Bob Wilson, criança tímida, gaguejante, que uma professora ajudou sugerindo-lhe que dissesse tudo mais devagar, com tempo, veio a fazer mais tarde, nas suas criações, esse mesmo exercício do atrasar do tempo, do movimento num espaço já redesenhado pela sua formação modernista de arquitecto e pelo seu imaginário surrealista, libertário, de cenógrafo, de coreógrafo, de encenador original e irreverente.
Diz, numa célebre entrevista que podemos ver no dvd ABSOLUTE WILSON que tudo se resume a perguntar What is this? O que é? como perguntam as crianças na pequena infância em que tudo é novo à sua roda.
O que é isto? E ainda: Porquê, acrescentaria eu, como na Alice de Lewis Carroll interroga a lagarta fumadora.
Porque qualquer resposta à pergunta inicial (iniciática) de “o que é isto” levará a que se coloque a interrogação do “porquê”, não menos importante.
No caso de Bob Wilson o porquê da resposta é dado na multiplicidade das suas obras, dos desafios que se lança a si mesmo, numa interrogação-resposta permanente.
Onde falta a palavra abundam as imagens, as imagens são a substância mesma da narrativa, por muito incompreensível que possa parecer. A Associação livre, aleatória, contém e revela o seu segredo: é por vezes nos cadernos de esquissos que a animação da cena nos surge em ordem íntima; pois como Wilson diz também (na entrevista do dvd que referi) ao caos original é preciso impôr alguma ordem.
Não uma ordem total que venha a abolir a desordem da criação, mas “alguma ordem” que ainda assim permita que uma parte desse caos respire, se manifeste, exista como Obra.
Não admira que um dos Papas do Surrealismo francês, o poeta Aragon, tenha aclamado Bob Wilson como o verdadeiro surrealista por excelência, o que transpôs toda a linguagem do inconsciente, sem filtro, para as criações do seu mundo exterior, o palco, que passou a ser o espaço de expressão da consciência liberta e criadora.
Não há palavras que cheguem para descrever a originalidade, abundância, o desassossego, a bebedeira de imagens com que Wilson a seu modo nos embriaga também. Podemos viver e reviver com ele esse excesso, não o poderemos nunca abarcar e descrever por completo.
Há uma diferença essencial entre o falar e o dizer:
no seu caso não se trata de acumular, falando por falar, mas de abrir os portões da alma e do dizer como livre expressão de um Verbo fundador. Ora mais contido, ora frenético, ou quase, de tão reprimido inicialmente.
Faz as perguntas, dá as respostas… aqui estão os porque sim:
numa explosão de ideias, numa explosão de imagens, numa explosão de luz!
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