É o quarto campo de guerra activo à volta da União Europeia. O primeiro e o mais conhecido é o da Síria, o segundo é o da reconquista da Ucrânia pela Rússia que se desenvolve há sete anos e que teve os últimos desenvolvimentos em Julho, com uma tentativa de acção armada em Zaporizhia, no baixo Dniepre, e o terceiro é o da Líbia.
A recusa da Turquia em aceitar o cessar-fogo proposto pelos presidentes da França, Rússia e EUA para o conflito que se centra na antiga região autónoma de Nagorno-Karabakh faz temer o recrudescer dos combates para os próximos dias, combates que, de acordo com relatórios da imprensa tendo como fonte a Cruz Vermelha, causaram já a destruição de centenas de casas, escolas e hospitais e que, segundo as partes do conflito, terão causados pesadas baixas militares de ambos os lados.
É um conflito que em várias capacidades acompanho há muito tempo, a última das vezes numa conferência que promovi em nome do SADF South Asia Democratic Forum em parceria com o AESC Association of European Studies for the Caucasus a 7 de Novembro do ano passado que reuniu na mesma mesa diplomatas do Azerbaijão e da Arménia (e da Geórgia).
Já nessa altura ficou para mim claro nas conversas laterais à conferência que a guerra estaria de volta em menos de um ano, animada pelos nacionalismos mas impulsionada pelos imperialismos e proporcionada pela indiferença ocidental, a europeia em particular.
É o quarto campo de guerra activo à volta da União Europeia. O primeiro e o mais conhecido é o da Síria, o segundo é o da reconquista da Ucrânia pela Rússia que se desenvolve há sete anos e que teve os últimos desenvolvimentos em Julho, com uma tentativa de acção armada em Zaporizhia, no baixo Dniepre, e o terceiro é o da Líbia.
Os cenários, as motivações o empenho dos vários actores e as alianças são díspares contribuindo para nos dar a ideia de que não há a esperar que daí venha a união dos conflitos e menos ainda o alinhamento de actores que hoje em dia se digladiam.
Mas as aparências, como sabemos, são frequentemente más conselheiras. Peguemos, por exemplo, num dos mais absurdos conceitos moldados pela doutrinação teocrática iraniana dirigida às elites ocidentais que seria o de uma permanente e irredutível oposição entre xiitas e sunitas em que os muçulmanos se dividiriam desde a morte do profeta.
Foi um conceito que fez parte do quadro ficcional com que o Ocidente cometeu o seu maior erro estratégico dos últimos cinquenta anos: a invasão do Iraque.
Como é público, o Irão apoia nesta guerra a Arménia (ver os filmes desta semana com material de guerra a ser conduzido à fronteira deste país, ver tuites). Acontece que o Azerbaijão é um país muçulmano xiita. Para ser mais precisos, a actual república do Azerbaijão é a metade Norte do Azerbaijão que fazia parte do Irão até à sua conquista pela Rússia na primeira metade do século XIX. Mas ainda mais importante, é ter em conta que o Irão só passou a ter o xiismo como religião do Estado no século XVI, por imposição da dinastia Safávida, originária do Azerbaijão. Até aí o xiismo era minoritário num país onde o sunismo era maioritário e tendências como o Ismaelismo ou o zaidismo eram mais importantes que o xiismo.
This appears to be a Russian-made Kamaz military truck passing through the #Iran / #Armenia border at the village of Norduz.
Note:
Keep in mind Iran’s regime thrives on fueling foreign conflicts. pic.twitter.com/mrZHypCl3o— Heshmat Alavi (@HeshmatAlavi) September 28, 2020
Isto é importante apenas para se entender até que ponto a ideia da religião como exclusiva motivação do imperialismo teocrático não faz sentido, e como as leituras dos pseudo-peritos em Islão que dominam as elites ocidentais (as diplomacias e a academia, sobretudo) conduzem o Ocidente a erros de palmatória.
Mas voltando à guerra de Nagorno Karabakh é conveniente ter em conta que o apoio iraniano e russo à Arménia é mais do que discreto e ambos os países se propuseram mesmo como interlocutores da paz e, de acordo com a cadeia de informação oficiosa da Irmandade Muçulmana, (Al Jazeera) o Irão teria mesmo negado o fornecimento de armas à Arménia.
Só a Rússia se encontra empenhada nos quatro conflitos, mas com graus de empenho diferentes, enquanto a Turquia aparece como o segundo país mais interventivo, tendo deixado apenas de lado a Crimeia (apesar da sua proximidade geográfica e étnica com os tártaros). O Irão aparece apenas em terceiro lugar, apoiando a Turquia contra a Rússia (e uma longa coligação árabe) na Líbia; apoiando a Rússia contra a Ucrânia (de forma discreta) e finalmente alia-se à Rússia no Cáucaso. O Irão apenas se investiu totalmente na Síria (no quadro da sua expansão regional no Iémen, Iraque e Líbano). O Irão utiliza a guerra de conquista nos palcos que circundam o país, mas investe apenas em terrorismo, desinformação e compra de actores políticos e mediáticos a maior distância.
O Azerbaijão – caso recupere os territórios perdidos no início dos anos noventa – vai acordar desta guerra com uma força de ‘fraternidade islâmica’ que vai desde forças regulares paquistanesas aos corpos mercenários sírios e que rapidamente se pode transformar em exército de ocupação que irá mergulhar ainda mais o país na ditadura. A Arménia, em qualquer dos cenários, dificilmente irá sair da situação bloqueada em que se encontra, que tem muito a ver com o abraço irano-russo que a condiciona.
A última vez em que os líderes ocidentais assentaram a sua estratégia na crença de que a rivalidade entre os seus inimigos era inultrapassável obtiveram como resultado o pacto germano-soviético, que precedeu de uma semana o começo da segunda guerra mundial.
O que a Europa parece não entender com a sua prolongada indiferença perante o desenvolvimento dos palcos de guerra que a circundam é que está a destruir a sua base de apoio – que é a dos povos que querem paz, desenvolvimento e democracia – e que, sendo verdade que os seus adversários estão divididos pelas suas ambições, eles estão unidos pela rejeição desses valores que representam essa construção europeia.
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