“O caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio, que engravidou e teve a necessidade de realizar um aborto legal trouxe à tona a necessidade de se debater as questões de gênero e de incorporar a educação sexual nas escolas”, afirma Marilene Betros, secretária de Políticas Educacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Inclusive o projeto Eu Me Protejo, criado para enfrentar o problema do abuso sexual, que afeta uma em cada quatro meninas e um a cada treze meninos antes dos 18 anos.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 mostra que a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas, grande parte dentro de casa e por familiares. Em 2018, foram notificados mais de 66 mil estupros no Brasil, 53,8% das vítimas foram meninas com até 13 anos. Lembrando que pelas estatísticas apenas 10% das vítimas denunciam esse tipo de crime.
“Esses números são terríveis, alarmantes e chocantes. Certamente algo que não podemos tirar do debate jamais, essa dura realidade precisa ser transformada”, afirma Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes). E pior, “muitas vezes essas situações ocorrem dentro de casa e essas crianças não sabem como podem e se podem denunciar”.
A prevenção e o diálogo são os melhores métodos para o combate à violência sexual e à pedofilia. O Disque 100 é um importante mecanismo de denúncia, mas a criança precisa confiar em algum adulto para relatar o abuso. Há 30 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante os direitos desses seres em formação. É preciso conhecê-lo.
“O ECA determina a existência de Conselhos Tutelares para receberem as denúncias e encaminharem as providências necessárias sempre observando os direitos das crianças e adolescentes, mas como o caso da menina de 10 anos estuprada mostra a necessidade de um trabalho de formação para os conselheiros atuarem de acordo suas funções designadas por lei”, afirma Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da CTB.
“É fundamental todas as pessoas conhecerem o texto constitucional sobre os direitos das crianças e adolescentes e terem em casa o ECA como forma de protegerem suas filhas e filhos”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.
Por isso, “levar o debate sobre gênero e sexualidade para a escola é essencial para ensinar as crianças e adolescentes a se defenderem de qualquer tipo de agressão”, assinala. “A escola não pode resolver tudo, mas o debate tem que começar dentro da escola e atingir todas as famílias”.
Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) também acredita na necessidade do diálogo como forma de educar as crianças e jovens e, no caso da sexualidade, com “total transparência, didatismo e sem tabu”, sempre “respeitando a faixa etária dos alunos”.
Para ela, “infelizmente no Brasil, a escola tem papel essencial nessa questão” porque “não conversar sobre gênero e sexualidade com as crianças e jovens favorece a pedofilia e o abuso”. Ao contrário, “dialogar desde a educação infantil sobre a importância de haver respeito entre as pessoas e de que o nosso corpo é inviolável é mais do que necessário”.
Mas para o debate garantir aprendizagem, “a prática pedagógica precisa envolver os estudantes e toda a sociedade nas discussões. E as famílias devem entender a necessidade de denunciar abusadores, mesmo que sejam integrantes da família”, defende Marilene.
Porque “quem defende uma infância saudável precisa defender uma educação sexual, logicamente com conteúdo e vocabulários voltados para cada idade”, acentua Luiza. É função da escola, do Estado e da família “educar crianças e jovens para que eles e elas consigam identificar o que é abuso e violência como forma de combatermos a pedofilia e qualquer violência contra as nossas crianças”, reforça.
Já para Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB-SP, “o debate da questão de gênero é importante para conscientizar e desconstruir a cultura patriarcal e machista que coloca a mulher como propriedade do homem e como tal, dono de seu corpo e sua vida”. Por isso, acredita ela, “os setores conservadores da sociedade são contra o debate de gênero e a educação sexual na escola ou em qualquer lugar”.
Mas, “a educação sexual tem como objetivo esclarecer sobre a sexualidade e o desenvolvimento de crianças e adolescentes, onde é abordado desde questões de saúde até comportamentos que são prejudiciais à vida, como o abuso e a violência”, assegura.
“O diálogo para a implementação da educação sexual de fato na escola, deve ser feito junto com a valorização das escolas públicas”, acentua Rozana. E “temos hoje situações de descaso, escolas sucateadas, professores sem estrutura para o trabalho. Por isso a nossa luta em defesa da educação sexual é conjunta com a luta pela valorização da educação pública”.
Em especial, “neste momento, pautando a urgência da aprovação do novo e permanente Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) que será votado nesta quinta-feira (20), no Senado”. De acordo com a presidenta da Ubes, “todos os dias lutamos para que a escola tenha estrutura para receber, ensinar, transformar e proteger os estudantes”.
Exatamente por isso, os conservadores temem o debate, alega Berenice. “Enfrentar a violência contra as mulheres e especialmente contra as crianças pode levar à emancipação feminina e ao aprendizado sobre o respeito à vida humana”.
Inclusive “dialogar sobre as diferenças sexuais com crianças e adolescentes, sempre respeitando a faixa etária de cada um, pode acabar com o preconceito sobre orientação sexual e com isso diminuir a evasão escolar, o bullying e o suicídio entre adolescentes que cresce no país”, defende.
Ao contrário do que pregam os extremistas de direita, afirma Gicélia, “dialogar sobre orientação sexual não só traz esclarecimentos sobre o tempo de iniciar uma vida sexual com segurança e sobre saúde, como também traz mais segurança, pois quando a família está aberta para dialogar sobre o tema, as crianças e os adolescentes sentem mais confiança para solucionar dúvidas e denunciar possíveis violadores”.
Enfim, “o debate de gênero e a educação sexual bem elaborados ajudam as crianças e jovens a se desenvolverem e se definirem como sujeitos e, portanto, donos de seus corpos e de suas vidas”, define Berenice.
Serviço:
Disque 100 para toda as denúncias de violações dos direitos humanos.
Texto em português do Brasil
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