Há confrontos políticos cujo resultado encerram paradoxos. A disputa à presidência da Câmara dos Deputados é um deles. Bolsonaro venceu e se fortaleceu com a vitória de Arthur Lira (PP-AL).
Tem o desafio de realizar, daqui por diante, uma espécie de governo de coabitação com o Centrão, um arranjo prenhe de contradições. Entre elas, surgirá, nas próximas semanas, parlamentares cobrando promessas não cumpridas provenientes do imenso balcão montando pelo Palácio do Planalto para barganhar votos pró-Lira.
A aberração da candidatura da deputada Bia Kicis (PSL-DF) à presidência da CCJ é outro exemplo do bate-cabeças que haverá neste dito governo de coabitação. Bolsonaro ganhou uma blindagem sobretudo contra o impeachment. Mas por quanto tempo? Somente as circunstâncias e a luta política em curso poderão responder.
Eis, então, o paradoxo. A candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) foi derrotada por uma margem grande de votos. Todavia, abriu uma trilha importante à oposição: o caminho da frente ampla, que é o único capaz de impor derrotas ao neofascismo de Bolsonaro e, também, o único que pode forjar uma maioria no eleitorado capaz de derrotá-lo em 2022, caso ele siga como presidente da República até lá.
O Palácio do Planalto montou uma verdadeira operação de guerra, financiada por bilhões de reais do orçamento federal, para vencer o confronto na Câmara dos Deputados. Além de tentar se livrar – ao menos por hora – do fantasma da guilhotina do impeachment, pretende fazer votar sua agenda desastrosa na esfera da economia e reacionária do âmbito do que se chama “dos costumes”‘ (leia-se mais balas e mais armas, licença para matar e outras regressões civilizatórias). E, também, mais e mais cortes de direitos, é claro.
Mas houve outra motivação política para essa guerra. O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) foi apoiado por uma frente ampla constituída por dez legendas, abarcando a direita, o centro-direita e a esquerda. Pela primeira vez, desde que a extrema-direita assumiu o governo da República, formou-se, no âmbito do parlamento, com um programa (Câmara independente, defesa da democracia, da vida e dos direitos), uma aliança ampla, em torno de uma candidatura.
Na eleição de Rodrigo Maia, em 2019, já se formara uma aliança ampla para apoiá-lo. Todavia, o conjunto da esquerda ainda relutava e repelia a necessidade de se formar movimentos de frente ampla. Desse campo político, apenas o PCdoB, pioneiro em propor esse caminho da amplitude, apoiou Maia. Dessa feita, a esquerda quase toda integrou a Frente Câmara Livre. A exceção foi o PSOL, que optou por uma candidatura isolada, divisionista, que objetivamente favoreceu a tática bolsonarista.
O quartel-general bolsonarista marchou com tudo para reduzir a Frente Câmara Livre a pó. Houve um ataque pesado contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, principal liderança dessa articulação. O DEM, com ACM Neto à frente, desertou da Frente. Os tentáculos do bolsonarismo, somados ao poder de “sedução” do Centrão, se espalharam pelo interior de outras legendas que apoiavam Baleia Rossi.
Pela lógica bolsonarista, a Frente Câmara Livre tinha de ser dizimada, como uma espécie de castigo exemplar, posto que se tem o conhecimento óbvio de que a oposição dividida, sem coordenação e sem programa, é a situação mais confortável para o neofascismo se preservar e se expandir. Mas a Frente Câmara Livre resistiu ao bombardeio. Ter chegado à disputa somente com a capitulação do DEM, nas circunstâncias impostas, foi um feito importante.
A Frente Câmara Livre e a candidatura de Baleia Rossi criaram as condições para que, dentro e fora do Congresso Nacional, se forme um vigoroso movimento de frente ampla. No imediato, em torno da luta pela vacinação célere da população, do retorno do auxílio emergencial e da defesa da democracia. No futuro, a depender das circunstâncias, quer seja no primeiro ou no segundo turno, na convergência de forças que liberte o Brasil do desastroso tirano neofacista que está arruinando o país e a vida do povo brasileiro.
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado