Poema inédito de Beatriz Aquino
Tudo o que sonho
Tudo o que sonho, sonho moído e pilado em tigela de cerâmica e medo.
Presente de mãe.Levo em consideração de menina a indiferença alheia.
Peso em balança imprópria meus desejos e limites.
Sou pássaro sem canto em gaiola de rendas, bordados e gramática antiga.O olhar oblíquo da avó me acompanha os passos, o pigarrear do pai me adverte de um pecado que ainda não tenho.
Medos e suspiros combinam? Combinam.
Outro dia pousei o olhar na tua gravata. Tão bela e imponente. Me surpreendeste e me viste ruborizar por baixo da etiqueta de chá que aprendi aos cinco.
Não se avisa às moças quando os murmúrios do ventre chegam.Lívida e espantada,
olhei para os afrescos no teto.
Teus olhos negros ali também estavam a me falar de impressionismos.
Tomaste-me o pulso com ares de médico. E eras…O pulsar das coisas nem sempre passa pelo coração, tu bem o sabes. Ou não?
O homem primevo da moça é um deus. E ela a ele se dá, e eu me dei, com devoção de altar.
Tiraste me a pureza e o sossego após tocar meus finos e alvos pulsos. As artérias não mentem, meu senhor. Não mentem.
Outro dia foi no passeio público. Eu sozinha ou quase, sem pai ou mãe para elevar bandeiras entre aquela guerra de amor e sussuros que se fazia entre nós.
Me tomaste a mão com a mesma intensidade, cavalheirismo e dor.
Dor dos que sentem, mas não podem.Eu lembro de bem pouco após tudo isso.
O mundo rodopiou, chamaste o meu nome, eu desmaiei em teus braços
e só.Foi lindo.
Foi lindo o dia em que me tiraste a paz…
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