Já há algum tempo que a Grécia tem sido apontada como uma das portas de entrada de refugiados no espaço europeu. Aproveitando a entrada por mar, muitos e muitas são aqueles que chegam às ilhas gregas procurando sobreviver. Alguns apelidam-nos de “imigrantes”, um erro comum num discurso algo destituído de isenção ou análise conhecedora dos factos.
Curiosamente (ou talvez não), passámos agora da simples constatação ou procura de soluções condicentes com os Direitos Humanos à condenação comunitária: os 28 países da União Europeia ameaçam a Grécia com o encerramento forçado das suas fronteiras, de modo a “combater” o acesso ao espaço europeu – uma medida que, para além de estar pejada de falta de legitimidade democrática, tresanda a ausência de responsabilização dos agentes envolvidos: “too little, too late”. And not human, acrescentaria eu.
Senão, vejamos: aquando das negociações entre a Troika e o Governo do Syriza, um dos argumentos de Tsipras para a renegociação da dívida impostas pela Comissão Europeia, BCE e FMI, assentava na apelidada “crise humanitária” baseada nas condições de vida dos seus cidadãos mas também dos refugiados de guerra que chegavam ao seu território. Um Eurogrupo, feliz com a cedência do Governo grego às suas imposições, recusara-se a olhar para a situação catastrófica a que já chegara a crise da erroneamente apelidada “migração” às ilhas gregas, há já muito advertida por instituições não-governamentais, como a Amnistia Internacional ou a Avaaz[1]. Nessa altura, refugiados de guerra ainda não entravam de forma tão massiva no Centro e Norte da Europa e o perigo parecia longínquo às instituições europeias, lideradas pelos países daquelas mesmas regiões.
Eis senão que a situação se agravou e as pessoas que fugiam de um amanhã incerto para si e para as suas famílias começaram a não querer ficar-se apenas por Lesbos ou Rhodes e procurar países onde a possibilidade de reaver uma vida condigna lhes parecia mais provável. A Europa dos 28 teve, então, que reconhecer a crise humanitária que não fora suficientemente relevante para o alívio dos juros de uma dívida nacional mas que agora parece justificar todas as medidas, imagináveis e inimagináveis, que contrariam os princípios mais basilares que regem a União. Desde as manifestações contra Merkel, que acedeu em abrir as portas alemãs, ao encerramento de fronteiras por parte da Hungria, Áustria ou ainda o “policiamento” perpetrado por países como a Eslováquia e a França, a mensagem é clara: “aqui não”. Condenável e violador dos princípios europeus, a verdade é que ainda se tratavam de medidas que apenas dizia respeito ao país que tomara a iniciativa – não uma medida imposta a outrem, de modo concertado e ameaçador.
Agora, sabemos que os ministros europeus da Justiça e da Administração Interna do Espaço Schengen já se posicionaram de forma mais gravosa: ameaçam a Grécia de expulsão desse mesmo espaço de livre-trânsito, ainda que utilizando algumas metáforas curiosas num discurso que finge não ser o que realmente é. A Grécia cometeu a ignomínia de continuar a resgatar moribundos na sua zona costeira e abriga-os em campos de refugiados, num esforço que já envolve comunidades nacionais por inteiro. Atitude esta tão vil que tem levado a que se considere a sua nomeação para o Nobel da Paz, segundo nos diz o The Guardian.[2]
Se existe algo de que já sabíamos, é que os “valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade e da igualdade”[3] haviam sido ultrapassados por ditames de grupos económicos informais sem legitimidade democrática – como o caso do Eurogrupo. Dito de outro modo, os Direitos Humanos haviam sido ultrapassados por interesses económicos de índole extremamente peculiar. Agora falamos do agravamento de penalizações a Estados que já haviam sofrido com a austeridade imposta pela sua vertente humanitária, numa Europa onde a xenofobia cresce em mãos dadas com a vitória de sentimentos de extrema-direita. Algo é certo: há que repensar esta União de Pessoas, perguntando-nos se os moldes nos quais foi criada ainda fazem sentido.
[1] “Crise de refugiados aumenta na Grécia com o sistema de apoio aos migrantes a chegar a um ponto de ruptura”, de 25 de Junho de 2015
[2] “Greek islanders to be nominated for Nobel peace prize” de 23 de Janeiro de 2016
[3] Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
Leia também, publicado no Jornal Tornado: Habitantes das ilhas gregas propostos para Prémio Nobel da Paz
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