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Quarta-feira, Janeiro 15, 2025

Começa hoje mais um festival espanhol que procura resistir à pandemia

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Num cenário de recrudescimento acelerado da crise pandémica em Espanha em toda a Europa, começa hoje e termina daqui a uma semana, a 65ª edição da Semana Internacional de Cine de Valladolid – SEMINCI.

Esta histórica mostra de cinema do país vizinho foi fundada em 1956 com a designação de ‘Semana de Cine Religioso’ e tornou-se, de há muitos anos a esta parte, um importante espaço de divulgação do chamado “cinema de autor”.

Depois da forma exemplar como decorreu o muito recente Festival de San Sebastián é agora a vez de também a SEMINCI tornar realidade um ‘festival impossível’. Um festival que mantém a maior parte das suas valências habituais mas que teve, obviamente, que se adaptar a uma´’nova normalidade’: diminuição do número de filmes e fixação da lotação das salas de cinema em 30% do normal, lugares marcados em todas as sessões, cumprimento rigoroso do ‘distanciamento social’ em todos os outros espaços (em particular nas conferências de imprensa), várias actividades com acesso apenas pela internet, uso sistemático de desinfectantes, eliminação de eventos de convívio e de festa e outros cuidados que, na actual situação, se tornaram absolutamente obrigatórios.

‘Miniminci’ e ‘Seminci Joven’, áreas destinadas ao público em idade escolar, foram também reconvertidas tendo sido substituídas pelo espaço ‘Ventana Cinéfila’, a desenvolver através da plataforma FILMIN e em colaboração estreita com o Festival de Sevilha e que funcionará até ao final deste último em 14 de Novembro.

Isabel Coixet recebe uma ‘Espiga de Honra’ e abre a SEMINCI com “Nieva en Benidorm”

Isabel Coixet

Nieva en Benidorm

Há cerca de um mês recebeu em San Sebastián o Prémio Nacional de Cinematografia de Espanha. Agora, a cineasta catalã Isabel Coixet (nascida em Barcelona em 1960) vai ser distinguida esta noite na gala inaugural da SEMINCI, a ter lugar no belo Teatro Calderón, com a ‘Espiga de Honra’ da mostra de Valladolid. A cerimónia vai anteceder a exibição, fora de concurso, do seu filme, Nieva en Benidorm, um thriller escrito e realizado por Isabel Coixet, produzido pelos irmãos Almodóvar e protagonizado por Timothy Spall, Sarita Chouldhury, Carmen Machi, Ana Torrent e Pedro Casablanc.

Detentora de uma importante filmografia que abrange também o documentário (os Médicos sem Fronteiras e o juiz Baltasar Garzón foram já objecto do seu trabalho), Isabel Coixet tem tido nos anos mais recentes uma forte ligação à Semana de Valladolid. Para além de ter encerrado o festival de 2015 com “Nadie quiere la noche” (protagonizado por Juliette Binoche), em 2017 abriu a SEMINCI com “La Librería”, filme que viria a conquistar em 2018 os principais prémios do cinema espanhol – os ‘Goyas’ para o melhor filme, a melhor realização e o melhor guião adaptado.

A secção oficial

Como habitualmente, a principal secção competitiva desta mostra oferece, a par de algumas obras de autores menos conhecidos, outras de realizadores muito experimentados e até um conjunto de filmes já premiados em outros festivais. Quanto à origem, verifica-se uma enorme diversidade geográfica, da Palestina à Índia, do Irão à China, dos Estados Unidos à Hungria, de França à Eslováquia, da Alemanha à Rússia ou à Itália e até com a presença de Portugal através de uma co-produção que também inclui o Qatar. Amores e desamores, crises existenciais, histórias de pais e filhos, campos de concentração, a resistência ao franquismo, ficções com ligação à História e até um filme de animação, são alguns dos temas que poderão ser vistos nos ecrãs da SEMINCI.

Os grandes destaques são There is no Evil,  do iraniano Mohammah Rasoulof, o Urso de Ouro do Festival de Berlim deste ano (ainda não tinha sido declarada a pandemia) , The Disciple, do indiano Chaitanya Tamhane, prémio para o melhor guião e prémio FIPRESCI no Festival de Veneza, The Wasteland, do também iraniano Ahmad Bahrami, melhor filme da secção Orizzonti e prémio FIPRESCI das secções paralelas do mesmo Festival de Veneza e The Cloud in Her Room da chinesa Zheng Lu Xinyuan, premiado no Festival de Roterdão.

 

There Is No Evil

de Mohammad Rasoulof (Alemanha / República Checa / Irão)

Nascido em 1972, Rasoulof é um dos grandes nomes do cinema iraniano, cinema esse que desde há muitos anos é dos mais prestigiados a nível mundial. Premiado em muitos festivais internacionais este cineasta viu todas as suas obras serem vítimas da censura. Perseguido pelas autoridades do seu país está, desde 2017, proibido de sair oficialmente do Irão. Refira-se que na SEMINCI/2018, a sua obra foi objecto de um ciclo e da edição de um livro.

Em There is no Evil, Rasoulof aborda, em quatro histórias, a aplicação da pena de morte e as questões que se colocam às pessoas que têm que a executar.

 

The Disciple

de Chaitanya Tamhane (Índia)

Cineasta independente, Chaitanya Tamhane foi premiado pela sua primeira longa-metragem em Veneza em 2014 tendo, depois disso, obtido dezenas de prémios em vários festivais.  The Disciple tem como figura central um jovem que, iniciado pelo pai, se entrega à tradição centenária de vocalista clássico da Índia e a explorar os mistérios e rituais do passado e que mais tarde se vê confrontado com a necessidade de conciliar esse seu trajecto com a realidade da Bombaim contemporânea.

 

The Wasteland

de Ahmad Bahrami (Irão)

Esta é a segunda longa-metragem do realizador, nascido em 1972, e que na sua formação passou pela escola de Abbas Kiarostami. A acção de The Wastland decorre numa fábrica de tijolos em que trabalham famílias de várias etnias. Intimado pelo chefe a reunir o pessoal para que lhe seja comunicado o encerramento da instalação, o supervisor tenta a todo o custo proteger a mulher pela qual está enamorado.

 

The Cloud in Her Room

de Zheng Lu Xinyuan (Hong Kong / China)

Artista multi-facetada, fotógrafa e escritora, esta cineasta chinesa fez a sua formação nos Estados Unidos.  The Cloud in Her Room passa-se no Inverno, na cidade chinesa de Hangzhou, e conta a história de uma jovem que, entre relações sentimentais actuais e a evocação de outras passadas,  deambula pela cidade à procura da sua identidade e de um lugar a que possa pertencer.

 

Outros filmes em competição

Gaza mon Amour

de Arab e Tarzan Nasser (França / Alemanha / Portugal / Palestina / Qatar)

Depois de terem estado na SEMINCI em 2015 com “Degradé”, os dois gémeos palestinianos regressam a Valladolid com a sua segunda longa, selecionada para Veneza. Esta é uma história de amor passada em Gaza entre um pescador de 60 anos que descobre uma estátua de Apolo com as suas redes de pesca e uma mulher que trabalha no mercado local. O homem sente que a sua descoberta irá mudar a sua vida.

 

Here We Are

de Nir Bergman (Israel / Itália)

O realizador israelita, nascido em Haifa em 1969, já passou várias vezes por este festival espanhol. Na edição 45 no âmbito da exibição de filmes da Escola Sam Spiegel, de Jerusálem, e na edição 47, na qual foi premiada na secção ‘Punto de Encuentro’ a sua primeira longa-metragem. Regressa agora com Here We Are, a história de um homem que, depois de cuidar durante anos do seu filho autista, vai levá-lo para uma instituição. Mas acha que o filho ainda não está preparado para isso e resolve escapar-se com ele.

 

Nowhere Special

de Uberto Pasolini (Itália / Roménia / Reino Unido)

Este produtor e realizador italiano nasceu em Roma em 1957. Premiado em Veneza integrou o júri internacional da SEMINCI em 2017. Neste seu trabalho conta a história de um homem de 35 anos, limpador de janelas, que dedica a sua vida a tratar do filho de 4 anos desde que a mãe da criança os deixou. Quando fica a saber que lhe restam alguns meses de vida o homem procura uma família nova que possa adoptar o filho.

 

Minari

de Lee Isaac Chung (Estados Unidos)

Autor de uma primeira longa-metragem que se estreou no Festival de Cannes de 2007 este é um cineasta de ascendência coreana, nascido nos Estados Unidos. É guionista, realizador, produtor, montador e director de fotografia. Minari  decorre nos anos 80 quando um rapaz coreano-americano de 7 anos se vê confrontado com a decisão do pai de mudar a família da costa oeste dos Estados Unidos para o rural Arkansas, situação que desagrada a todos. Alguma coisa muda quando a avó sai da Coreia para ir viver com eles.

 

Preparativos para estar juntos un periodo de tiempo desconocido

de Lili Horváth (Hungria)

Nascida em Budapeste em 1982 a realizadora húngara estudou em Paris, na Sorbonne. A sua primeira longa-metragem foi premiada em Karlovy Vary e participou na edição da SEMINCI de 2015. Esta sua segunda longa-metragem conta a estranha história de Marta, uma neuro-cirurgiã que abandona a sua carreira nos Estados Unidos e regressa a Budapeste para se juntar ao homem que ama. Depois de um encontro frustrado ela procura-o e quando o encontra ele garante que é a primeira vez que ambos se vêem um ao outro.

 

Josep

de Aurel (França / Espanha / Bélgica)

O realizador é um desenhador gráfico francês nascido em 1980, com trabalhos muito diversificados de que se destacam as colaborações no diário ‘ Le Monde’ e no ‘Le Monde Diplomatique’. A trama do único filme de animação presente na competição oficial começa em Espanha, em Fevereiro de 1939, quando uma onda de republicanos foge da ditadura de Franco. O governo francês confina os refugiados em campos de concentração onde eles dispõem dos cuidados de higiene, água, comida e pouco mais. Num  desses campos, dois homens, separados por uma rede de arame, fazem-se amigos. Um deles é Josep Bartolí (Barcelona, 1910 – Nueva York, 1995), um desenhador que luta contra o regime de Franco.

 

Servants

de Ivan Ostrochovský (Eslováquia / Roménia / República Checa / Irlanda)

Esta é a segunda longa-metragem de ficção deste realizador que tem na sua filmografia vários documentários. Em Servants a acção passa-se num seminário, na Checoslováquia dos anos 80, em que os jovens seminaristas são confrontados com um dilema: optar pela colaboração com o regime totalitário ou não o fazer e ficar sob a vigilância permanente da polícia política.

 

Sweet Thing

de Alexandre Rockwell (Estados Unidos)

O mais veterano dos autores presentes na competição (Boston, 1952), de ascendência russa e formação em Paris, leva-nos até ao mundo fantástico e poético da infância, através de dois irmãos, filhos de um alcoólico e de uma mãe irresponsável, que encontram num outro jovem o companheiro ideal para as suas aventuras.

 

Persian Lessons

(O Professor de Persa), de Vadim Perelman (Rússia / Alemanha / Bielorrúsia)

Com carreira nos Estados Unidos, nomeado para os Oscares e um importante trajecto no cinema publicitário este realizador, nascido em Kiev em 1963, traz-nos uma interessante história passada na Segunda Guerra Mundial. Em 1942, na França ocupada, um homem é preso, com outros judeus, pelos soldados alemães e enviado para um campo de concentração na Alemanha. Aí, evita a execução, jurando que não é judeu mas persa. Mas, em contrapartida, terá que ensinar um idioma que não conhece ao oficial do campo.

Ainda na secção oficial, mas fora de concurso, será exibido Puppy Love, do canadiano Michael Maxxis.

 

 

Uma comédia francesa no encerramento

A comédia francesa Un triomphe foi escolhida para ser exibida na sessão de encerramento da 65ª SEMINCI, obviamente fora de concurso. O filme foi realizado por Emmanuel Courcol (também actor) e é produzido por Robert Guédiguian, o comprometido cineasta francês de origem arménia participante em várias edições deste festival e vencedor da “Espiga de Ouro” para o melhor filme, há duas décadas, na 45ª SEMINCI.

A figura central de Un Triomphe é um actor quase sempre desempregado que dirige uma oficina de teatro num centro penitenciário. Um grupo de reclusos ensaia a peça de Beckett ‘À Espera de Godot’ e acaba por conseguir autorização para fazer uma tournée fora da prisão. Em Un Triomphe o espectador acompanha o estreitamento da relação entre o encenador e este grupo ‘especial’ e é levado até à última representação, em Paris.

O cinema de animação está em maioria na competição de curtas-metragens

A importância dada às curtas-metragens é um dos traços que têm vindo a caracterizar a programação da SEMINCI ao longos dos anos. Na secção oficial competem, nesta edição, nove trabalhos, cinco deles de animação.

É a seguinte a lista dos participantes:

  • Altötting de Andreas Hykade (Alemanha/Canadá/Portugal);
  • El Màrtir de Fernando Pomares (Espanha);
  • How My Grandmother Became A Chair, de Nicolas Fattouh (Alemanha/Líbano);
  • Moi, Barnabé, de Jean-François Levesque (Canadá);
  • O, Black Hole!,  de Renee Zhan (Reino Unido);
  • Thanadoula, de Robin McKenna (Canadá);
  • The Unseen River, de Phạm Ngọc Lân (Vietname/Laos);
  • Gramercy , de Jamil McGinnis e Pat Heywood (Estados Unidos), e
  • Play Schengen, de Gunhild Enger (Noruega).

Anote-se que, por via das co-produções, Portugal está presente nesta competição.

 

Júri Internacional presidido por Peter Beale

O Júri Internacional da SEMINCI é este ano presidido pelo produtor britânico Peter Beale. Os restantes elementos do júri são a guionista espanhola Alicia Luna, o produtor Antonio Pérez, o produtor e distribuidor francês Stéphane Sorlat e a actriz espanhola Emma Suárez.


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