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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

A “Grande Reinicialização” não passa de um pretexto: A democracia

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A ideia da Grande Reinicialização poderá singrar facilmente pela simples razão de nada se lhe opor. Em termos políticos a distopia de Schwab é suficientemente assustadora porque não contempla nenhuma consciência generalizada das questões, nenhuma organização política popular eficaz, nada.

Num livro recentemente publicado pelo Fórum Económico Mundial, «Covid-19: The Great Reset», vincula-se a pandemia a propostas de contornos futuristas de forma que aquelas sejam acolhidas com admiração. Na actual atmosfera de confusão e desconfiança, a alegria com que os autores saúdam a pandemia como prenúncio da sua proposta de turbulência socioeconómica sugere que, se a Covid-19 não tivesse surgido por acidente, podendo, teriam sido eles a criá-la…

A ideia da Grande Reinicialização poderá singrar facilmente pela simples razão de nada se lhe opor. Em termos políticos a distopia de Schwab é suficientemente assustadora porque não contempla nenhuma consciência generalizada das questões, nenhuma organização política popular eficaz, nada.

Afirmar que as eleições, como a eleição presidencial norte-americana deste ano, acabam de ilustrar a despolitização quase total dos eleitores pode parecer um exagero, considerando as violentas emoções partidárias a que se assistiu, mas uma observação mais atenta rapidamente revela que tudo aquilo foi muito barulho para nada.

Como se foi tornando hábito nos últimos anos, não houve qualquer debate sobre as questões reais que afectam e condicionam o dia-a-dia dos cidadãos, nenhuma questão política séria levantada sobre a guerra ou sobre os rumos do desenvolvimento económico futuro. As discussões mais violentas foram sobre pessoas, não sobre políticas. O que prevaleceu foram as mentiras, os insultos e a confusão onde o trapalhão Trump foi acusado de ser “Hitler” enquanto os seus partidários acusavam os falcões do partido Democrata mais subordinados aos interesses empresariais e financeiros, de serem “socialistas”.

As distinções políticas entre esquerda e direita, ou entre azuis e vermelhos (se nos centrarmos na lógica bipartidária da política norte-americana que tantas vezes se procura generalizar para outras realidades e outros contextos), tornaram-se mais apaixonadas à medida que se foram revelando incoerentes, distorcidas e irrelevantes, baseadas mais em preconceitos ideológicos do que em factos. Alinhamentos políticos novos e mais frutíferos poderiam ser construídos por meio do confronto com questões concretas e específicas.

É verdade que de um estudo organizado e concentrado das questões levantadas pelos planeadores de Davos, a fim de despertar uma opinião pública informada para avaliar quais as inovações técnicas que são socialmente aceitáveis e as que não são, poderia até resultar um renascimento e um fortalecimento da democracia, mas os avisos provenientes de algumas franjas mais atentas e esclarecidas não influenciarão a relação intelectual de forças.

O que era necessário é que fossem promovidos debates generalizados para estudar e aprofundar as questões propostas e desenvolver opiniões bem fundamentadas sobre objectivos e métodos de desenvolvimento futuro.

A menos que enfrentem críticas informadas e precisas, tudo o que representa Silicon Valley, os grandes conglomerados tecnológicos e os seus aliados financeiros e empresariais continuarão simplesmente a fazer tudo o que imaginam que podem fazer, sejam quais forem os efeitos sociais que não sabem nem querem avaliar.

Uma avaliação séria e verdadeiramente orientada para a defesa do interesse geral deve estabelecer distinções entre as inovações potencialmente benéficas e as indesejáveis, a fim de evitar que noções populares sejam usadas para conquistar a aceitação de todo e qualquer “avanço tecnológico”, por mais sinistro que ele seja.


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