Na noite de 4 de outubro de 1970, um domingo, Janis Joplin caminhava pelas ruas de Los Angeles em direção ao hotel onde estava hospedada, o Landmark Motor, hoje Highland Gardens Hotel. A semana fora exaustiva com a gravação do disco “Pearl”.
A cantora seguia pela calçada ladeada por luzes piscantes das vitrines, uma garrafa de seu whisky Soutern Comfort na bolsa, e no coração a saudade do namorado David Niehaus e a falta da amiga Linda Gravenites.
Em 6 de fevereiro daquele ano Janis Joplin tinha desembarcado no Rio de Janeiro para passar uns dias de férias, curtir o sol de Copacabana. A cantora tentava dar um tempo do seu “veneno antimonotonia”, fazer uma espécie de “rehab” do lado de baixo do Equador, onde supostamente não há pecado. E foi justamente no calçadão da praia que ela conheceu o jovem turista holandês Niehaus. Apesar das noitadas intermináveis de farras – com o Brasil se preparando para o carnaval e 90 milhões de habitantes se adiantando para a Copa no México e abafar os gritos nos porões da ditadura –, Janis Joplin teve apoio do rapaz para tentar a abstinência, assim como de Linda Gravenites, designer de moda que sempre a acompanhava nas viagens e shows.
Na volta aos Estados Unidos, o namorado teve problemas com o passaporte e ficou retido para justificar porque excedera seu prazo de permanência no país. Janis embarcou sozinha para a casa que comprara em Larkspur, cidade no Condado de Marin, Califórnia, onde Linda, que chegara antes, a esperava. As faixas de “Pearl” também a aguardavam. David Niehaus chegou dois dias depois e a encontrou novamente sucumbida às “viagens”. Um passeio que ele programou com Janis ao Himalaia para depois da gravação do disco, foi cancelado. Cansado das tentativas, o rapaz foi embora. Linda Gravenites também desistiu. “Take another little piece of my heart now, baby!”, caberia o verso de sua música “Piece of my heart” ao se ver sozinha.
Quando Janis Joplin abriu a porta do seu quarto no hotel naquela noite, o ambiente era um deserto sem fim, onde “peixes estão pulando”, como desenha o delírio de um verso da icônica “Summertime”. Na cabeceira ao lado da cama, Janis ligou a secretária eletrônica – a novidade nos telefones naquele começo de década – e ouviu o recado do seu produtor, Paul A. Rothschild, lembrando e combinando na segunda-feira colocar voz na faixa instrumental “Buried alive in the blues”, a última para fechar o disco.
Ali em Los Angeles, Janis não tinha amigos mais íntimos. Ela deve ter se lembrado de John Lennon, com quem conversara sobre o final do Beatles, e que faria aniversário no próximo dia 9 daquele mês, e para ele gravara no estúdio uma canção de parabéns para fazer-lhe uma surpresa no dia. Ou do amigo com quem estava se encontrando para longas conversas, o ator e cantor Kris Kristofferson, que viajara para a Inglaterra para o Festival na Ilha de Wight.
“Algum dia eu ainda irei compor uma música que explique o que é fazer amor com 2.500 pessoas durante um show e depois voltar para casa sozinha”, disse Janis Joplin uma vez em entrevista. O amplo cômodo solitário do hotel cristalizava essa canção nunca composta e que sempre existiu.
50 anos hoje que Janis Joplin não morreu aos 27
Abaixo, a cantora fotografada pelo amigo Baron Wolman.
Em 1967, Janis Joplin morava na esquina da minha casa em San Francisco. Essa foto foi tirada em sua cama no quarto de seu apartamento em Haight-Ashbury. A cortina da janela acabou sendo transformada em um vestido para ela. Janis foi uma alma complexa; ela tinha seus lados claros e escuros. Embora eu tenha tentado principalmente capturar a ‘luz Janis’, aqui ela escorregou brevemente para a escuridão. Um momento depois ela estava toda sorrisos”
por Nirton Venâncio, Cineasta, roteirista, poeta e professor de literatura e cinema | Texto em português do Brasil
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