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Sábado, Novembro 23, 2024

Hegel, o materialismo ao alcance da mão

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel deu um passo decisivo no rumo da compreensão da história como ciência; ele compreendeu o processo histórico como um movimento cujo objetivo é definido durante seu próprio desenrolar, pela resolução das contradições objetivas que enfrenta.

Lênin, em seu resumo da “Ciência da Lógica”, registrou que Hegel teve o materialismo ao alcance da mão (Lênin: 1972).

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) deu um passo decisivo no rumo da compreensão da história como ciência; ele compreendeu o processo histórico como um movimento cujo objetivo é definido durante seu próprio desenrolar, pela resolução das contradições objetivas que enfrenta.

Desde os escritos de Marx se reconhece que, em Hegel, este processo é mistificado, no qual a consciência (espírito, conceito ou seja lá qual for o nome que se dê) se move a partir de seu próprio impulso, e à margem da experiência humana concreta.

Mas há em Hegel uma oscilação entre a visão providencialista e o núcleo racional (para usar a expressão de Marx) que indica uma concepção de história baseada na ação humana.

No volume 3 da “Enciclopédia das ciências filosóficas”, cujo tema é a filosofia do espírito, Hegel deixou registrada a influência, em seu pensamento, do providencialismo, ao escrever que a história tem “um fim último em si e para si”, que é “o plano da Providência” segundo o qual se há “razão na história, isso deve ser estabelecido para si mesmo, filosoficamente; e assim como necessário em si e para si” (Hegel: 1995).

Como Kant, ele vê a liberdade do indivíduo como determinante, embora encarada de forma mística e abstrata, como autonomia do conceito: na história do espírito o determinante é “a liberdade, isto é, o desenvolvimento determinado pelo conceito do espírito” (Hegel: 1995).

Hegel reconhece que o movimento e seu rumo são intrínsecos ao processo histórico. Mas, diz – e neste ponto há uma abertura ao materialismo – o suporte material desse desenvolvimento é o homem, que é o ser em que a consciência aparece e se manifesta. Os homens constituem o elemento fundamental para a existência desse processo, reconhece Hegel, apesar da forte carga mística que mantém. Em várias passagens de sua “Introdução à filosofia da História Universal” (publicada parcialmente sob o título “A Razão na História”), ele acentuou o papel dos indivíduos, dos povos e dos Estados na história, contra a fé “meramente abstrata, indeterminada, que persiste apenas no enunciado universal de que há uma providência que governa o mundo”. Aqui está a contradição mística de Hegel. Neste ponto, alertou, é preciso “proceder com seriedade”. E, mais adiante, esbarrou no materialismo ao escrever que “o homem aparece após a criação da natureza e constitui a antítese do mundo natural”.

A consciência, diz, abarca dois reinos, o natural e o do espírito. “O reino do espírito é o criado pelo homem”, se realiza no homem e só existe através dele. Isto é, o reino do espírito é secundário, derivado, criado a partir do reino natural. Embora a esfera espiritual seja aquela “que tudo abarca”, ela encerra “em si tudo quanto interessou e ainda interessa ao homem”, no qual “o espírito é ativo” (Hegel: 1995).

Hegel esbarrou no materialismo dialético, como Lênin reconheceu, ao comentar duas frases, uma da “Ciência da Lógica” e outra da “Pequena Lógica” (como também é conhecido o vol. 1 da “Enciclopédia das Ciências Filosóficas em compêndio”, onde Hegel resumiu, para aulas, “A ciência da lógica”). São frases em que Hegel identificou ideia e natureza: “A ideia que se põe como a unidade absoluta do conceito puro e de sua realidade, e assim se reúne na imediação do ser; e ao fazê-lo, como totalidade nessa forma, é natureza” (“Ciência da Lógica”); e, de forma mais direta, “a ideia que tem ser é natureza” (“Pequena Lógica”) (Hegel: 1993 e 1995; Lênin: 1972).

Hegel abriu caminho para a compreensão de que não há plano pré-estabelecido mas objetivos que se definem no desenrolar da história – embora com limites semelhantes aos de Kant, a busca do aumento da liberdade pessoal, considerada de forma jurídica e, portanto, abstrata.

A visão de Hegel abriu as portas para a fundação de uma concepção de história sem teleologia nem planos pré-definidos,

encarando o processo histórico como resultado da resolução das contradições que os homens enfrentam em sua vida, individual e coletiva.

  • Hegel, G. W. F. “Enciclopédia das Ciências Filosóficas em compêndio” (1830) – Vol. 1: “A ciência da lógica”, Edições Loyola, São Paulo, 1995 (esta obra também é conhecida como “A pequena lógica”).
  • Hegel, G. W. F. “Ciência de la Lógica”. Buenos Aires, Ediciones Solar, 1993
  • Hegel, G. W. F. “Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio” (1830). Vol. 3: “A filosofia do espírito”. São Paulo, Edições Loyola, 1995
  • Hegel, G. W. F. “Fenomenologia do Espírito”. Petrópolis, Vozes, 1992.
  • Hegel, G. W. F. “A Razão na História – Introdução à Filosofia da História Universal”. Lisboa, Edições 70, 1995
  • Lênin, V. I. “Cuadernos Filosóficos”. Buenos Aires, Ediciones Estúdio, 1972

Texto em português do Brasil


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