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Terça-feira, Julho 16, 2024

Agitar para Reinar

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Mesmo no olho do furacão da pandemia, a semana que teve como ponto mais alto a cerimónia de tomada de posse do novo presidente norte-americano, não terá sido, ao contrário da imagem que a comunicação social se esforçou por divulgar, o culminar de um período de grandes incertezas e expectativas na política do país que ainda luta para se manter como potência hegemónica.

Ainda que após os acontecimentos do dia 6 de Janeiro – data marcada para o Congresso confirmar o resultado da eleição presidencial iniciada com o processo eleitoral de Novembro, em que, depois de falhadas as tentativas para contestar judicialmente os resultados e de pressionar o vice-presidente a não os homologar, uma multidão de apoiantes de Donald Trump invadiu o Capitólio na tentativa de impedir a confirmação da derrota do seu mentor e candidato – tenha parecido registar-se alguma acalmia na situação, a ponto da administração Trump começar a admitir um processo pacífico de transferência de poderes, essa ilusão foi plenamente confirmada, se preciso fosse, pela promessa de voltar “de uma forma ou de outra”, deixada por Trump no momento da saída da Casa Branca.

O muito que se tem escrito (e ainda se irá escrever) sobre o assunto pouco refere o facto da actuação de democratas e republicanos estar há meses dominada pela disputa sobre o resultado das eleições de Novembro, quando é evidente que nenhuma das facções perde uma oportunidade para sistematicamente despertar as emoções e assim inflamar deliberadamente as opiniões e os sentimentos duma população cujas condições de vida se têm vindo a deteriorar drasticamente, como o demonstram uma taxa de desemprego a atingir valores superiores aos da Crise Sistémica Global (2008), os estados (central e federados), as empresas e as famílias a sofrerem o maior endividamento de todos os tempos, a crescente desintegração das infra-estruturas, uma classe média conduzida à ruína por medidas de combate à pandemia cada vez mais severas, o aumento da pobreza e da fome, enquanto a riqueza dos multimilionários aumenta 1 bilião de dólares.

O aumento sem precedentes da desigualdade social está a criar tensões que, por razões políticas, sociais económicas ou racistas, explodiram numa violência de que os eventos de 6 de Janeiro serão apenas uma pequena amostra do que pode se esperar nos tempos próximos, tanto mais que os dois partidos (republicanos e democratas) têm feito exactamente o oposto de reduzir as tensões, com os republicanos a reclamarem contra fraudes eleitorais (das quais eles próprios beneficiaram amplamente em 2000) e a incitarem manifestantes a cometer actos de violência, para depois os condenarem, enquanto os democratas deram início a um processo de impeachment, que não podia beliscar minimamente o mandato de Trump, mas que serve para alimentar sistematicamente a ira dos seus apoiantes. Tudo isto a par da crescente tendência das grandes plataformas tecnológicas (Facebook, Youtube, Twitter, etc.) para imporem alguma forma de censura nas redes sociais, o que além de perigoso precedente alimenta ainda a fúria já desencadeada.

Analisadas em conjunto estas medidas podem muito bem ser pequenos detonadores accionados de forma mais ou menos deliberada para manter a tensão ou para deflagrar o barril social que são actualmente os EUA e ajudar a justificar medidas prejudiciais ao interesse geral.

Para compreender a actual realidade norte-americana (e global) importa perceber o papel do verdadeiro centro de poder que representam as Big Tech (conjunto de empresas tecnológicas onde pontificam a Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft e que representam na actualidade um papel idêntico ao do complexo militar-industrial que comandou os destinos no pós-guerra) e as gestoras de activos, como a BlackRock, a Vanguard, a State Street e a Fidelity (empresas que gerem mais de 20 biliões de dólares de activos, valor idêntico ao do PIB norte-americano, e representam os principais actores do sistema de bancos sombra), no actual panorama de financeirização das economias.

Porém, este grupo de interesses e de poder fortemente concentrado está a debater-se com os limites que resultam de um sistema monetário global alicerçado sobre o dólar norte-americano, moeda cuja fragilidade é cada vez mais visível (ver, a propósito, o artigo «A queda do dólar está a aproximar-se»), como o indicia o colapso dos mercados de acções nos finais de 2018, os problemas no mercado de recompra (repo) dos EUA em Setembro de 2019 e a repetição do quase colapso do sistema financeiro global em Fevereiro/Março de 2020 e que mostram o esgotamento da capacidade dos bancos centrais para a realização futura de novos resgates.





Não se estranhem, por isso, as notícias sobre as subidas de Wall Street nem o anúncio de pacotes de estímulos económicos pela nova administração Biden, que oscilam entre os 1,5 biliões e os 1,9 biliões de dólares, mas que não passam afinal de um retomar da cada vez mais recorrente solução de recurso a injecções monetárias destinadas à reanimação de economias que se revelam, a cada nova crise ou mero sobressalto, cada vez mais anémicas e menos capazes de reacção.

A anemia das economias e a necessidade de revisão dum sistema monetário baseado no frágil dólar estão a constituir-se como duas necessidades imperiosamente sentidas pelo complexo digital-financeiro e o recurso a um clima de crispação e agitação (a par com o encerramento das economias) pode, em última análise, funcionar favoravelmente aos interesses instalados mediante a criação de uma moeda virtual por eles controlada e agravando ainda mais o modelo de concentração da riqueza; senão, veja-se como se tem acelerado a redução do nível de vida de milhões de pessoas, em consequência da necessidade de protecção contra a pandemia, o que pode constituir uma excelente preparação para novas e ainda mais sofisticadas iniciativas.


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