Asiático para a Diplomacia e as Relações Internacionais, baseado em Kathmandu (Nepal), participei no passado dia 15 numa mesa redonda com diplomatas e académicos da região sobre as opções políticas para fazer face ao impacto económico da pandemia. Deixo aqui as minhas principais reflexões na matéria.

  1. Um impacto mais psicológico do que viral

Como nos diz o historiador francês da saúde Olivier Faure, o impacto da presente pandemia tem sido mais psicológico do que viral: durante o período de dois meses de seu maior impacto na França, a actual pandemia causou uma mortalidade menor do que a epidemia de gripe de 1968, sem alarme social comparável. Quanto à velocidade e âmbito de propagação, não há nada de especialmente diferente na actual pandemia em relação a várias das suas percursoras.

Em Portugal, equipas de investigação médica em Lisboa e no Porto concluíram que a mortalidade causada pelo pânico do vírus, que levou as pessoas a evitar hospitais e tratamentos médicos, causou possivelmente três a cinco vezes mais vítimas do que o próprio vírus. Os estudos apontam também para a probabilidade de a situação portuguesa não ser uma excepção. E este é apenas um de muitos danos colaterais causados pelas políticas de pânico postas em prática um pouco por todo o mundo.

As pessoas têm insistentemente apontado para a devastação económica causada pela resposta humana à pandemia, e isso alimentou a ideia de que as políticas usadas para lhe fazer face apenas tiveram custos económicos. Contudo, em termos de saúde, os seus custos foram enormes: o dano colateral à saúde causado pela reacção de pânico é maior do que o impacto do vírus e tem sido persistentemente subestimado.

  1. Uma guerra de desinformação

A segunda característica da actual pandemia é a desinformação maciça que a acompanhou. Aqui, é verdade que isso não é uma excepção na história das pandemias. A chamada “gripe espanhola” de há um século atrás foi chamada de espanhola não por ter vindo da Espanha – muito pelo contrário, a Espanha poderia ter sido um dos últimos países europeus a ser atingido pela pandemia – mas porque a Espanha, tendo sido um dos poucos países neutros na primeira Guerra Mundial, não impôs “censura de guerra” e, portanto, a imprensa espanhola falou sobre a pandemia quando tal não era possível nos países envolvidos na guerra.

A desinformação desta vez tem sido mais difundida e multifacetada. Até hoje, ainda não sabemos exactamente onde, como e através de quem se iniciou a pandemia, tendo as autoridades chinesas produzido informações contraditórias e insuficientes sobre o assunto. A ‘Organização Mundial da Saúde’ (OMS) começou por ocultar a realidade, minimizando seu impacto, para depois fazer explodir o pânico em todas as direcções. Até hoje, a OMS não revelou o resultado das suas missões de investigação sobre a origem da pandemia na China.

A desinformação maciça foi usada para criar pânico por razões geopolíticas, mas foi muito além disso. Muito do que se passou na presente pandemia seguiu o padrão de outras epidemias: afectou principalmente países temperados no final da primavera de inverno; desenvolveu-se de acordo com uma distribuição estatística normal; a sua disseminação contagiosa e taxa de mortalidade estão dentro dos parâmetros de outras passadas. No entanto, permanecem questões cruciais em aberto: a pandemia voltará uma segunda ou até mesmo uma terceira vez como aconteceu com a gripe espanhola; as sequelas desta pandemia confirmarão ser mais sérias e difundidas do que outras; porque razão alguns países tropicais foram especialmente afectados fora de tempo; devemos esperar novas pandemias desse tipo?

Além do falhanço geral das estruturas de governação mundial no fornecimento de informação e conselhos em tempo oportuno, precisas e responsáveis; além da desinformação geopolítica, divulgada principalmente pelas redes sociais, também nos deparamos com interesses comerciais usando os principais veículos da imprensa para distorcer consideravelmente a realidade.

Fez-se muita publicidade sobre uma vacina para esta pandemia. Pessoas responsáveis de primeiro plano sugeriram que os dispositivos de confinamento deveriam ser mantidos até que a vacinação esteja disponível, apesar de ser incerto se e quando essa vacina virá a ser uma realidade.

Com aparentes objectivos comerciais, houve também uma intensa campanha negativa contra a única medicação que apresenta provas de sua eficácia, num protocolo feito com substâncias conhecidas, amplamente utilizadas e testadas que estão no domínio público.

  1. A resposta ao actual colapso económico

O actual colapso económico foi o mais grave já alguma vez experimentado num espaço tão curto de tempo. A questão agora é saber por quanto tempo vai durar e quão forte será a recuperação, e isso dependerá crucialmente de confiança, visão e prioridades adequadas.

A confiança precisa de uma estrutura de governação internacional que seja vista como altamente competente, independente de interesses geopolíticos ou comerciais específicos, transparente, sujeita a um sistema de controlos e equilíbrios e com uma protecção robusta contra conflitos de interesses. Isto é particularmente importante com a OMS, mais do que com outras agências internacionais.

A confiança também precisa de uma avaliação equilibrada e informada dos desafios enfrentados pela humanidade. Temos visto o uso e o abuso de tácticas de choque pelo medo nos mais diversos aspectos do nosso quotidiano. O eminente microbiologista, epidemiologista e médico, professor Didier Raoult no seu livro de 2016 ‘Pare de ter medo’ antecipou as consequências dessas tácticas, que têm sido bastante evidentes na pandemia actual.

Os líderes responsáveis devem proscrever tácticas de inculcação de medo e devem antes realçar a importância de práticas de longo prazo para alcançar resultados, seja na saúde, no meio ambiente ou em outros assuntos.

Os instrumentos mais importantes para manter a saúde no planeta são: fornecer saneamento e educação, proteger o meio ambiente e promover uma dieta e actividade sãs e equilibradas. Essas devem ser as prioridades da OMS e de outros organismos internacionais.

Um dos muitos exemplos que podemos referir neste contexto é a poluição por micropartículas atmosféricas, que uma estimativa recente avalia ser a causa de cerca de nove milhões de mortes anuais precoces e que não encontram nenhuma atenção séria das autoridades sanitárias.

O comércio externo continua sendo um instrumento fundamental para promover o desenvolvimento e dar novas oportunidades ao mundo em desenvolvimento, mas é cada vez mais claro que deve ser considerado no contexto das prioridades humanas globais como estas que acabámos de referir. O respeito pelos animais selvagens e a pecuária em circunstâncias sanitariamente saudáveis são dois exemplos claros de condições para o desenvolvimento do comércio internacional.

Creio que só com base nestes princípios, um poderoso estímulo económico e financeiro acompanhado de um ambicioso pacote de reformas económicas como o que foi recentemente anunciado pelas autoridades indianas terá a capacidade de lançar a recuperação.


 


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