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Sábado, Novembro 2, 2024

Resposta à pandemia será selo de países para atração de turistas

Quem estimular a segurança sanitária e o isolamento social atrairá mais viajantes. Repercussão internacional do governo Bolsonaro na gestão da pandemia deve ecoar por anos na imagem do turismo brasileiro.

Nações ou regiões que foram mais bem-sucedidas no controle da pandemia podem vir a converter esse fato em uma espécie de “selo de distinção de qualidade”, como já vem fazendo Portugal. É o que acredita Rita de Cássia da Cruz, professora de Geografia da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos Regionais, acrescentando que, um desdobramento inverso poderá ocorrer com o Brasil.

“Considerando, principalmente, a forma como o chefe do Executivo tem se posicionado frente ao tema, comprometendo a imagem do País no exterior pari passu a alta taxa de transmissão da doença, os baixos índices de testagem da população e o crescente número de mortes”, disse a professora, no artigo “Impactos da pandemia no setor de turismo”, publicado no Jornal da USP.

Segundo cálculos feitos pela United Nations World Tourism Organization (UNWTO), os fluxos internacionais de turistas deverão ter uma queda de 22% no ano de 2020, assim como deverão decrescer entre 20% e 30% as receitas geradas no setor.

Além da lentidão da recuperação turísticas dos países, a geógrafa observa que os efeitos da pandemia sobre o setor de turismo serão diferencialmente sentidos por nações, regiões e lugares. Alguns países dependem mais do turismo como atividade econômica do que outros, o que os torna mais vulneráveis à interrupção abrupta desses fluxos.

Levando em conta a participação das receitas originadas no turismo na composição dos produtos internos brutos (PIBs) nacionais, por exemplo, em Portugal tem-se algo em torno de 13,7%; na Espanha, 12,3%; na França, 9,5%; na Grã-Bretanha 9%; na Itália 5%; no Brasil, 3,7% e nos Estados Unidos, 2,6%. Por terem controlado a epidemia antes, os países europeus e asiáticos devem ser os primeiros a reabrir ao turismo, mostrando ao mundo que medidas dão certo e quais não funcionam.

Por outro lado, para algumas nações e regiões, entre as quais ilhas-Estado conhecidas como destinos internacionais de turistas, o peso do turismo na composição de seus respectivos PIBs é muito maior. A título de exemplo, Rita cita os casos da República das Maldivas (no Índico), onde, em 2019, 32,5% de seu produto interno bruto adveio da atividade turística, ou ainda Aruba (Caribe), com 32%, República de Seicheles (no Índico), 26,4%, e Comunidade das Bahamas (no Atlântico), com 19,5%.

Essas localidades devem sentir, de forma mais intensa, o desemprego no setor, assim como outros efeitos deletérios decorrentes da interrupção repentina e prolongada dos fluxos internacionais de turistas, com repercussões dramáticas sobre suas populações.

Neste momento, julho de 2020, os principais subsetores que conformam o turismo – transportes, hospedagem, agenciamento de viagens e serviços de alimentação e de lazer – foram todos muito afetados, com perdas, em alguns casos, próximas de 100%. Mas, Rita salienta as diferenças de escala desse impacto. A hotelaria de rede internacional, por exemplo, é formada por grandes corporações, com faturamentos anuais que ultrapassam os bilhões de dólares.

Enquanto isso, os serviços de hospedagem regionais/locais dizem respeito, muitas vezes, a empresas pequenas e familiares, sem reservas financeiras que lhe permitam transpor o período de crise sem encerrar suas atividades.

Rita ressalta, também, o fato de que, entre as 20 maiores empresas aéreas do mundo, apenas uma é latino-americana, a Latam (já em recuperação judicial nos EUA e reduzindo frota em 40% no Brasil), e que o domínio do transporte aéreo internacional está nas mãos de poucas companhias subaéreas, a maioria delas radicada em nações ricas e desenvolvidas, onde têm chances razoáveis de encontrarem a ajuda financeira de que necessitam para se manterem economicamente viáveis. Lufthansa, TAP e Alitália pedem socorro a seus governos ou não sobreviverão. Dificilmente turistas que precisam atravessar oceanos pegarão um avião para ficar 12 horas preso num ambiente lotado.

O mesmo, segundo a geógrafa, não se aplica a empresas de transporte rodoviário, majoritariamente nacionais e radicalmente impactadas pela interrupção dos fluxos de viajantes em geral. Com a possibilidade da covid-19 se tornar endêmica, ou seja, permanente, medidas sanitárias serão habituais e aviões e ônibus devem ser evitados pelos passageiros.

Rita reconhece que estão dadas as condições gerais para o aprofundamento do processo de oligopolização no setor, segundo o qual, em um momento de forte crise econômica, as empresas com maiores reservas e melhores condições financeiras tendem a adquirir parte de suas concorrentes, incapazes de superar as perdas decorrentes da crise.

Ela aponta os riscos desse processo, considerando-se, por exemplo, no caso brasileiro, a importância local e regional que têm os pequenos negócios, tanto no que se refere à geração de empregos como no que tange à geração de receitas que ficam na região. “Além do mais, isso pode ser muito ruim para os consumidores desses serviços, considerando a diminuição da concorrência e o controle concentrado nas mãos de poucos grupos”, explica.

 

O caso brasileiro

Considerando um cenário de reabertura da economia a partir de junho deste ano e estabilização da economia entre outubro de 2020 e outubro de 2021, estudo realizado pela FGV (2020)[1] estima uma perda para o setor em torno de 21,5% no biênio.

Quando, entretanto, se consideram outras escalas de análise e a taxa de dependência econômica do turismo, os impactos da pandemia nas economias regionais e locais, por exemplo, podem ser muito mais expressivos.

Nesse caso, Rita lembra que o turismo de massa no Brasil tem a particularidade geográfica de estar densamente concentrado na porção oriental do território nacional, basicamente estados litorâneos, além de Minas Gerais, com uma projeção também razoável sobre os estados de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Segundo estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2013, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentram mais de 50% do total dos estabelecimentos relacionados à atividade turística, mas aqueles com maior taxa de dependência em relação a esse quesito são Rio de Janeiro, Roraima e Alagoas. Os dados são de Pátricia Sakowski, e, seu estudo “Mensurando o emprego no setor turismo no Brasil: do nível nacional ao regional e local”.

No que se refere ao número de empregos no setor, a taxa de dependência do turismo também difere muito entre os Estados e, de acordo com Sakowski, aqueles com maior dependência do turismo nesse caso eram, no início da década passada, Bahia, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

Por outro lado, em se tratando da escala local e em se considerando os 5.570 municípios brasileiros, é importante reconhecer que o turismo tem ínfima ou nenhuma participação na composição do PIB da grande maioria deles.

Enquanto isso, algumas regiões e localidades são fortemente dependentes da atividade, como é o caso de Jijoca de Jericoacoara (CE), Rio Quente (GO) e Fernando de Noronha (PE), onde a taxa de dependência do turismo (TDT), variável emprego, chega, respectivamente, a 71,2%, 63,6% e 61,2% (Sakowski, 2015).

Mas nem tudo é má notícia, pois parte considerável da classe média vai preferir viajar pelo Brasil, devido ao valor exorbitante do dólar e do euro. Outro fator para circulação interna, é o fechamento de fronteiras internacionais, inclusive de países vizinhos. Isso também pode manter os recursos no país, estimulando economias locais. Outro motivo para permanecer nas proximidades é a própria doença que exige o eventual retorno imediato para casa.

Viagens de carro, por serem mais individualizadas, devem aumentar. Viagens ao ar livre também devem ser tendência. Viagens urbanas tendem, a princípio, a restringir o acesso do visitante a pontos turísticos que gerem aglomeração, como teatros e shows, por exemplo, o que torna as viagens menos atrativas. Restaurantes podem dificultar o acesso devido a medidas sanitárias, o que deve desestimular também esse tipo de turismo.

Algumas empresas de cruzeiros marítimos já anunciam que não virão ao Brasil. A Royal Caribbean pediu recuperação judicial da Pullmantur e desmonta navios de luxo, como o Soberano, o Monarch e o Horizon, – que ficaram famosos no Brasil -, retirando todos os objetos de valor que podem aproveitar e sucateando os navios.

A Pullmantur parece que não sai viva dessa pandemia e encerra o sistema All Inclusive que marcou época no Brasil, oferecendo bebidas e alimentos inclusos no valor da hospedagem, sem necessidade de pagar pacote à parte. Esta empresa, como outras conhecidas, como a Costa Cruises, sofreram um baque com a epidemia generalizada de passageiros durante suas viagens deste ano.

A única opção oferecida pela Royal Caribbean e Celebrity Cruises, que controlam a Pullmantur, para quem já havia comprado pacotes antes da pandemia, é reagendamento. Outras companhias também reduzem sua operação para o ano que vem.

 

O futuro do turismo

Enquanto não surge uma vacina, as possibilidades do turismo voltar a ser o que era são mínimas. Por outro lado, fala-se que a covid-19 pode se tornar endêmica, ou seja, ser uma doença permanente, exigindo medidas sanitárias permanentes.

A crise econômica em curso afeta a economia mundial de forma drástica, de forma que todos sentirão seus efeitos, em alguma medida, sendo o desemprego e o empobrecimento geral da população mundial consequências anunciadas por diversos especialistas.

Em um quadro econômico como o que se avizinha, a atividade turística, já bastante afetada, possivelmente demandará anos até conseguir recuperar os patamares anteriores à crise tanto em termos de volume de fluxos como de produção de riqueza, como têm previsto organismos internacionais ligados ao setor, como a Organização Mundial do Turismo, agência especializada no âmbito das Nações Unidas.

É esperado que, ao menos nos primeiros meses que se seguirem à decretação do final da pandemia, as pessoas mantenham algum receio de, por exemplo, realizar viagens por transporte coletivo, hospedar-se em estabelecimentos comerciais como hotéis, pousadas, hostels e mesmo visitar atrativos muito procurados e, consequentemente, sujeitos a aglomerações.

Caso esta hipótese venha a confirmar-se, outra ganha força, que é a de que fluxos intrarregionais de turistas crescerão mais rapidamente em relação a viagens de longa distância. “Se ampliará o mercado do aluguel por temporada, considerando o isolamento social possibilitado por esse tipo de modalidade de hospedagem”, previu.

No Brasil, os principais polos emissores de turistas encontram-se nas regiões Sul e Sudeste, o que poderia beneficiar destinos turísticos já consolidados ou outros emergentes localizados nessas regiões. Enquanto isso, capitais nordestinas, muito dependentes de fluxos do Centro-Sul, sofreriam mais e por mais tempo os efeitos da crise no setor.

Por outro lado, alguns segmentos possivelmente terão uma recuperação mais rápida em relação a outros, como é o caso das viagens corporativas ou o chamado turismo de negócios. “Talvez o turismo religioso possa igualmente recuperar-se mais rapidamente em relação, por exemplo, ao segmento de eventos, sejam esses corporativos, culturais, esportivos ou outros, dadas as restrições possivelmente estendidas no tempo à realização de encontros concentradores de massas de pessoas”, conclui.


por Cezar Xavier   |   Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

 

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