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Domingo, Dezembro 22, 2024

Fecho da refinaria em Matosinhos e destruição de emprego

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Com o fecho da refinaria em Matosinhos a Galp pretende reduzir custos para continuar a distribuir elevados dividendos aos acionistas, embora para isso tenha de destruir muito emprego e capacidade produtiva do país

Neste estudo analiso as razões que levam a GALP a querer fechar a refinaria de Matosinhos, mostrando que ela nos últimos anos tem acumulado enormes lucros, com os quais tem distribuído dividendos muito elevados aos seus acionistas (5.676 milhões € entre 2003 e 2019), sendo 61% desses dividendos a apenas aos 7 principais acionistas, que detêm a maioria do capital da GALP (digo quem são e quanto receberam). Para conseguir esses elevados lucros, a GALP tem impostos aos portugueses preços de combustíveis superiores à média da União Europeia.

Em plena pandemia (mar/nov2020) a GALP ainda aumentou mais esse fosso, já que nem o governo nem a ENSE fazem qualquer controlo, como provo utilizando dados divulgados pela Direção Geral de Energia. E a estratégia atual da GALP para poder continuar a distribuir enormes dividendos aos seus acionistas, tendo em conta a quebra de vendas causada pela pandemia, é aumentar ainda mais os preços (novos aumentos já foram anunciados) e reduzir custos, mesmo que para esta redução tenha de despedir centenas de trabalhadores (400 diretos e 1100 indiretos) em plena pandemia e de destruir capacidade produtiva do país. E uma parcela importante dos investimentos para modernizar as refinarias de Sines e de Matosinhos foi paga pelos contribuintes como mostro também no estudo

 


Estudo

Com o fecho da refinaria em Matosinhos a Galp pretende reduzir custos para continuar a distribuir elevados dividendos aos acionistas, embora para isso tenha de destruir muito emprego e capacidade produtiva do país

As empresas do setor da energia e, em especial a GALP,  assim como os respetivos acionistas têm gozado de um verdadeiro regime de exceção e de apoio do Estado em Portugal. Aumentam os preços quando querem e como querem, obtendo elevados lucros,  e nem o governo nem os reguladores fazem alguma coisa para defender os consumidores, que são na sua esmagadora maioria trabalhadores. E como tudo isto já não fosse suficiente, o Estado concede-lhes benefícios fiscais que se traduzem em centenas de milhões  € de receitas fiscais perdidas que, depois, são compensados com enormes aumentos de impostos (IRS,IVA) pagos pelos trabalhadores, pensionistas, e outros portugueses.

A juntar a tudo isto, quando a GALP, para manter os elevados lucros que tem, anuncia que vai encerrar a refinaria em Matosinhos e lançar no desemprego mais de 400 trabalhadores diretos e por em perigo o posto de trabalho de mais de 1100 trabalhadores indiretos, vem logo o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes,  dar cobertura a essa decisão dizendo:

O Governo português, em bom tempo, decidiu alargar na sua proposta a sítios onde existem indústrias poluentes, em primeiro lugar as refinarias. Não estou a dizer que estávamos a espera que isto acontecesse com esta brevidade, mas era de imaginar que um dia destes, um ano destes, essa situação viesse a colocar-se

Para o ministro, a decisão da GALP era previsível, natural e inevitável; mas para o país é a destruição do aparelho produtivo, é mais um passo na sua desindustrialização o contrário daquilo que o governo diz querer; e, para os trabalhadores, o desemprego a quem o ministro acena com alguns apoios sociais.

No entanto, a GALP no comunicado que enviou a CMVM foi muito mais explicita nas razões que a levam a fechar a refinaria de Matosinhos. Esta medida permitirá segundo a GALP “uma redução de mais de 90 milhões € por ano em custos fixos, e descontinuar 200 milhões de ativos”, ou seja , de equipamentos que deixarão de ser utilizados. Depois acrescenta, para “adoçar o veneno da pílula”, preocupações ambientais (permitirá uma redução de 900kt das emissões de CO2).

Mas as verdadeiras razões não são estas, mas sim, como afirma a própria GALP no seu comunicado,  os “efeitos da pandemia COVID-19, originaram um impacto significativo nas atividades industriais de downstream da GALP”. E para que o grupo não tenha uma redução significativa nos seus lucros despede-se trabalhadores e destrói capacidade produtiva do país. É a solução habitual e mais fácil utilizada pelas entidades patronais.

 

Em plena pandemia a Galp aumentou mais os preços dos combustíveis que na União Europeia

Aproveitando a falta de qualquer controlo de preços dos combustíveis (gasóleo e gasolina) em Portugal, e contando com a passividade e mesmo aceitação do governo e da ENSE, a GALP em plena pandemia (março/novembro 2020) aumentou os preços dos combustíveis mais do que o verificado nos países da União Europeia, alargando o fosso, como revela o quadro 1 com dados divulgados pela DGEG do MATE.

 

Quadro 1 – Variação dos preços dos combustíveis entre março e novembro de 2020 em Portugal e na União Europeia

O preço do litro do gasóleo sem incluir impostos, que reverte na totalidade para as empresas e não para o Estado, em março de 2020 era, em Portugal, já superior ao preço médio praticado nos países da União Europeia em 2,3% mas, em novembro de 2020, essa diferença aumentou para 6,6%. Uma variação semelhante se verificou no preço da gasolina 95 sem incluir impostos: em março de 2020 o preço do litro em Portugal era inferior à média dos preços da gasolina sem impostos nos países da União Europeia em  -2,5%, mas em novembro de 2020 o preço em Portugal já era superior em 5,2% ao da U.E..

A GALP e outras petrolíferas procuraram compensar as quebras nas vendas por um aumento significativo dos preços sem impostos, para assim poderem manter os elevados lucros. No mesmo período verificou-se o aumento do fosso do Preço de Venda ao Público (PVP), que inclui os impostos, do gasóleo e da gasolina entre Portugal e a U.E.: a diferença a mais entre Portugal e U.E. aumentou entre mar/nov2020 (quadro 1).

 

Elevados dividendos distribuídos todos os anos pela Galp aos seus acionistas à custa dos preços leoninos superiores aos da União Europeia pagos pelos portugueses

Apesar da remuneração média dos trabalhadores em Portugal ser cerca de metade da média da U.E., a GALP impõe preços aos consumidores portugueses que são superiores aos preços médios praticados na União Europeia, perante a passividade do governo e do regulador que nada fazem e tudo permitem, arrecadando elevados lucros que depois os distribui aos seus acionistas sob a forma de dividendos cujos valores chocantes constam do gráfico 1 (dados divulgados pela própria GALP no seu “site”).

 

Gráfico 1 – Dividendos distribuídos aos acionistas da Galp
Período: 2009 a 2019 – Milhões € Fonte: Galp (site)

Os dividendos distribuídos pelo GAP aos seus acionistas, no período 2009/2019, cresceram vertiginosamente. Entre 2009 e 2019, aumentaram em 249,2% (subiram de 166M€ para 580M€). A GALP dos 4183 milhões € de lucros que obteve no período 2009/2019 distribuiu, aos seus acionistas, 3.542 milhões € de dividendos à custa dos preços leoninos que impõe aos portugueses. No quadro 2, estão os  maiores acionistas beneficiados com a distribuição de elevados dividendos agora no período 2003/2019.

 

Quadro 2 – Quem são os maiores acionistas da GALP e qual o montante de dividendos que receberam

No período 2003/2019, dos 7.115 milhões € de lucros obtidos pela GALP, os acionistas receberam 5.676 milhões €, sendo 3.469 milhões € (61,1%) por 7. Com a exceção da Parpublica, que é uma empresa pública, mas que apesar disso ela e o governo nada fazem para evitar o fecho da refinaria e o despedimento de 400 trabalhadores, todas os outros são estrangeiros ou têm sede no estrangeiro, estando os nas condições do art.º 51º do Código do IRC isentos do pagamento de imposto sobre os dividendos em Portugal, ao contrário de um pequeno acionista que paga 28% de imposto sobre o dividendo que recebe. É por esta razão que a família Amorim constituiu uma empresa na Holanda para gerir a sua participação na GALP.

 

É importante lembrar os enormes benefícios fiscais que o Estado tem concedido à Galp

Um exemplo. Em 2008, o governo de Sócrates, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 55/2008, aprovou a concessão à GALP de um benefício fiscal que custou ao Estado 211 milhões € de receitas de IRC perdidas para compensar este grupo precisamente pela modernização das refinarias de Sines e Matosinhos, valor aquele que representou um quinto do investimento total realizado nas refinarias. A GALP quer destruir aquilo que feito com dinheiro dos contribuintes.



 


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