Entre a estupidez e a loucura
‘O elogio da estupidez ou o encómio da loucura’ de Erasmo de Roterdão – que não sei porque razão foi resumido em holandês e nas restantes línguas contemporâneas a ‘Elogio da Loucura’ – é justificado pelo autor, na epístola a Tomás Morus que a acompanha, por ser escrito em ‘tempos impróprios para coisas sérias’.
Ainda mais impróprios para temas sérios são os nossos tempos, pelo que me parece apropriado recordar agora Erasmo e seguir o seu exemplo.
No nosso mundo, e muito especial a Europa, parece estar a disputar-se um campeonato para premiar quem consegue reagir de forma menos inteligente e menos mentalmente equilibrada à pandemia decretada este ano, e força é constatar que Portugal se apresenta aí com consideráveis créditos, pese embora a importante concorrência enfrentada.
Na Grécia, foi decretada a prisão domiciliária geral. Se o cidadão quiser sair para fazer compras tem de solicitar licença através de mensagem electrónica. Não é claro o que acontece a quem não tenha telemóvel ou que fique sem bateria. O recolher obrigatório nocturno pode ser interrompido para passear o cão, desde que não seja longe da residência.
Em França, as regras parecem ter sido copiadas dos regulamentos prisionais. O cidadão está autorizado a ausentar-se de casa um máximo de um quilómetro e por uma hora por dia, com cão ou sem cão, desde que acompanhado de um formulário devidamente preenchido e sem rasuras. Quanto ao recolher obrigatório, a julgar pelos foros de discussão electrónica, os cães franceses não usufruem da mesma magnanimidade com que são tratados os cães gregos.
Na Bélgica, as autoridades encontraram a solução ideal para refazer a igualdade na obrigatoriedade do encerramento de lojas especificamente dedicadas à venda de um sem número de coisas; as lojas abertas ficarão proibidas de vender os produtos específicos das lojas fechadas. Ir às compras numa grande superfície passou assim a ser semelhante a realizar uma gincana entre fitas que impedem a compra dos produtos proibidos, que vão desde roupa interior a electrodomésticos, passando por pratos e utensílios de casas de banho.
No Reino Unido, para além de se proibirem as visitas domiciliárias proibiram-se os casamentos, excepto se um dos cônjuges estiver no ‘leito de morte’. Portanto, o conselho das autoridades parece ser: se quer casar, assegure-se do enterro imediato do seu cônjuge! Mesmo aí, os casamentos não poderão ser assistidos por mais de seis pessoas, não se explicando se o subsequente enterro poderá ser aberto às 30 pessoas permitidas nos funerais ordinários.
Em Portugal, o Governo instituiu um recolher obrigatório para os fins-de-semana, com isenção e horário reforçado para as grandes superfícies, proibições de deslocação entre concelhos e um sem número de outras medidas menos inovadoras.
Aqui, a oposição mostra grande capacidade para ultrapassar o Governo. Em comunicado do PSD pode ler-se que ‘PSD quer maior envolvimento das Forças Armadas nesta fase de combate à pandemia’. Quando li o título pensei que se tratava de seguir os ensinamentos do camarada Kim Jong Un que resolve os problemas da pandemia a tiro, mas uma leitura mais atenta tranquilizou-me; parece tratar-se mais de um caso de iliteracia que de demência.
O comunicado social-democrata começa com esta pérola: ‘tendo em conta o papel de agente de proteção civil preferencial das Forças Armadas no combate a este tipo de missões complexas de combate à pandemia, recomenda-se ao Governo que envolva as Forças Armadas no planeamento e operacionalização das ações a adotar nesta nova fase de combate à pandemia, designadamente nas ações de apoio aos cidadãos em situação de maior vulnerabilidade e de risco como é o caso dos lares e demais instituições sociais de todo o país que prestam serviços a esta franja da população mais desprotegida’
Mas como se o dislate não chegasse proferido uma vez só, prossegue o dito comunicado social-democrata: ‘as Forças Armadas estão preparadas e devem ter um papel fundamental no planeamento e operacionalização das ações a adotar nesta nova fase de combate à pandemia, sobretudo num momento em que o país retoma a atividade escolar e se aproxima a época da gripe’.
Com ou sem ‘Chega’, se Portugal não ganhar este campeonato com o Governo, a vitória está garantida com a oposição!
Entretanto, lê-se na imprensa que no mês de Outubro, tal como já vinha acontecendo anteriormente, mais de metade da mortalidade em excesso à normal atingiu pessoas que não tinham sido contagiadas pela presente pandemia.
Como já aqui o disse, a mais provável causa apontada pela literatura científica para esta mortalidade em excesso é o pânico com a presente pandemia que leva a que todos os outros riscos sanitários sejam descurados.
Por outras palavras, não, contrariamente ao que nos martelam, os custos da falta de inteligência e equilíbrio mental não são apenas na destruição das liberdades, direitos e garantias ou na destruição dos nossos modos de vida; traduzem-se também na perda das vidas de inocentes cidadãos!
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