DiCaprio sobrevive para o Óscar
The Revenant
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Se está a pensar ver The Revenant: O Renascido – e quem não está?! – prepare-se, pois este não é ‘apenas’ mais um filme com o menino Leo. De resto, a experiência vivida com Alejandro R. Iñárritu é, possivelmente, a mais radical que levou à tela, com um barbudo e visceral DiCaprio a bulir com os nossos limites diante do ecrã durante grande parte destas poderosíssimas mais de 2 horas e meia de experiência. Era por isso mesmo inevitável a nomeação de DiCaprio para melhor interpretação, tornando-o no grande filme dos Óscares com uma dúzia total de indicações. Algo a que Iñárritu não é estranho, pois a ele pertence o vencedor do ano passado, o relativamente sobrevalorizado Birdman.
De facto, Leo passa as passinhas neste épico aventureiro ambientado na gelada região de Montana e Dakota do Norte, por volta de 1823, acompanhando a história verídica do famoso explorador, pirata e mercador de peles Hugh Glass. Um aventureiro que se tornou lendário por ter sobrevivido ao ataque de índios, por ser quase desfeito por um urso e, como se isto não bastasse, a sobreviver ainda à perda de um elemento familiar e ter sido deixado como morto por um membro do seu grupo, John Fitzgerald, interpretado por Tom Hardy, igualmente a merecer a sua nomeação. Hardy que este ano não teve mãos a medir, a assumir o protagonismo de Mad Max: Estrada da Fúria e a encabeçar o papel dos gémeos Kray, em Lendas do Crime, bem como o igualmente ocupado ruivo Domhnall Glesson, no papel do capitão Hanry, mas igualmente brilhante em Star Wars: O Despertar da Força, no recente Brooklyn ou mesmo em Ex-Máquina.
Seguramente, um trabalho de fôlego de Iñárritu que coloca todas as fichas no realismo avassalador da sobrevivência, na paisagem bela e impenitente captada pelo imponente trabalho de fotografia do mexicano Emmanuel Lubezki e suavizada pela composição da banda sonora de Ryuichi Sakamoto.
Este é, na verdade, um filme de todas as emoções, decididamente aventureiro e violento, parcialmente baseado no relato da obra de Michael Punke, que desafia mesmo o espectador mais robusto a não olhar para o lado. Mas isso não faz de O Renascido um filme mau, longe disso, embora também não faça dele a obra-prima que seria desejável, mas seguramente uma aventura robusta, ainda que de desfecho mais do que previsível.
Na verdade, O Renascido é uma aventura de sobrevivência diante da qual é difícil ficar indiferente. Dir-se-ia um western de pioneiros que nos confronta com o hiper-realismo da violência ao mesmo tempo que nos esmaga diante do peso brutal da natureza. O filme, que começa com um brutal ataque de índios Arikara, remete-nos para o realismo de combate próximo àquele vivido durante o desembarque na Normandia no filme O Resgate do Soldado Ryan. Ainda assim, um momento em que Glass consegue salvar o seu filho índio Hawk (Forrest Goodluck). No entanto, o que se seguirá deixará marcas profundas de vingança em Glass, mas também parte da origem do seu instinto de sobrevivência. Algo que funciona como uma espécie de oração que pai e filho comungaram depois da mãe e mulher ter sido morta por franceses traficantes.
Dir-se-ia estarmos próximos do peso da sobrevivência nos limites, um pouco como aquele experimentado no angustiante Fim-de-semana Alucinante, de John Boorman, embora temperado com alguns elementos de desfrute terreno como os vividos em Danças com Lobos. Isto apesar do mais brutal estar ainda para vir, mas que acaba por ser já do conhecimento geral.
Sim, trata-se do ataque da mãe ursa a Glass, acabado de escapar à perseguição de índios e após uma brutal queda a cavalo. O que se segue é do mais rigoroso realismo, em que o nosso homem é atacado, mordido, arranhado e atirado ao chão por uma besta imponente. Houve até quem alegasse uma eventual penetração do urso (seguramente pensando que era um urso). No entanto, talvez o crítico estivesse a recordar a famosa e perturbante cena de violação que se vê no filme de John Boorman, em que Ned Beatty é obrigado, literalmente, a gritar como um porco enquanto é sodomizado. Agora, sabemo-lo, a famosa cena com DiCaprio é uma perfeita união da técnica digital com a intervenção de um duplo vestido com uma capa azul onde foi “pintada” esta ursa maior.
Sem desvendar mais a história, digamos apenas que crescerá entre Hugh Glass e John Fitzgerald um profundo desejo de vingança que levará o primeiro a procurar o calor dentro do interior da carcaça de um cavalo, passar rápidos a nado e a renascer como uma verdadeira fénix. É claro que este tipo de desafio para um actor da craveira de Leonardo DiCaprio significa entregar todas as fibras do seu corpo, aqui quase sempre físico, mas em que até os grunhidos ganham valor de fina interpretação. Como que o actor reencarnasse todos aqueles momentos espantosos em que foi ignorado pela Academia, e agora preparasse uma vingança difícil de engolir, mas que não deverá escapar à pré-anunciada recompensa.
Nota: A nossa opinião (de * a *****)