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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Qual a verdadeira dimensão do desemprego em Portugal?

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Centenas de milhares de desempregados inscritos nos centros de emprego foram eliminados dos registos sem divulgação da razão, e o INE eliminou 245.000 desempregados dos números oficiais do desemprego: Qual será a verdadeira dimensão do desemprego real em Portugal muito superior ao desemprego oficial divulgado todos os meses através da comunicação social?

Neste estudo analiso, utilizando os últimos dados oficiais disponibilizados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo INE provando que estas duas entidades oficiais eliminam centenas de milhares de desempregados nos números oficiais que divulgam através da comunicação social todos os meses, que o desemprego real tem aumentado de uma forma explosiva no nosso país devido à crise causada pelo “coronavírus”, enquanto o apoio aos desempregados tem crescido de uma forma muito lenta e insuficiente (entre fevereiro e abril de 2020 o número de desempregados a receber o subsidio de desemprego aumentou apenas em 20.105 pois passou de 177.844 para 197.949 enquanto os pedidos de subsidio de desemprego, por parte de desempregados, atingiram 101.788 neste período, sendo em 2 de junho de 2020 já 133.840).

Enquanto isto sucede com os trabalhadores desempregados o governo duplicou o subsídio pago às empresas que reiniciarem a atividade (passou de 635€ para 1270€ por trabalhador), o que significa que a Segurança Social terá de suportar 1.016 milhões € (800.000 X 1270€) para financiar as empresas, sendo 25% deste valor destinado a grandes empresas embora representem apenas 0,5% das empresas que pediram “lay-off”, e isto para além da isenção de contribuições que tinham, pois embora seja pago pelo IEFP é a Segurança Social que financia este instituto público. A descapitalização da Segurança Social para apoiar os patrões é evidente e é necessário que seja o Orçamento do Estado a suportar tais apoios.

Espero que este estudo possa ser útil para o conhecimento e o debate objetivo e fundamentado sobre a situação dos desempregados em Portugal, em que uma parte importante é escondida (desemprego oculto) nos números oficiais do desemprego em Portugal divulgados através da comunicação social todos os meses.

 


Estudo

Centenas de milhares de desempregados inscritos nos centros de emprego foram eliminados dos registos sem divulgação da razão, e o INE eliminou 245.000 desempregados dos números oficiais do desemprego: Qual será a verdadeira dimensão do desemprego real em Portugal muito superior ao desemprego oficial divulgado todos os meses através da comunicação social?

Em Portugal são divulgados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo INE dados sobre o desemprego todos diferentes e cada um deles divulga dados que utilizados em cálculos dão resultados diferentes. Este estudo revela essas diferenças e seus efeitos, e prova que o desemprego atual  é muito superior àquele que os números oficiais, divulgados pela comunicação social, revelam

O IEFP, que tem os Centros de Emprego, divulga dados sobre o desemprego registado, que abrange apenas os desempregados que se inscreveram nos Centros de Emprego (aqueles que não se inscrevem não constam destes dados, e são muitos) e mesmo nestes dados existem situações estranhas (dezenas de milhares de desempregados são eliminados todos os meses sem qualquer explicação). O INE apenas publica dados sobre os desempregados que procuraram trabalho no período em que foi realizado o inquérito, mas elimina todos os desempregados que, por qualquer motivo, não procuraram emprego no período em que foi feito o inquérito embora estejam desempregados. Por esta razão o número de desempregados reais em Portugal é muito superior aos dados oficiais do desemprego, quer sejam os do IEFP quer do INE.  É esta situação verdadeiramente dramática – não se conhece a verdadeira dimensão  do desemprego no nosso país – que neste estudo vamos analisar mostrando que a situação poderá ser muito pior do aquela que os números oficiais mostram, em que já se verifica um agravamento enorme devido à crise causada pelo “coronavírus”.

 

A evolução oficial do desemprego registado pelo IEFP e a eliminação todos os meses dos registos dos Centros de Emprego de dezenas de milhares de desempregados não sendo dada nenhuma explicação pública

O gráfico 1 mostra a evolução do desemprego registado nos Centros de Emprego entre abril de 2019 e abril de 2020, de acordo com os dados divulgados pelo IEFP.

 

Gráfico 1 – Desemprego registado nos Centros de Emprego no fim de cada mês que é divulgado pelo IEFP e pela comunicação social Fonte: Boletim Estatístico – IEFP

Entre abril de 2019 e abril de 2020, o numero de desempregados registados nos Centros de Emprego divulgados pelo IEFP e pela comunicação social aumentou de 321.240 para 392.323, tendo-se verificado um aumento de 76.671 entre fevereiro de 2020 e abril de 2020, pois passou de 315.562 para 392.323 devido fundamentalmente à crise causada pelo ”coronavírus”. Mas como iremos provar, utilizando também dados divulgados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, isso foi conseguido à custa da eliminação dos registos dos Centros de Empregos de dezenas de milhares de desempregados que se tinham inscrito nos Centros de Emprego que desapareceram sem que fosse dada qualquer explicação para essa eliminação. Observe-se o gráfico 2.

 

Gráfico 2 – Novos desempregados que inscreveram em cada mês nos Centros de Emprego, e desempregados a quem os Centros de Emprego arranjaram trabalho Fonte: Boletim Estatístico – Ministério do trabalho

Em todos os meses do período maio/2019 a abril de 2020, o número de novos desempregados que se inscreveram nos Centros de Empregos é muitas vezes superior ao número de desempregados que os Centros de Emprego arranjaram trabalho. Se somarmos o número de novos desempregados inscritos nestes meses e o número de colocações feitas pelos Centros de Emprego obtemos os seguintes totais:

  • TOTAL de novos desempregados inscritos nos Centros de emprego de maio/2019 a abril/2020: 544.226;
  • TOTAL de colocações feitas pelos Centros de Emprego no período maio/2019 a abril/2020: 79.626.
  • TOTAL de novos desempregados inscritos nos Centros de Emprego que os Centros de Emprego não arranjaram trabalho: 464.600, (diferença entre os dois totais anteriores).

No fim de abril de 2019 existiam oficialmente 321.240 desempregados inscritos nos Centros de Emprego (gráfico 1). Se a esse total somarmos os novos inscritos entre o fim de abril de 2019 e o fim de abril de 2020 – 544.226 – e se ao total obtido deduzirmos o numero de colocações, ou seja o total de desempregados a quem os Centros de Emprego arranjaram emprego – 79.626 – obtemos 781.840 que é o numero desempregados que deviam existir nos registos dos Centros de Emprego no fim de abril de 2019.

No entanto o número de desempregados que estavam inscritos nessa data divulgado pela IEFP e pela comunicação social era apenas 392.323 como também consta do gráfico 1. Portanto, 393.517, ou seja, mais de metade “desapareceram” dos registos dos Centros de Emprego sem que o Instituto de Emprego e Formação Profissional divulgasse as razões de um número tão elevado de desempregados eliminados dos registos dos Centros de Emprego.

Portanto, é-se obrigado a concluir, face a estes dados, que a realidade e a dimensão do desemprego atual em Portugal é muito mais dramática do que aquela que os dados oficiais sobre o desemprego registado revelam e que os media divulgam todos os meses.

 

Os dados do desemprego divulgados pelo INE e a eliminação dos desempregados que não procuram trabalho que eram já 245.000 em abril de 2020

Uma situação com efeitos semelhantes se verifica com os dados do desemprego divulgados pelo INE, já que são eliminados desses dados oficiais todos os desempregados que, no período do inquérito não procuram trabalho, apesar de estarem desempregados, e são muitas centenas de milhares que estão nessa situação e têm aumentado muito como iremos mostrar. Observe-se o quadro 1.

 

Quadro 1 – Desemprego oficial e desemprego real segundo o INE – quadro publicado pelo INE

DESIGNAÇÃO Valores ajustados de sazonalidade Valores não ajustados de sazonalidade
Abr 2019 Jan 2020 Fev 2020 Mar 2020 Abr 2020 (p) Abr 2019 Jan 2020 Fev 2020 Abr 2020 (p)
Milhares de pessoas
1 – Desemprego Oficial (o que é divulgado pelo INE e pela comunicação social) 341 352 332 317 319 342 366 348 327 319
2 – Inativos à procura de emprego mas não disponíveis 20 25 22 20 23 20 24 21 20 23
3 – Inativos disponíveis mas que não procuram emprego 175 143 163 183 231 164 149 166 180 222
4 – Desempregados que não procuram emprego mas que estão desempregados mas que o INE não considera nos números do desemprego oficial (2) + (3) 195 168 184 202 253 184 173 188 200 245
5 – Desemprego real (1) + (4) 536 520 516 520 573 526 539 536 527 564
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego

 

Segundo o INE, em abril de 2020, o desemprego oficial era de 319.000, enquanto o desemprego real (aquele que incluía os desempregados que o INE não considera nos dados do desemprego oficial por não terem procurado trabalho no período do inquérito) atingia 573.000, ou seja, mais 253.000 desempregados (+79,3%).

Mesmo este total não deve corresponder à totalidade dos desempregados. Existem os desempregados reais em “lay-off” não aprovado pelo Ministério do Trabalho, da Solidariedade, e da Segurança Social, muitos dos quais certamente não auferem qualquer rendimento, e que não devem estar também incluídos no desemprego oficial. E são também muitas centenas de milhares como vamos mostrar.

 

A situação dos trabalhadores que as empresas inscreveram para “lay-off” mas não aceites pelo Governo e o financiamento das empresas à custa da Segurança Social

De acordo com a publicação do Ministério do Trabalho “Monotorização COVID-19” de 3/6/2020, em 2 de junho de 2020 o numero de trabalhadores inscritos pelas entidades patronais para “lay-off” atingia 1.342.852 trabalhadores mas tinham sido aceites pelo governo apenas 800.000 sendo 25% (200.000) das grandes empresas (Público, de 6/6/2020), embora estas constituem apenas 0,5% (543) das empresas  que entregaram documentos para “lay-off”. Portanto, 542.852 trabalhadores, em relação aos quais as empresas entregaram documentos para os colocar em “lay-off” não foram aceites pelo governo.

A pergunta que se levanta imediatamente, e que o governo não esclareceu, é esta: Será que as empresas estão a pagar os salários a estes trabalhadores? E se não pagam, e se o INE não os considera como desempregados, então não têm direito a receber subsídio de desemprego.

Portanto a situação do desemprego em Portugal poderá ser muito mais dramática que os números oficiais do desemprego revelam. A dimensão do desemprego oculto, e de trabalhadores a viverem na miséria ou muito próximo dela deverá ser enorme. Isto até porque outros dados oficiais confirmam isso.

 

Gráfico 3 – Desempregados a receber subsidio de desemprego Fonte: Estatísticas da Segurança Social

Entre fevereiro e abril de 2020, o número de desempregados a receber subsídio de desemprego aumentou apenas 20.105 pois passou de 177.844 para 197.949, tendo até diminuído em março. No entanto, segundo o Ministério do Trabalho (“Monotorização COVID 19”), entre 1 de março e 30 de abril de 2020, o número de pedidos de subsídio de desemprego (por desempregados) atingiu 101.788, sendo, em 2 de junho de 2020, já 133.840.

Enquanto isto sucede com os trabalhadores, o governo duplicou o subsídio pago às empresas que reiniciarem a atividade (passou de 635€ para 1270€ por trabalhador), o que significa que a Segurança Social terá de suportar 1.016 milhões € para financiar as empresas para além da isenção de contribuições que estas tinham. A descapitalização da Segurança Social para apoiar os patrões é evidente e é necessário que seja o Orçamento do Estado a suportar tais apoios, e as grandes empresas não deviam receber.



 

 


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