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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Críticas à ideia de progresso

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

As críticas à ideia de progresso não são recentes; elas andam de mãos dadas com a recusa em reconhecer o caráter científico da história e com a oposição e resistência aos avanços democráticos e civilizacionais.

O conservador alemão Oswald Spengler, após a 1ª Grande Guerra, reagiu contra os avanços da democracia e defendeu uma visão cíclica da história com fases de apogeu e decadência das civilizações. O próprio título de seu livro mais famoso – “A Decadência do Ocidente” (1918) – tem o sentido de uma reação justamente contra o avanço da democracia e do socialismo, que ele encarava como ameaçador.

É uma forma de pensar reacionária e negativista que se desenvolve “num clima de crítica e desencanto perante a ideologia do progresso e, mais recentemente, de repúdio ao marxismo, pelo menos do marxismo vulgarizado” (Le Goff: 1984). E gera uma “produção de pseudo-história antimarxista que parece ter tomado como bandeira o tema gasto do irracional”. Segundo Le Goff há duas condições “essenciais da história da ideia de progresso”: o papel da ciência e da tecnologia, e sua ligação com a percepção do desenvolvimento material das sociedades.

“É a experiência do progresso que leva a acreditar nele, a sua estagnação é em geral seguida de uma crise de tal ideia”. Ele também associou o avanço do progresso material à origem do medo ao progresso, um “fenômeno que caracteriza o século 20”. Concluiu dizendo que “a ideia de progresso está associada à confiança na razão e à ideia de que há leis na natureza e na sociedade” (Le Goff: 1984).

Os gregos do séc. V a.C., época de Péricles, da democracia ateniense e da filosofia de Sócrates e Platão, tinham uma concepção circular da história. As moiras (que em Roma foram chamadas de parcas) governavam o destino com desígnios imutáveis e inevitáveis, e os homens eram vistos como submetidos às determinações gravadas desde sempre em ferro e bronze no palácio daquelas deusas. A história era vista como um ciclo imutável de nascimento, auge e declínio.

Esta visão mística pode ser compreensível na aurora da civilização européia, época que Marx, em “Contribuição à economia política” (1858), comparou à infância da humanidade. Embora os seres humanos ainda não tivessem experiência e conhecimento acumulados para ter consciência deste fato, a concretização daquele destino gravado pelas imaginárias moiras nos umbrais de seus templos exigia a existência e participação de homens concretos, reais, de carne e osso, para serem os artífices objetivos que realizassem, na Terra, aqueles desígnios celestes.

A passagem para a época clássica nas cidades gregas foi marcada por intensa luta de classes que opôs comerciantes enriquecidos, individualizantes e, naquele contexto, progressistas, contra a tradicionalista aristocracia agrária.

Nessa luta, a própria concepção de história mudou. Os aristocratas defendiam um modelo cíclico, eterno e imutável; contra eles, levantaram-se as “individualidades que vão criando o conceito de história como um progresso de racionalização”. São os indivíduos que na prática realizam essa ideia da história. E “o progresso racional é concebido como conduzindo a um êxito racional – poder, riqueza – e solidário com o progresso da Justiça”, diz o historiador Francisco Rodriguez Adrados (1975).

A concepção circular da história, comum a muitas visões de fundo místico, antigas – está presente tanto no pensamento indiano antigo como no pensamento grego – é, modernamente, representada pelo mito do eterno retorno, de Nietzsche.

Essa concepção foi superada pela noção do progresso linear rumo ao futuro que marca a concepção cristã, condicionada pela luta das camadas escravizadas e oprimidas no Império Romano contra o arbítrio da aristocracia escravista – cuja concepção incluía, na esfera intelectual, a defesa de uma história circular que só se move para voltar ao ponto de partida, e assim manter tudo imóvel, na prisão férrea de um círculo mental e ideológico.

Contra essa visão se insurgiram os escritores cristãos desde os séculos IV e V d.C., buscando compreender a profunda mudança que assistiam em seu tempo, cujo sentido não podia ser compreendido pela maneira tradicional de pensar. Eles opuseram à mitológica história cíclica outra mitologia: a de um mundo “governado pelo logos ou Razão Divina, também chamada Providência, que constituía a estrutura de toda a natureza e de toda a História” (Le Goff: 1984; Agostinho: 1952). Há uma descrição detalhada e instrutiva do ambiente intelectual entre os padres da Igreja e da continuidade entre o helenismo e o ceistianismo em “Nova História da Igreja” (Rogier: 1971).

  • Adrados, Francisco Rodriguez. “La Democracia Ateniense”. Madrid, Alianza Editorial, 1975
  • Agostinho (santo). The City of God, in Great Books of the Western World, vol. 18. Chicago, Encyclopaedia Britannica Inc, 1952
  • Goff, Jacques Le, “História”, verbete à Enciclopédia Einaudi, v. 1, “Memória-História”, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Porto, 1984
  • Marx, Karl. “Contribuição para a Crítica da Economia Política“, Editorial Estampa, Lisboa, 1973
  • Rogier, L. J.; Aubert, R.; Knowles, M. D. “Nova História da Igreja“. Editora Vozes, Petrópolis, 1971
  • Spengler, O. “A Decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal”. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1964

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