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Sábado, Novembro 2, 2024

Críticas à Mostra de Cinema de São Paulo

Com a pandemia, evento não será presencial – mas, sim, virtual

A 44ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo foi aberta na última quinta-feira (22). Neste ano, devido à pandemia de Covid-19, a programação não será presencial – mas, sim, virtual, com sessões online de todos os filmes. Assim, nos primeiros dias da Mostra,  o crítico Celso Marconi assistiu, direto de Olinda (PE), a diversas produções e escreveu a respeito delas.

Confira:

#EAGORAOQUE

Este é um filme de combate. Não é simplesmente um filme político. Afinal, todo filme é político. Mas esse é um filme de combate. É um filme que tenta aglutinar as pessoas para a luta política hoje direta. E não sei, mas penso que foi financiado por grupos da Academia – isto é, professores – e da Periferia – isto é, a maioria negra. À frente aparecem o crítico Jean-Claude Bernardet e o professor Vladimir Safatle. Como atores intérpretes, dão os golpes visando partir para a luta. Conheci Jean-Claude Bernardet durante muitos anos e tinha mesmo certos preconceitos contra ele e sua posição política. Com esse filme, Bernardet se mostra como um verdadeiro ativista. Hoje quase cego, mas totalmente ativo, lutando com a arma do cinema. Vladimir Safatle não conheço pessoalmente, mas já li vários dos seus livros e o acompanhava quando escrevia na Folha. Também nesse filme se mostra um ativista. Os dois engoliram a agonia e a destreza de Glauber. Há no filme, inclusive, uma sequência em que eles dialogam com um homem negro gordo e faz dele o que Glauber fazia com o popular chamado Brizola. Você assiste a esse filme e tem vontade de sair por aí gritando e coordenando reuniões. Mas será que agora vai ter uma decisão?

(Olinda, 23. 10. 2020)

 


Aula de Ruy Guerra

A MostraSP está apresentando um curso de quatro encontros com Ruy Guerra. No primeiro, às 18 horas, estavam mais de 200 pessoas assistindo pelo YouTube. A aula mesmo é ministrada pelo professor Adilson Mendes. Nesse encontro, ele fez uma panorâmica sobre o cineasta e depois foi exibido o primeiro filme de Ruy feito em 1950, quando era aluno do IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos de Paris) que se chama Quand le soleil dort. É uma obra de dez minutos – e sem dúvida o artista já estava colocando em prática um começo de sua forma de narrar em cinema. E o Adilson mostrou também um trecho de Os Fuzis, que claramente mostra influência da forma utilizada no pequeno e primeiro filme feito na França. Depois, o próprio Ruy Guerra falou sobre a presença opressiva do fascismo em toda a sua carreira profissional. Ele considera que nunca conseguiu se livrar do fascismo e, mesmo agora no Brasil, sente com Bolsonaro a continuidade do fascismo que nos dominou durante o golpe de 64. Para combater o fascismo é que ele faz cinema. E vive. No dia 25, às 18 horas, a continuação com a segunda aula-palestra.

(Olinda, 23. 10. 2020)

 


La Planta no Uruguai

Trata-se do documentário La Planta, que está na Mostra de São Paulo, mas também na plataforma SPCine, com exibição gratuita. É um documentário de 50 minutos de duração, dirigido pelo cineasta brasileiro Beto Brant. Aborda o trabalho científico com a cannabis no Uruguai, mostrando o que está sendo mantido lá após a liberação do uso dessa planta como tratamento pelo então presidente Mujica. É importante que o documentário tenha sido feito por um cineasta dos mais conceituados no Brasil, pois sabemos assim que o que está sendo mostrado é verdadeiro. É um filme simples, mas documentado através de entrevistas – tanto com técnicos que trabalham num laboratório no Uruguai quanto com usuários da droga como remédio. É mostrado um personagem que tem mais ligação filosófica com a cannabis. Ele analisa a questão não apenas como droga, mas como elemento que pode ser utilizado como descoberta para o equilíbrio pessoal. Fui atraído para ver esse filme não pelo assunto, mas pelo cineasta diretor – e pelo fato de termos um documento de um país civilizado, próximo a nós.

(Olinda, 23. 10. 2020)

 


Glauber, claro

Na Mostra de São Paulo, escolhi como primeiro filme para ver Glauber, Claro, realizado por um jovem brasileiro, César Meneghetti, que me parece ter muito a ver com a Itália. O filme está ligado ao período em que Glauber viveu nesse país, entre 1970 e 1976, e quase que termina com o célebre discurso de Glauber esculhambando a Mostra italiana – que, em vez de premiar A Idade da Terra, premiou filmes comerciais, medíocres, como afirmou o cineasta brasileiro. Essa exibição na Mostra de SP tem o problema de estar sem legenda, mas, como o filme é quase todo falado em italiano, o problema é menos grave. O espectador poderá esperar quando ele for exibido no canal Curta, como anunciou o diretor. César Meneghetti entrevista um bocado de gente que trabalhou ou só lidou com Glauber, pessoas que eram jovens nos anos 70. Não sei se, por isso, quase tudo é muito memorialista e muito calmo, para só explodir com o discurso final de Glauber. O diretor se mostra muito simpatizante do cineasta brasileiro, mas preocupado em mostrá-lo como capaz culturalmente, e não “porra-louca”, o que me parece um tanto desnecessário. Talvez por isso senti um desenrolar da narrativa quase burocrático.

(Olinda, 22. 10. 2020)

 


Guerra, um filme português

Um título talvez simples demais para um filme que está participando da Mostra SP no grupo Perspectivas Internacionais, o que lhe dá certamente destaque. Guerra não é guerra, mas memória. São os portugueses preocupados com o passado colonialista deles. Enquanto nós ficamos ligados ao fato de termos sido sempre submissos, os portugueses sofrem por sentirem que sempre estiveram do lado dos colonizadores. Talvez até sem querer, é claro. Muitas pessoas estão comentando que o cinema de Portugal está dando um salto adiante e tem feito bons filmes, e por isso é preciso prestar atenção a eles. Inclusive estão exibindo os filmes portugueses com legenda, pois se lembram de que é difícil para os brasileiros entenderem o português falado em Portugal.

Mas, voltando ao ponto que interessa, no filme Guerra o grande personagem é um velho atormentado pelas lembranças da guerra colonial que o atacam noite e dia. Os personagens mais novos são quase simples coadjuvantes. O filme assume um clima de extrema melancolia, tanto pela ação quanto pela ambientação, pela luz e pelo roteiro musical. E inclusive pelo som do português falado. Me deu vontade de ir morar uns três meses em Portugal. Seria a única forma de me aproximar mais dessa cultura para nós muito perto e ao mesmo tempo muito estranha. É belo e triste ao mesmo tempo o cenário. E as cenas com os militares são também melancólicas e um tanto ridículas. Merece atenção certamente o cinema português. Esse filme foi realizado por um grupo de jovens, entre eles José Oliveira, Marta Ramos, Abel Ribeiro e José Lopes.

(Olinda, 24. 10. 2020)

 


Plataforma Looke

A Mostra de SP tem uma plataforma própria para exibir os filmes, alugados, cada um, por R$ 6, na Mostra Play, que funciona muito bem. Mas os filmes que não são alugados, mas vistos gratuitamente através do patrocínio do Sesc e da Prefeitura de São Paulo (via SPCine) são transmitidos pela Plataforma Looke, que é uma empresa privada de streaming. E os filmes que são vistos pela Looke têm um certo problema para serem vistos, porque não são tão fáceis para manejar e inserir legendas. Mas o pior é que essa Looke – não sei por quê – mostra os filmes com um defeito permanente. Quando o filme começa a ser baixado, aparece uma roda visual que não para – e fica até o final da exibição do filme assim, perturbando a visualização do ponto de vista estético. Essa Looke também exibiu os filmes da Mostra de Curitiba e já ali havia esse defeito. É preciso que o pessoal responsável fale com eles para sanar esse defeito.

(Olinda, 24. 10. 2020)

 


Colômbia era nossa

É um filme que trata do acordo feito entre o governo colombiano e as Farc. É uma questão interna da Colômbia, mas o filme foi produzido e dirigido por europeus, tendo como fontes Finlândia, França, Dinamarca e Noruega. Os diretores foram Jenni Kivisto e Jussi Rastas, que estão concorrendo na Mostra como “novos diretores”. A equipe do documentário entrou totalmente na Colômbia e entrevistou dezenas de pessoas, tanto das Farc quanto do governo, buscando mostrar o que realmente aconteceu.

O filme tenta ser um documento vivo que está mostrando fatos ainda não históricos, mas o espectador se sente à vontade de pensar no que está acontecendo na região hoje, inclusive com as relações atuais entre Colômbia e Venezuela. Sem querer, os europeus dão ao filme um certo ar de purismo, e não de sujeira, como seria se o filme fosse realizado por uma equipe latino-americana. Entretanto, é bom. É narrado em espanhol e com umas poucas falas em inglês.

No final, há uma sequência de tourada em que o touro é morto, e não o toureiro, e eu não fiquei sabendo o que eles pensam realmente da situação da tourada em comparação com a realidade do país. Fica pelas entrevistas a impressão de que ninguém está satisfeito, nem os burgueses, nem os camponeses. Uns porque já não são donos da Colômbia, outros porque com o acordo até perderam a esperança de terem uma vida digna de viver. E as injustiças continuam. E eles continuam sem escola, sem boa alimentação, sem saúde, sem distinção dentro do país, isso aí.

(Olinda, 24. 10. 2020)

 


5 Curtas de mestres

A Mostra de São Paulo apresenta um pacote cinco curtas-metragens que eles apelidaram de “Masters in short”. Dois cineastas eu conheço, o chinês Jia ZhangKe e o iraniano Jafar Panahi. E dois não conhecia, o canadense Guy Maddin e o ucraniano Sergei Loznitsa. Na verdade, não será por esses filmes que se poderão julgar os mestres, e assim temos que confiar no que a curadoria da Mostra diz.

A VISITA é o curta de Jia ZhangKe. Temos uma cena simples em torno da pandemia do coronavírus. Alguém bate à porta de um apartamento para entregar um remédio, e tanto quem bate quanto quem atende está de máscara. Há um pequeno jogo com a situação e existe muita atualidade, sem dúvida, mas nada muito especial como cinema.

O ADIVINHADOR e OS CAÇADORES DE COELHOS são filmes, ambos, dirigidos por Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson – um trabalho de equipe. O Adivinhador é uma pequena estória em torno de um parque de diversões e um “adivinhador” que mexe com o futuro das pessoas. Os Caçadores de Coelhos me pareceu uma criação em torno de uma novela hollywoodiana. Tive a informação de que Guy Maddin faz um cinema inspirado no cinema do passado.Realmente nesses dois sentimos uma ambientação formal buscando brincar com o cinema em que não havia som e vozes – e assim se precisava das grandes legendas. Também o clima romântico está bem presente através da criação artística das imagens.

UMA NOITE NA ÓPERA foi realizado pelo ucraniano Sergei Loznitsa e mostra o que acontece numa noite numa ópera. Ele exibe a entrada do requintado público com suas roupas especiais e medalhas. Depois, então, termina com uma cantora individualmente e com uma cena de um musical operístico. Uma frase encerra: “to night and every night of the Opera”. Simples e nada de “mestre” como cinema.

ESCONDIDA é um filme de Jafar Panahi, diretor iraniano que vive em prisão domiciliar no seu país. É mais uma sequência das denúncias contra os hábitos tradicionalíssimos no Irã. O filme registra a presença de uma jovem diretora de teatro que deseja montar uma peça, mas tem dificuldade de reunir um elenco. Uma das moças procuradas está numa vila do Irã e, quando chegam à casa dela, a situação se torna estranha, pois nem mesmo a jovem aparece. Depois de uma certa fabulação, a moça termina cantando para que o cineasta a escute sem liberdade para filmar – ela por trás de uma cortina. E canta realmente belíssimo.

(Olinda, 25. 10. 2020)


por Celso Marconi, Crítico de cinema mais longevo em atividade no Brasil. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8  |   Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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