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Sábado, Novembro 2, 2024

Transgênicos e agrotóxicos, uma combinação nociva

Perda da diversidade genética das sementes torna as plantas mais suscetíveis a insetos e doenças – e, por sua vez, requer o uso de defensivos.

A Argentina acaba de liberar o cultivo da variedade de trigo transgênico de nome HB4. A condição para produção é que o Brasil, maior comprador de farinha do país, aceite importar o produto. Hoje, cerca de 80% do trigo que consumimos já é argentino.

Com a autorização do HB4, a farinha de trigo terá resíduos de glufosinato de amônio, que já foi classificado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como potencial cancerígeno – tanto que está proibido em muitos países, entre outros efeitos, pela toxicidade aguda. Segundo Alan Tygel, da coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o problema mais grave da utilização de sementes transgênicas está justamente ligado ao aumento do uso de agrotóxicos.

“Uma parte das modificações torna as plantas resistentes a agrotóxicos para não morrer, possibilitando plantar em largas áreas”, diz Tygel. Segundo ele, a perda da diversidade genética das sementes torna as plantas mais suscetíveis a insetos e doenças – e, por sua vez, requer o uso de defensivos, num ciclo vicioso, uma combinação nociva.

Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o consumo de agrotóxicos, entre 2000 e 2015, cresceu 288% no País. No mesmo período, o plantio de transgênicos na agricultura brasileira passou a representar 54% dos 74 milhões de hectares cultivados. “Vários estudos mostram a relação do aumento da área de transgênicos com o aumento do uso de herbicidas. Se os transgênicos são feitos para suportarem altas doses de agrotóxicos, é natural que o uso destes aumente”, afirma Tygel.

Um exemplo disso é relatado no dossiê “Um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos da saúde”, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Segundo a publicação, quando a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou as sementes de soja transgênicas produzidas pela multinacional Monsanto, houve um “aumento em 50 vezes do nível de resíduo de glifosato permitido no grão colhido”.

 

Benefícios ao agronegócio

A Abrasco ainda põe o Brasil como principal consumidor de agrotóxicos desde 2010, parte disso resultado de uma política de benefícios fiscais. Só em 2017, a União concedeu cerca de R$10 bilhões de isenções de impostos ligados ao uso de defensivos, o que representa 2% da arrecadação total dos governos estaduais e federal no período.

São 24 substâncias com isenção de IPI e redução de 60% de ICMS envolvendo 15 tipos de defensivos agrícolas. Outras benesses existem, como troca de parte da produção por insumos, defensivos e fertilizantes. Para esta semana, estava previsto um julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre questionamento acerca dos benefícios fiscais. Mas a Corte adiou a sessão, que ainda não tem nova data para ocorrer.

Além de deixar de arrecadar todo esse valor, a União tem alto gasto com o SUS (Sistema Único de Saúdo) por conta de herbicidas e similares. Segundo relatório de 2018 do Ministério da Saúde, 26 pessoas sofrem algum tipo de intoxicação por agrotóxico no Brasil por dia. Outro estudo, de 2012, publicado por Wagner Soares, analista do IBGE e pesquisador da Fiocruz, estima que, para cada dólar gasto com os defensivos, é necessário até U$$ 1,28 para despesas com saúde e licenças de trabalho.

 

Produção de alimentos

Os incentivos, aliados à isenção de impostos e à atratividade do mercado externo, provocaram uma mudança no comportamento do produtor. Áreas antes destinadas à produção de arroz, por exemplo, sofreram uma redução de 40% em dez anos – e a projeção é que reduza 8,6% na próxima década, até 2029. Já para a soja, estima-se um aumento de aproximadamente 26% da área de plantio até o mesmo ano, segundos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Vale lembrar que a produção do agronegócio se baseia na monocultura, em grandes propriedades e na exportação, enquanto a produção familiar é que de fato leva o alimento à mesa dos brasileiros. “Em oposição ao modelo de agronegócio, propomos o modelo de produção da agroecologia, baseada na agricultura familiar, na reforma agrária e na demarcação de terras indígenas, para que as comunidades e os agricultores familiares possam produzir seu alimento”, diz Tygel.

Ainda assim, faltam ações que incentivem a produção de alimentos agroecológicos por pequenos produtores, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), abandonada pelo atual governo. Também foi extinta a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), responsável pela elaboração de políticas públicas que beneficiaram mais de 100 mil agricultores.

Outros benefícios foram suspensos, como a previsão de aporte de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o repasse de verbas para investimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a renegociação de dívidas de pequenos agricultores.

 

Impactos sociais e culturais

Existem outros problemas provenientes do uso de transgênicos, como impactos ambientais, diminuição da biodiversidade e a falta de comprovação científica dos possíveis efeitos dos transgênicos para a saúde, já que não existem estudos de longo prazo que avaliem os resultados do uso continuado. Também há perdas sociais e culturais.

A semente, na agricultura familiar, é considerada um patrimônio, segundo Alan Tygel, e sofreu, por centenas de anos, adaptações quanto ao local e clima. “Quando temos a introdução das sementes transgênicas e contaminação, estamos apagando essa história de seleção e adaptação natural”. Para ele, cria-se uma “homogeneização de algo que é, pela natureza, diverso, que é a composição genética dessas sementes”.

Sobre o impacto econômico ao pequeno produtor, ele afirma que as sementes transgênicas são mais caras e são patenteadas, geralmente por empresas que também produzem os agrotóxicos. “A nossa agricultura vai ficando cada vez mais dependente dessas grandes empresas – o que significa uma afronta gravíssima à nossa soberania alimentar”, conclui Tygel.


por Andressa Schpallir, Jornalista   |   Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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